Ciência de Garagem

Um blog sobre ciência em geral e matemática em particular

quinta-feira, janeiro 22, 2015

A soma

Encontro de doutores na Universidade de Paris, manuscrito do século 16 d.C.

A

gora que já fizemos um apanhado geral da evolução dos sinais aritméticos e de sua longa jornada até a assunção definitiva e bem conhecida de suas formas, podemos dar um passo adiante e analisar com mais detalhes, e segundo a perspectiva das antigas civilizações até os dias atuais,  a evolução das operações matemáticas que esses símbolos respectivamente encerram. Antes de darmos prosseguimento, porém, vamos recordar o porquê dos numerais hindu-arábicos serem mais versáteis e poderosos para fazer contas que qualquer outro sistema numérico já criado pela humanidade, tratando daquela que é uma de suas principais características: seu sistema posicional. Vamos tomar por referência um número qualquer, por exemplo, 975. Neste número, cada algarismo ocupa uma posição que lhe dá um sentido único de valor. É como se cada número ficasse “confinado” em uma caixa, cada caixa possuindo uma escala de grandeza: unidades, dezenas, centenas, etc.

Basta que dois desses números troquem de posição entre si para que mude completamente nossa interpretação do novo número formado e do valor que ele passa a exprimir:



Qualquer um que bata o olho no número 579 conhece seu significado quantitativo e sabe exatamente o quão diferente ele é do número 975. Outra coisa que não pode ocorrer de maneira nenhuma é termos dois números numa mesma caixa, ou escala de grandeza; por exemplo, no número 579, o 7 não pode ocupar a mesma caixa do 9 (a caixa das unidades) e deixar a casa das dezenas vazia, pois essa combinação passa a não ter nenhum significado numérico. Apesar dessas regras nos soarem demasiado óbvias, e de normalmente não percebermos as engrenagens do sistema posicional em funcionamento, são elas que tornam nosso sistema numérico tão poderoso e eficaz. Reavivada a memória, comecemos falando da mais básica das quatro operações aritméticas: a soma, e de como ela era realizada pela nossa já conhecida civilização egípcia. Para isso, vamos também relembrar os sete símbolos utilizados pelos egípcios para representar qualquer número:

Assim, se os egípcios quisessem somar 975 com 27, procederiam desta maneira:

Pois é... Já deu para perceber que os egípcios não utilizavam o sistema posicional, colocando seus símbolos numéricos onde julgassem mais conveniente. E precisavam desenhar um bocado para representar uma simples soma entre dois números. Observe que o número 975 necessita de nada menos que vinte e um hieróglifos para ser devidamente representado e o número 27, nove hieróglifos. Os pés andando para frente, como já vimos, simboliza uma soma (já que o sentido da nossa leitura é sempre da esquerda para a direita). Bom, agora que estamos nessa sinuca de bico, só nos resta somar os números, conforme a regra egípcia, que é a seguinte: primeiro, junte todos os hieróglifos, conforme a seguir:

Agora, toda vez que um determinado símbolo ultrapassar dez unidades, substitua-o pelo símbolo imediatamente superior, iniciando sempre pelo símbolo de menor valor. Então vamos lá, começando pelas unidades: temos doze traços verticais; logo, dez deles devem ser substituídos por um pedaço de corda, restando dois traços verticais. O resultado é este:

Agora, ficamos com dez pedaços de corda; portanto, eles devem ser substituídos por um rolo de corda. O resultado fica:
Ficamos com dez rolos de corda, que devem ser substituídos pelo símbolo imediatamente superior, ou seja, uma flor de lótus. Resta-nos:
Este é o resultado da soma; em nosso sistema decimal, corresponde a 1.002. Não é à toa que os escribas egípcios criaram a escrita hierática, mais simples que a hieroglífica, para a confecção dos manuscritos do dia-a-dia. Vejamos agora como a civilização maia encarava essa soma. Os maias, ao contrário dos egípcios, tinham apenas três símbolos para descrever qualquer número. Vamos relembrá-los:

O sistema numérico maia, além da base vigesimal (e contrariamente aos egípcios), era posicional, e isso faz uma diferença enorme quando o assunto é aritmética. Como já visto anteriormente, os números maias eram empilhados em caixas. Assim, o número 975 seria expresso assim (faremos aqui uma versão decimal do sistema numérico maia, para simplificar as coisas):

E o número 27 ficaria:

Os maias tinham um procedimento para somar chamado Bux-Xoci, que funciona assim: primeiro coloque as colunas de números a serem somados, uma ao lado da outra. Teremos como resultado:

Junte todos os pontos (que representam feijões) e barras horizontais (que representam canudos de palha) na coluna mais à esquerda, cada qual na respectiva caixa que ocupava. O resultado será este:
Agora, começando pela caixa que estiver mais embaixo na coluna à esquerda, siga esta lógica: a cada 5 feijões, substitua-os por um canudo de palha, deixando este canudo na mesma caixa; a cada dois canudos, inclua um feijão na caixa imediatamente acima e exclua os canudos da caixa em que estiver ocorrendo a substituição. Observando a caixa mais embaixo da coluna à esquerda da figura anterior, temos apenas 2 feijões: então eles ficam como estão, mas temos dois canudos; logo, incluímos um feijão na caixa de cima e excluímos os canudos da caixa onde está ocorrendo a substituição. O resultado até agora fica assim:

Na caixa do meio temos agora 5 feijões. Vamos substituí-los por um canudo, segundo o Bux-Xoci. O resultado será:
O Bux-Xoci não admite dois canudos na mesma caixa. Então excluímos os dois canudos da caixa do meio e incluímos um feijão na caixa mais acima. Teremos:

Os maias nunca deixavam uma caixa vazia, como no caso acima. Nessas ocasiões, eles colocavam um zero, ou concha marinha, à qual davam o nome de mixbaal. Então, na caixa do meio irá uma mixbaal, e na caixa mais acima (que está com 5 feijões) já faremos a substituição deles por um canudo. O resultado será:

Ôpa! Na caixa mais acima estamos com dois canudos de palha, e o procedimento Bux-Xoci não admite essa situação. Então, eliminamos os dois canudos na caixa mais acima, colocamos uma mixbaal nela (para que não fique vazia) e criamos uma nova caixa acima dela, para acomodar um feijão. O resultado final será este:

Como não poderia deixar de ser, a soma dá 1.002. Observe que os maias tinham um sistema posicional como o nosso, ainda que a posição de seus números ficasse na vertical, ao contrário do nosso, que é horizontal, e efetivamente faziam uso de caixinhas para definir a escala de grandeza de seus números, de modo que, quanto mais alta a caixa, maior a ordem de grandeza dos números nela embutidos. Muito original e muito eficiente. Com a civilização grega, porém, a situação é um bocado diferente da maia; a matemática dos antigos gregos estava sedimentada em dois ramos principais: a geometria e a aritmética. Acredita-se que os gregos tenham aprendido geometria com os egípcios, durante intenso intercâmbio mercantil e cultural entre ambos os povos no século VII a.C. Ainda que a geometria egípcia fosse elementar e atendesse necessidades cotidianas (como calcular o volume de uma pirâmide ou a quantidade de vinho em uma ânfora), grandes filósofos gregos como Tales de Mileto, Pitágoras de Samos, Platão de Atenas, Demócrito de Abdera e Eudoxo de Cnido visitaram o Egito e foram instruir-se junto aos sacerdotes egípcios e beber de seus conhecimentos, para depois elevarem-na a um patamar de aprimoramento nunca antes atingido, transformando-a efetivamente em uma ciência, com seus teoremas e provas. Na geometria clássica destes homens, os segmentos de linhas, ângulos, áreas e volumes eram chamados de magnitudes, cujas dimensões deviam ser comparadas entre si de acordo com sua natureza (linha com linha, ângulo com ângulo, e assim por diante) em termos de tamanho: maior, igual ou menor. Uma magnitude é aquilo que pode ser divisível em divisíveis que são infinitamente divisíveis, mas que não expressam um valor numérico propriamente dito. Em especial, quando lemos as proposições dos problemas de Euclides de Alexandria (matemático grego que viveu ao redor de 300 a.C. e autor do “Elementos”, tratado de geometria em 13 volumes) nunca vemos a construção geométrica associada a números, mas apenas uma explicação metódica em texto corrido envolvendo geometria pura – pontos, segmentos de reta, ângulos, triângulos, círculos e suas intersecções – na solução dos problemas propostos. A associação dos números na equivalência de medidas geométricas não pertence à escola grega clássica. Assim, se gregos fôssemos, somaríamos geometricamente do seguinte modo: com uma régua, desenhe um segmento de reta, cujas extremidades tenham seus pontos identificados pelas letras A e D.
Agora, com um compasso, construa um círculo com centro em A e raio de magnitude igual a 4. Chame de B o ponto de intersecção entre o segmento de reta AD e o círculo.
Novamente com o compasso, construa um círculo com centro em B e raio de magnitude igual a 2. Chame de C o ponto de intersecção entre o segmento de reta BD e o novo círculo.

Enfim, com uma régua, conecte os pontos A e C. Este segmento de reta (destacado em laranja) é a soma dos raios dos círculos azul e vermelho:
Note que, se os círculos têm raios com magnitudes 4 e 2, poderiam ter, respectivamente, 975 e 27, coincidindo com os valores dos exemplos anteriores aplicados às somas egípcia e maia. De fato, pouco importa o tamanho que se queira dar aos raios dos círculos neste exemplo; o que está por trás deste exercício é a ideia de soma entre duas magnitudes do mesmo tipo (neste caso, segmentos de reta), tal como os antigos gregos procediam, e que serve perfeitamente para expandir o conceito de adição. Por outro lado, se os gregos quisessem somar aritmeticamente, o fariam segundo a arte da contagem, de viés prático, à qual davam o nome de logística (havia também a ciência dos números, mais teórica, que recebeu considerável atenção de Platão e Pitágoras, entre outros, à qual denominavam aritmética). Para a arte da contagem, os gregos utilizavam seu alfabeto como sistema numérico, que não era posicional e com a ausência do número zero, como já visto anteriormente. A soma e as outras operações aritméticas provavelmente eram executadas com o ábaco, instrumento trazido por Pitágoras, segundo reza a tradição, depois de sua visita de aprendizado ao Egito. Não se sabe qual a aparência dos ábacos gregos, porque nenhum sobreviveu aos nossos dias, nem como eram utilizados, mas é possível que fossem assemelhados aos ábacos romanos, que tudo copiaram da cultura helênica.
Um ábaco romano, réplica feita em bronze baseada em um desenho do livro “Decimus Junius Juvenalis & Aulus Persius Flaccus”, de 1.673.

Logo, se gregos fôssemos, somaríamos logisticamente, utilizando, no lugar do ábaco grego (por absoluta falta de referências), o soroban, ábaco de origem japonesa e ainda gozando de grande popularidade (contando inclusive com fiéis adeptos em terras tupiniquins), a despeito da disseminação massiva das calculadoras eletrônicas que, apesar de sua inegável praticidade, só nos fazem atrofiar o raciocínio... Para operar uma soma no soroban é necessário conhecer seu funcionamento. Este ábaco é composto de dez ou mais varetas dispostas em paralelo, presas em uma armação de madeira, cada vareta contendo cinco contas, sendo quatro dispostas na parte inferior da vareta (cada conta valendo 1), e uma conta na parte superior (valendo 5), separadas entre si por uma trave central.
Soroban, o ábaco japonês

Começando da direita para a esquerda, cada haste é indicada por uma letra e representa uma ordem de grandeza: unidades (A), dezenas (B), centenas (C), unidades de milhares (D), dezenas de milhares (E) e assim por diante. Antes de se iniciar qualquer operação aritmética, as contas (tanto as inferiores quanto as superiores) devem estar afastadas da trave central, deixando o soroban "zerado", conforme abaixo:
Para representarmos o número 975 neste ábaco, começamos pela montagem do 9 na casa das centenas (C), conforme abaixo:
Deslocar as contas em direção à trave central forma o número desejado; neste caso, a conta azul (que vale 5) mais as 4 contas laranjas (valendo 1 cada) postas conjuntamente à trave central totalizam os 9. Em seguida, vamos posicionar o 7 na vareta das dezenas (B), conforme a seguir:
Observe a conta azul (valendo 5) e duas contas laranjas (valendo 1 cada) posicionadas junto à trave central, totalizando 7. Por fim, montamos o 5 na vareta das unidades (A), conforme segue:
Basta posicionar a conta azul junto à trave central para obter 5. Montar o primeiro número de uma soma no soroban é fácil. Começar a somar com outros números, porém, exige conhecer as regras abaixo:
Para entender como as regras desta tabela funcionam, vamos somar 127 a 975. Para isso, devemos somar 1 na vareta das centenas (C); observe, porém, que o valor máximo possível de ser expressado por qualquer vareta é 9, justamente o caso da vareta (C). Logo, não dá para deslocar mais uma conta para a trave central; é aqui que começam a entrar as regras. Na tabela, para somar 1 na haste (C), há duas possibilidades: a primeira consiste em somar 5 e subtrair 4. Mas já temos a conta azul (que vale 5) sendo utilizada, ainda que seja possível subtrair 4; portanto, esta regra não atende a condição. Então, vamos à segunda regra: somar 10 e subtrair 9. Como cada vareta só consegue representar até 9, este "somar 10" consiste em colocar 1 à esquerda da vareta (C), ou seja, deslocar uma conta laranja em direção à trave central na haste (D); e o "subtrair 9" consiste em subtrair 9 da vareta (C), o que significa afastar a conta azul e as contas laranjas da trave central. Até aqui, o resultado é este:
Muito bem! Agora, devemos somar 2 na haste das dezenas (B); nada mais fácil, já que temos 2 contas laranjas disponíveis para uso nesta vareta. O resultado será:
Maravilha! Só nos resta agora somar 7 na vareta das unidades (A). Porém, mais uma vez, não temos contas disponíveis em quantidade suficiente para serem utilizadas, uma vez que a conta azul (valendo 5) já está em uso na vareta (A). Assim, temos de recorrer novamente às regras: para somar 7, temos duas possibilidades: a primeira diz "somar 10, subtrair 5 e somar 2". O "somar 10" deveria ser a inclusão de uma conta laranja (valendo 1) na vareta à esquerda, ou seja, na (B). Mas a vareta (B) já está com todas as suas contas em uso, ainda que fosse possível subtrair 5 e somar 2 na haste (A). Então, vamos à segunda opção: "somar 10 e subtrair 3"; porém, novamente este "somar 10" implica em deslocar na vareta (B) uma conta laranja (que vale 1) à trave central. Mas a haste (B) não tem contas disponíveis! E agora, o que fazemos? Nestes casos, a solução é a seguinte: busque a primeira vareta à esquerda da (A) que não esteja com 9 para executar o "soma 10" da segunda regra (já que a primeira regra não atendia o requisito logo de cara). A vareta que atende essa condição é a (C); então, deslocamos uma conta laranja na vareta (C) em direção à trave central, zeramos todas as varetas entre (C) e (A) que tenham 9 (o que implica zerar a vareta (B)) e subtraímos 3 da haste (A), o que implica em afastar da trave central desta haste a conta azul (que vale 5) e posicionar junto à trave central duas contas laranjas (ou seja, 5 – 3 = 2). O resultado final é este:
A soma de 975 com 127 resultam 1.102, que é o valor expresso no soroban. Difícil? Para quem nunca mexeu em um ábaco antes na vida, com certeza. Mas para aqueles que adquirem prática na operação dessa simples ferramenta de cálculo, são capazes de executar operações aritméticas muito mais rápido que usando uma calculadora! Enfim, é provável que os gregos trabalhassem aritmeticamente de forma muito semelhante e com extrema rapidez usando seus extintos ábacos. Perseguindo as pegadas dispersas da ramificada inventividade humana, vejamos agora qual o procedimento adotado pela civilização hindu para somar. Tal como na escrita, eles tinham o hábito de seguir o movimento da esquerda para a direita, ou seja, somavam começando pela coluna mais à esquerda. Assim, se quisessem somar 366 com 574 fariam deste modo: nas caixas laranjas, somariam 3 com 5, resultando 8.
Nas caixas azuis, somariam 6 com 7, o que dá 13. Como o sistema hindu era posicional (aliás, nosso sistema é descendente do deles) não dá para ter dois números numa mesma caixa. Então, o 3 fica na caixa azul e o 1 é somado ao 8 da caixa laranja, resultando 9. Teremos assim:
Finalmente, somam-se o 6 e o 4 das caixas vermelhas, resultando 10. Novamente, dois números não podem ocupar uma mesma caixa, de modo que o 0 fica na caixa vermelha e o 1 é somado ao 3 da caixa azul, resultando 4. A soma enfim será:
Nota-se aqui uma razoável semelhança à forma hindu de somar com aquela que executamos atualmente. De fato, já na idade média o procedimento de somar era exatamente igual ao nosso, como se podem observar a seguir vários exemplos obtidos em alguns excertos de obras matemáticas em livros medievais.
Treviso Arithmetica (1478)

 
Summa de arithmetica geometria – Luca Pacioli (1523)

The Whetstone of Witte – Robert Recorde (1557)

Logistica – Joannes Buteo (1559)

Tractado subtilissimo d’arismetica y geometria – Juan de Hortega (1563)

Esta forma de somar, semelhante à hindu, foi introduzida na Europa em 1202 por Fibonacci a partir da divulgação de seu “Liber Abaci”, onde as regras da soma de números inteiros encontram-se no terceiro capítulo de sua obra. Pois bem! Este é o panorama geral da história da soma aritmética e os artifícios utilizados ao longo dos séculos pela humanidade para a sua consecução; e agora que já sabemos somar de diferentes modos, vamos descobrir as estratégias empregadas por essas mesmas gentes para subtrair. 

 

Referências bibliográficas:

[1]

Fink, K. G. “A brief history of mathematics”, The Open Court Publishing Co., 1900.

[2]

Cajori, F. “A history of mathematics”, The Macmillan Company, 1909.

[3]

Cooke, R. L. “The history of mathematics – A brief course”, 3rd Edition, John Willey & Sons, 2013. ISBN: 978-1-118-21756-6.

[4]

Heath, T. “A history of Greek mathematics – Volume I: From Thales to Euclid”, Oxford at the Calendon Press, 1921.

[5]

Penrose, R. “The road to reality: A complete guide to the laws of the universe”, Jonathan Cape, 2004. ISBN: 0-224-04447-8.

[6]

Joseph, G. G. “The crest of the peacock: non-european roots of mathematics”, Princeton University Press, 2011. ISBN: 978-0-691-13526-7.

[7]

Simmons, G. F. “Calculus Gems: Brief lives and memorable mathematics”, McGraw-Hill Inc., 1992. ISBN: 0-07-057566-5.

[8]

Sigler, L. “Fibonacci’s Liber Abaci – A translation into modern English of Leonardo Pisano’s Book of Calculation”, Springer Science+Business Media New York, 2003. ISBN: 978-0-387-40737-1; ISBN-e: 978-1-4613-0079-3.

[9]

Anderson, W. F. “Arithmetic in Maya numerals”, American Antiquity, Vol. 36, No. 1, 1971.

[10]

Magaña, L. F. “To learn mathematics: Mayan mathematics in base 10”, Proceedings of EDULEARN 10 Conference, 5th – 7th July 2010, Barcelona, Spain.

[11]

Høyrup, J. “Leonardo Fibonacci and abbaco culture: a proposal to invert the roles”, Filosofi Og Videnskabsteori På Roskilde Universitetscenter 3. Række: Preprints og reprints, 2004, No. 1.

[12]

Tejón, F. “Manual para uso do ábaco japonês - Soroban”, Editerio Krayono, Ponferrada, Espanha, 2007. Tradução de Raimundo Viana.

[13]

Anônimo “Treviso Arithmetica (larte de labbacho)”, 1478.

[14]

Luca Pacioli, "Summa de arithmetica geometria", 1523.

[15]

Robert Recorde, “The Whetstone of Witte”, 1557.

[16]

Joannes Buteo, "Logistica, quae et Arithmetica vulgo dicitur in libros quinque digesta", 1559.

[17]

Juan de Hortega, "Tractado subtilissimo d'arismetica y geometria", 1563.


Nota:
Esta postagem é parte integrante do e-book gratuito Matemática: Uma abordagem histórica - Volume 1. Caso queira obter um exemplar, clique aqui.

segunda-feira, janeiro 12, 2015

A evolução dos símbolos matemáticos aritméticos



S

e os algarismos passaram por uma verdadeira epopéia até alcançarem a formatação universalmente conhecida em nossos dias, com os símbolos aritméticos a jornada não foi menos atribulada. Para tornar a coisa toda um pouco mais simples, iniciemos com a evolução dos dois símbolos mais utilizados nas operações aritméticas básicas: a soma e a subtração. Dos babilônios, sabe-se que possuíam um ideograma cujo significado era "menos"; e só. Dos egípcios, chegou aos nossos dias um papiro, denominado papiro de Ahmes ou de Rhind, uma tira estreita de mais de 5 metros de comprimento por 8 centímetros de largura contendo 85 problemas matemáticos em grafia hierática e datado de cerca de 1.650 a.C. Neste manuscrito, o problema de número 28, transcrito para o hieroglífico, apresenta um par de pernas andando para frente:
para representar uma soma, e um par de pernas andando para trás:
para representar uma subtração (dependendo do sentido de leitura que se adotava). Já em outro papiro um pouco mais antigo (escrito por volta de 1.850 a.C., também em hierático), este conhecido como papiro de Moscou ou de Golonishev, o significado do par de pernas andando para frente era completamente diferente: elevar um número ao quadrado...
O problema 28 em escrita hierática do papiro Ahmes...

...e o mesmo problema traduzido para o hieroglífico, com os pares de pernas andando para frente e para trás para indicar, respectivamente, soma ou subtração.

A tradução para o português do problema 28, cujo objetivo é descobrir um determinado número, é a seguinte:
“Quando, de um número, 2/3 são somados e 1/3 (desta soma) é subtraído, restam 10. Tome 1/10 desses 10: o resultado é 1, o resto é 9; 2/3 deste, ou seja, 6, adicionados a ele e o total é 15. 1/3 dele é 5. Quando 5 é subtraído, o resto é 10. Qual é esse número?”
Os maias não tinham símbolos para a adição e subtração, mas possuíam um método engenhoso e criativo para fazer essas operações aritméticas, simplesmente justapondo as colunas dos números a serem somados ou subtraídos e procedendo a determinadas regras para obter o resultado. Já para o matemático grego Diofanto de Alexandria, em sua Aritmética (um tratado com 130 problemas algébricos e suas soluções numéricas) a soma era uma simples justaposição entre os números a serem somados ou, esporadicamente, fez uso de uma barra inclinada (/) entre eles; a subtração, por sua vez, era representada por uma curva:
semelhante à nossa vírgula. Os hindus não possuíam um símbolo para a adição, exceção feita ao manuscrito de Bakhshali, um texto matemático feito de casca de bétula contendo 70 folhas e descoberto em 1881 no vilarejo de mesmo nome, no qual o sinal de adição é representado pela palavra hindu yu. Para indicar quantidades negativas os hindus utilizavam um ponto (.); porém, no manuscrito de Bakhshali, o sinal de subtração é representado, curiosamente, por um sinal idêntico ao da adição (+). Entre os árabes, destaca-se al-Qalasadi (nascido em Bastah em 1.412, na Andaluzia, atual Espanha) com o seu tratado de aritmética e álgebra, ao utilizar-se de caracteres do alfabeto árabe para fazer as vezes dos sinais matemáticos; neste caso, a adição era representada pelo caractere árabe wa (ﻭ), que significa "e", aplicado como preposição.
Assim, 22 "e" 15 seria descrita como uma soma. Na Europa medieval, os símbolos aritméticos da adição e da subtração assumiram variadas formas. Assim, o sinal de soma deriva, supõe-se, de uma simplificação da palavra latina et (que originou o nosso bom e velho "e" em português). A cruz latina também foi utilizada como símbolo de adição, assumindo diversas formas:
Estes sinais eram mais frequentes em obras publicadas por matemáticos alemães e ingleses, ainda que não fosse uma regra geral. Já entre os matemáticos italianos, franceses, espanhóis e portugueses era mais comum o uso deste símbolo:

simplificação da palavra latina plus (mais). Uma variação desse símbolo: 

também existiu. O sinal de subtração, por sua vez, sofreu menos variações, assumindo desde muito cedo sua forma atual (–), mas também esta: ÷, que hoje usamos para representar a divisão. Curioso é que o símbolo ÷ foi utilizado por muitos matemáticos para representar subtrações por mais de 400 anos e sem uma razão aparente para essa escolha! A forma:
simplificação do latim minus (menos) também foi amplamente utilizada, além de uma ocorrência de sua variante:
Excerto do "Libro de algebra en arithmetica y geometria" de 1567, do português Pedro Nunes, uma obra matemática de grande sucesso na Europa em sua época, com os sinais de soma e subtração

Os alemães são considerados os primeiros a fazerem uso do símbolo atual da subtração, graças à sua aparição em um manuscrito anônimo de 1.481 (atualmente na biblioteca de Dresden) sobre álgebra.
O sinal de menos (denominado minnes) no manuscrito de álgebra de 1.481, arquivado na biblioteca de Dresden

Credita-se a outro alemão, o matemático Johannes Widman, a primazia pelo uso do moderno sinal de adição, em seu livro Aritmética Mercantil, editado em 1.498.
Excerto do livro "Aritmética Mercantil" (Rechenung auff allen Kauffmanschafft) de 1.498, de Johannes Widman, onde se vê o uso do atual sinal de adição, bem como o de subtração, este já um velho conhecido dos matemáticos alemães naquela época

Interessante observar que os símbolos:
surgiram praticamente ao mesmo tempo na Europa durante o século 15 d.C. e competiram entre si pela supremacia de seu uso por mais de um século, até que finalmente o + e o – prevaleceram sobre os demais símbolos e passaram a ser adotados em definitivo. A história evolutiva dos sinais de multiplicação e divisão foi outra saga. Os babilônios possuíam um ideograma para a multiplicação, cujo significado era "vezes", e outro ideograma para a divisão; e só. Os egípcios não tinham símbolos para essas operações aritméticas; a multiplicação egípcia usava a "duplicação", um tipo de adição com números inteiros. A divisão utilizava um método semelhante, chamado "duplicação e corte pela metade", usado para dividir números inteiros, com ou sem resto. Os maias, tal como os egípcios, não tinham símbolos para representar uma multiplicação ou uma divisão; as colunas de números eram sempre justapostas, aplicando-se em seguida métodos específicos para cada uma dessas operações, de modo que era mais o resultado, ou antes, a questão proposta, que indicava qual o cálculo efetuado. Entre os gregos, é novamente a obra de Diofanto, Aritmética, que nos serve de referência; porém, ele também não utilizava um símbolo para multiplicações. A divisão, entretanto, era representada pela palavra μορίου (cujo sentido pode ser "mutilar") aplicada entre os fatores. Entre os hindus era comum representar a divisão colocando-se o divisor (ou seja, aquele que divide) embaixo do dividendo (aquele que é dividido). No manuscrito de Bakhshali, porém, a divisão é indicada pela abreviação bha, de bhâga, cujo significado é "parte" e a multiplicação é indicada, em geral, colocando-se os números um ao lado do outro. Já nos manuscritos do matemático e astrônomo hindu Bhaskara (que viveu na Índia entre 1.114 e 1.185 d.C.) a mesma abreviação bha aparece, mas neste caso é uma contração de bhavita (cujo significado é "produto") para indicar multiplicação, e não divisão; outras vezes, Bhaskara representa a multiplicação por um ponto entre os fatores sem maiores explicações. Por sua vez, al-Qalasadi utilizava o caractere árabe, fi (ف), significando "vez", para representar uma multiplicação entre dois números e ala (ة), significando "sobre", para indicar uma divisão.
 
Dois séculos antes, em 12 d.C., o matemático árabe de origem marroquina Abu Bakr al-Hassar, é considerado o primeiro autor a fazer uso do traço horizontal para escrever o denominador abaixo do numerador, indicando uma divisão. As obras matemáticas da Europa medieval foram prolíficas no uso de símbolos para denotar multiplicação e divisão. O matemático e monge agostiniano Michael Stifel, em seu Deutsch Arithmetica, de 1.545, usava a letra maiúscula M para indicar multiplicação e a letra maiúscula D para a divisão. Esta nomenclatura voltaria a ser utilizada no L’Arithmetique, de 1.585, pelo engenheiro, físico e matemático flamengo Simon Stevin.
A nomenclatura utilizada por Simon Stevin em seu "L’Arithmetique" para indicar multiplicação (M) e divisão (D)

Pedro Nunes, em seu Libro de Algebra, não utiliza um símbolo para a multiplicação, ainda que um ponto seja colocado entre cada número ou operação aritmética como uma marcação para diferenciar a equação matemática do texto explicativo. Já o símbolo de divisão utilizado em sua obra é um traço horizontal, o mesmo para representar frações.
Excerto do "Libro de Algebra", de Pedro Nunes, onde se observam os pontos e o símbolo de divisão representado por uma barra horizontal nas expressões matemáticas, na penúltima e última linha do texto.

O símbolo de multiplicação, representado pela cruz de Santo André (×), tal como é empregado atualmente, surge pela primeira vez (ao que tudo indica) no Clavis Mathematicae, obra editada em latim pelo matemático inglês William Oughtred em 1.667.
Excerto do "Clavis Mathematicae", de William Oughtred, onde se pode observar a cruz de Santo André utilizada como símbolo de multiplicação.

E o símbolo de divisão, representado por um traço com dois pontos (÷), cujo nome em latim é obelu, aparece pela primeira vez na obra Teutsche Algebra, de 1.659, de autoria do matemático suíço Johann Heinrich Rahn. Neste mesmo trabalho, entretanto, o asterisco (*) é utilizado como sinal de multiplicação; interessante notar que hoje, em muitas linguagens computacionais, o asterisco representa o sinal de multiplicação.
Excertos da obra “Teutsche Algebra”, de Johann Rahn, onde se observa: acima à direita, o símbolo de divisão (assim chamado obelu), e abaixo à direita, o asterisco para representar uma multiplicação.

O último símbolo de que trataremos neste capítulo é o de igualdade. Não há indicações de que os babilônios possuíssem um ideograma para esse sinal; e só. Os egípcios possuíam um sinal hierático que significava "dá", para indicar o resultado de um cálculo, como fazemos hoje em dia com "2 vezes 5 dá: 10". Esse sinal é encontrado no papiro de Ahmes.
Uma equação algébrica e sua solução no papiro de Ahmes. Na primeira linha, destacado em vermelho, o sinal hierático cujo significado é "dá", sendo equivalente ao nosso símbolo de igualdade.

Os maias não possuíam um símbolo para o sinal de igualdade. Já nos manuscritos do grego Diofanto de Alexandria, o sinal de igualdade é representado por: ισ. O manuscrito hindu de Bhakshali utiliza a contração pha (de phala, cujo sentido é: "igual à") para representar o resultado de uma operação matemática. E o árabe al-Qalasadi faz uso do caractere yadilu (ﻝ) com esse mesmo propósito. A Europa medieval é quem novamente oferece um cardápio variado de opções de sinais ou palavras para representar uma igualdade ou o resultado de uma operação matemática. Muitos autores utilizavam a palavra "igual" em latim ou em seu idioma natal para denotar uma igualdade; neste rol encontram-se, entre outros: Palto de Tivoli, Pedro Nunes, Michael Stifel, Francisco Vieta, etc.
A palavra latina equales para igual, segundo Palto de Tivoli

A palavra latina aequale para igual, segundo Francisco Vieta

A palavra yguales para igual, segundo Pedro Nunes.

A palavra alemã gleich para igual, segundo Michael Stifel

Por outro lado, o monge franciscano e matemático italiano Luca Pacioli, em seu Summa de Arithmetica, editado em 1.494, utiliza, em uma de suas demonstrações matemáticas às margens do livro, o travessão (–) como sinal de igualdade.
O travessão (–) como sinal de igualdade, seguido do número 36 como resultado da conta, no livro “Summa de Arithmetica”, de Luca Pacioli.

O matemático francês Joannes Buteo, entretanto, em seu livro Logistica, editado em 1.559, apropria-se do colchete ([) para indicar igualdades.
Excerto do “Logistica”, de Joannes Buteo, com os colchetes para representar igualdade.

Atribui-se, enfim, ao matemático inglês Robert Recorde, em seu livro The Whettstone of Witte (editado em 1.557), a primazia pela criação e emprego do sinal "igual a" (=) para representar uma igualdade.
Um alongado sinal de igualdade, antecedido por outro igualmente alongado sinal de soma, no “The Whettstone of Witte”, de Robert Recorde.

De tudo o que foi exposto até aqui, depreende-se que, após tantas experimentações pelos eruditos matemáticos ao longo de décadas, principalmente na Europa e mais precisamente durante o período conhecido como Renascentismo ou Renascença (historicamente situado ente os séculos 12 e 16 d.C.), e sobretudo após a invenção da prensa de tipos móveis por Johannes Gutenberg em 1.439 – que proporcionou uma verdadeira revolução na disseminação do conhecimento acumulado até então – subsistiram paulatinamente somente os sinais aritméticos que semiologicamente se adaptavam melhor à linguagem matemática nascente, dando-lhe uma forma e um estilo que, ao mesmo tempo em que a diferenciava da linguagem escrita, habilitava aos iniciados nessa ciência a imediata compreensão do significado de uma expressão escrita em tais termos.
Os sinais de soma, multiplicação, subtração, divisão e igualdade, tal como os conhecemos.

A uniformização desses sinais permitiu, enfim, que a linguagem escrita e falada se tornasse um obstáculo menor à compreensão da linguagem matemática, de modo que, independentemente do idioma, a língua dos números e das operações aritméticas tornou-se, inexoravelmente, universal. 

 

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Luca Pacioli, "Summa de arithmetica geometria", 1523.

[15]

Joannes Buteo, "Logistica, quae et Arithmetica vulgo dicitur in libros quinque digesta", 1559.

[16]

Robert Recorde, “The Whetstone of Witte”, 1557.


Nota:
Esta postagem é parte integrante do e-book gratuito Matemática: Uma abordagem histórica - Volume 1. Caso queira obter um exemplar, clique aqui.