Ciência de Garagem

Um blog sobre ciência em geral e matemática em particular

terça-feira, outubro 11, 2016

Matemática - Volume 3 - Introdução

A linguagem é a capacidade especificamente humana para a aquisição e a utilização de sistemas complexos de comunicação, através de um processo de semiose, ou seja, das relações existentes entre um sinal e o seu significado. A língua natural é qualquer linguagem desenvolvida naturalmente pelo ser humano, de forma não premeditada, como resultado da capacidade inata para a linguagem que o intelecto humano possui. A linguagem é tão importante para nós, que sem ela não seríamos capazes de pensar, pois qualquer pensamento alicerça-se em algum tipo de linguagem: verbal, visual, gestual. Isso tanto é verdade que o filósofo grego Parmênides já afirmava, há 2.500 anos, que "a verdade (alethéia) é o caminho do pensamento, pois o ser, aquilo que existe, é tudo o que pode ser pensado", ou seja, pensar e ser são uma única e mesma coisa. Este princípio seria corroborado pelo filósofo francês René Descartes 2.000 anos depois, quando busca provar a existência do próprio eu, ao afirmar "Ego cogito ergo sum": penso, logo existo. 

O pensador (1882), obra do escultor francês Auguste Rodin

Notório é o caso do orador grego Demóstenes (384 a.C. a 322 a.C.) que, ainda garoto, assistiu a um julgamento na qual um orador chamado Calístrato obteve um desempenho brilhante, mudando um veredito que parecia sacramentado, apenas com sua verve. Mais do que impressionar-se ao ver a multidão escoltar e felicitar Calístrato, Demóstenes ficou profundamente sensibilizado com o poder da palavra, e desejou tornar-se também um orador; um sonho, entretanto, que parecia impossível, pois que era gago de nascença. Conta-se que Demóstenes, à força de perseverança, superou a gaguez declamando poemas enquanto corria na praia contra o vento, forçando-se a falar com seixos na boca. Tanta dedicação fê-lo tornar-se o maior orador que a Grécia antiga já teve. Se a expressão do pensamento reflete o ser, a linguagem é a ferramenta maior dessa expressão. Isto posto, também criamos uma linguagem apropriada à expressão de idéias e conceitos matemáticos, à qual se dá o nome de notação matemática. Como em qualquer linguagem, a notação matemática, ou sua semiose por assim dizer, está em constante evolução, haja vista a adoção dos algarismos hindu-arábicos como nosso sistema numérico, a padronização dos símbolos aritméticos utilizados para expressar cálculos, ou a conceituação e adoção do algarismo zero.

Demóstenes declamando na praia, tela de Eugène Delacroix (1859)
Neste volume, ficará evidente ao leitor que a ausência de uma padronização, além de diversas limitações semióticas na notação matemática utilizada pelas civilizações antigas, exigiu o desenvolvimento de estratégias e artifícios engenhosos para contornar essas restrições na solução dos problemas com que se defrontavam e evidenciará porque estudar e saber trabalhar com frações é tão importante até hoje. E ao chegarmos à notação moderna, seremos capazes de entender a dimensão desses conceitos numa abordagem muito mais ampla, tornando mais compreensível – ou poderíamos dizer mais 'palatável' – aquilo que para muitos de nós soa como uma matemática fria e sem contextualização com a realidade que nos cerca. Para todos aqueles que buscam formas criativas de contornar suas limitações e, dessa forma, aprender a matemática de uma forma diferenciada e enriquecedora, boa leitura!