Longo e pitoresco foi o avanço e o entendimento do conceito das raízes quadradas ao longo do tempo, até chegar à sua conceituação moderna. Para os babilônios, por exemplo, não existe nenhuma indicação de que classificassem os números entre inteiros, racionais ou irracionais. Todas as evidências arqueológicas encontradas até hoje se resumem a plaquetas de argila cozida contendo problemas com ou sem enunciado e sua solução sem maiores explicações. Exemplo desse tipo de artefato é a plaqueta conhecida pela sigla YBC7289 indicada a seguir:
À esquerda: plaqueta de argila cozida babilônica, conhecida pela sigla YBC7289. À direita: ilustração dessa mesma plaqueta, enfatizando a escrita cuneiforme. |
Esta plaqueta provavelmente é um exercício escolar de um estudante (aspirante a escriba). Na parte superior esquerda da plaqueta, observamos o seguinte glifo:
Que na notação matemática babilônica corresponde a 30 e indica o tamanho do lado do quadrado. E na diagonal horizontal, temos dois conjuntos de glifos, sendo o primeiro:
Que corresponde à sequência numérica: 1, 24, 51, 10. E o segundo conjunto de glifos:
Que corresponde à sequência numérica: 42, 25, 35. Já vimos em capítulos anteriores que a primeira sequência numérica equivale a frações, cuja representação moderna é a que se segue:
$$ 1+\frac{24}{60}+\frac{51}{60\times 60}+\frac{10}{60\times 60\times 60}=\frac{305.470}{216.000} $$
Em notação decimal, essa soma de frações, ou a fração resultante dessa soma, corresponde ao número irracional:
$$ 1,41421\overline{296296}... $$
Que é também conhecido por constante de Pitágoras. Este número, multiplicado pelo lado do quadrado (que vale 30), fornece como resultado:
$$ 42,426\overline{38888}... $$
Que corresponde ao tamanho da diagonal do quadrado. A segunda sequência numérica, que também equivale a frações, se expressa da seguinte forma na notação matemática moderna:
$$ \frac{42}{60}+\frac{25}{60\times 60}+\frac{35}{60\times 60\times 60}=\frac{152.735}{216.000} $$
Em notação decimal, essa soma de frações, ou a fração resultante dessa soma, corresponde ao número irracional:
$$ 0,707106\overline{481481}... $$
Estes números guardam também uma relação entre si; observe:
$$ 1,41421\overline{296296}...=\frac{1}{0,707106\overline{481481}...} $$
Ou seja, as duas sequências numéricas em grafia cuneiforme são recíprocas. É muito comum na matemática babilônica o uso de frações recíprocas. Não seria um completo absurdo supor que a lição contida na plaqueta de argila executada pelo aprendiz de escriba fosse esta: para qualquer quadrado, o tamanho de suas diagonais é o produto do tamanho do lado pela constante de Pitágoras. Isto porque a plaqueta de argila não possui nenhum enunciado: contém apenas uma figura geométrica com três números. Ao que tudo indica os egípcios também lidavam com esse tipo de cálculo. Um dos poucos exemplos existentes é encontrado no papiro de Berlim 6619, ou simplesmente, papiro de Berlim.
Em um fragmento do documento IV.4 deste papiro, depois da sexta linha, surge o hieróglifo abaixo:
Cuja pronúncia é quenebete e que significa 'quina' ou 'ângulo', seguido da soma de frações unitárias abaixo, conforme a tradição egípcia:
$$ 1+\frac{1}{2}+\frac{1}{16} $$
O problema exige uma boa dose de interpretação para se tornar compreensível, pois como é de praxe, os egípcios não explicam como se chega ao resultado indicado. Primeiro, vejamos qual é a fração resultante desta soma de frações unitárias:
$$ 1+\frac{1}{2}+\frac{1}{16}=\frac{16+8+1}{16}=\frac{25}{16} $$
Considerando que a fração 25/16 corresponda à área de um quadrado:
Pergunta-se: quanto vale o lado do quadrado, sabendo-se que sua área é igual a 25/16? Como a área de um quadrado é obtida multiplicando-se um lado por ele mesmo, o hieróglifo quenebete bem que poderia, em termos matemáticos, sugerir a multiplicação de dois lados do quadrado para a obtenção de sua área, que é o mesmo que elevar ao quadrado ou aplicar a potenciação, ou seja:
$$ Area=lado\times lado=lado^{2} $$
O problema agora se resume em encontrar um número que multiplicado por ele mesmo resulte na área do quadrado. Este número corresponderá ao tamanho do lado do quadrado. Assim:
$$ Area=\frac{25}{16}=lado^{2}=lado\times lado $$
Esse resultado, aparentemente, também é uma fração. Então, podemos reescrever a equação acima deste modo:
$$ \frac{25}{16}=lado\times lado=\frac{\blacksquare }{\square }\times \frac{\blacksquare }{\square } $$
Que número no numerador (indicado pelas cartelas pretas) que multiplicado por ele mesmo resulta 25? E que número no denominador (indicado pelas cartelas brancas) que multiplicado por ele mesmo resulta 16? Para quem estudou potenciação, ou pelo menos se lembra das tabuadas, já sabe a resposta:
$$ lado\times lado=\frac{\blacksquare }{\square }\times \frac{\blacksquare }{\square }=\frac{5}{4}\times \frac{5}{4}=\frac{25}{16} $$
Portanto, o lado de um quadrado de área 25/16 é igual a 5/4. De fato, a resposta ao problema no papiro é esta:
$$ 1+\frac{1}{4} $$
Na notação fracionária egípcia, que só admitia frações unitárias. Esta soma de frações corresponde a:
$$ 1+\frac{1}{4}=\frac{4+1}{4}=\frac{5}{4} $$
Que é a solução encontrada para o tamanho do lado do quadrado. Os gregos também utilizavam geometria como ferramenta para o cálculo do valor do lado de um quadrado a partir de sua área. O matemático Téon de Alexandria (335 d.C. a 395 d.C.), pai de Hipátia e um grande comentador de obras gregas clássicas, apresenta na obra Almagesto (tratado matemático e astronômico escrito no século II d.C. por Cláudio Ptolomeu), um comentário onde demonstra um método geométrico para o cálculo do lado de um quadrado. O método é o seguinte: considere um quadrado cuja área seja igual a 144, conforme ilustrado abaixo:
Deseja-se descobrir qual o tamanho do lado deste quadrado; para isso, Téon inicia com um 'chute', atribuindo o valor 10 como sendo o tamanho do lado. Já que a área de um quadrado é dada por:
$$ Area=lado\times lado=lado^{2} $$
Então, com o valor estimado, a área do quadrado será:
$$ Area=lado\times lado=lado^{2}=\left ( 10 \right )^{2}=100 $$
Como a área obtida é menor que a área real, ajusta-se a figura conforme segue:
O lado do quadrado é maior que 10 de uma quantidade indicada por um ponto de interrogação (?). A área que restou do quadrado laranja pode ser segmentado em 3 partes, conforme indicado:
Nesta nova configuração, o retângulo laranja na horizontal possui as seguintes dimensões: 10 de largura e (?) de altura. Por outro lado, o retângulo laranja na vertical possui as dimensões: (?) de largura e 10 de altura. Finalmente, o quadrado verde tem lado igual a (?). As áreas dos dois quadrados (azul e verde) e dos dois retângulos laranjas são assim calculados:
$$ Area\left (quadrado.azul \right )=10\times 10=10^{2}=100 $$
$$ Area\left (quadrado.verde \right )=?\times ?=?^{2} $$
$$ Area\left (retangulo.laranja.horizontal \right )=10\times ? $$
$$ Area\left (retangulo.laranja.vertical \right )=?\times 10 $$
Somando as áreas das 4 figuras geométricas, obtemos o valor da área total, que é 144. Então:
$$ 100+?^{2}+\left ( 10\times ? \right )+\left ( ?\times 10 \right )=144 $$
Agora, vem a pergunta: que número deve ser colocado no lugar do ponto de interrogação para que a soma à esquerda se iguale a 144? Bom, vamos começar substituindo o ponto de interrogação pelo número 1. Teremos:
$$ 100+1^{2}+\left ( 10\times 1 \right )+\left ( 1\times 10 \right ) $$
$$ 100+1+10+10=121 $$
Observe que o valor obtido (121) é menor que 144. Então, vamos aumentar esse valor, substituindo o ponto de interrogação por 2. Obtemos:
$$ 100+2^{2}+\left ( 10\times 2 \right )+\left ( 2\times 10 \right ) $$
$$ 100+4+20+20=144 $$
Ótimo! Agora o número obtido é igual ao valor da área do quadrado laranja original. Então, o lado do quadrado laranja vale: 10 + 2 = 12. E sua área é: 12 × 12 = 144.
Por muito improvável que possa parecer, tudo o que foi apresentado até agora trata de raízes quadradas! Vejamos por que: o cálculo do lado ou da diagonal de um quadrado pode resultar em um número inteiro ou, muito comumente, em um número irracional. Quando o cálculo do lado ou da diagonal do quadrado resultava em um número irracional, já vimos que os povos antigos faziam uso de frações para descrever esses números de modo aproximado, pois era a melhor ferramenta de que dispunham para descrever seu valor. As técnicas e geometrias desenvolvidas pelos babilônios, pelos egípcios e principalmente pelos gregos para o cálculo de lados e diagonais de quadrados foram transmitidas posteriormente para os povos árabes. Diversos matemáticos islâmicos (sendo Al-Khwarizmi o mais notório deles) traduziram esses textos matemáticos para o árabe. Por sua vez, esses textos árabes foram levados para a Europa através da península ibérica durante o califado Omíada e convertidos posteriormente para o latim por diversos tradutores, entre os quais destacam-se: João de Sevilha (também conhecido como Johannes Hispaniensis), Domingo Gundisalvo e Gerardo de Cremona, num período compreendido entre 1.135 e 1.162 d.C.; muitas dessas traduções foram realizadas em Toledo, na Espanha, que naquela época era um importante centro cultural. Pois bem: nos textos matemáticos árabes, o termo 'lado do quadrado' foi traduzido para o latim em duas variações: a correta latus quadratum (onde latus é lado em português) e a equivocada radix quadratum, em que radix significa raiz em português. A palavra latus foi sendo gradualmente substituída pela letra l, conforme o modelo abaixo:
E a palavra radix também foi sendo gradualmente substituída pela letra R, conforme abaixo:
Fato é que, apesar de equivocada, a tradução do termo em árabe 'lado do quadrado' para o latim radix quadratum prevaleceu sobre a tradução latus quadratum. Já o símbolo moderno de raiz (√) surge pela primeira vez em 1.525 na obra Die Coss, do matemático alemão Christoff Rudolff. O matemático suíço Leonhard Euler afirma em sua obra Institutiones calculi differentialis, de 1.755, o seguinte: no lugar da letra r, inicialmente indicada para radix, agora passou-se para o uso comum desta forma distorcida de √. É por isso que até hoje dizemos raiz quadrada para aquilo que antigamente estava relacionado ao cálculo do lado do quadrado a partir de sua área ou da diagonal do quadrado a partir de seus lados.
Com esse conceito em mente, fica mais fácil entender o significado do que é raiz quadrada. Vejamos através de um exemplo: dado um quadrado de área 42, quanto vale o seu lado?
Sabemos que a área dessa figura geométrica é igual ao lado elevado ao quadrado:
$$ Area=lado^{2} $$
Que número elevado ao quadrado resulta 42? Se escolhermos o número 6, teremos:
$$ 6^{2}=6\times 6=36 $$
O resultado obtido (36) é menor que a área do quadrado (42). Se adotarmos o valor 7 para o lado do quadrado, teremos:
$$ 7^{2}=7\times 7=49 $$
Agora o resultado obtido (49) é maior que a área do quadrado (42). Portanto, o tamanho do lado do quadrado está entre 6 e 7, ou seja, não é um número inteiro. Em latim, diríamos: radix quadratum 42 aequalis, ou seja, o lado do quadrado [de área] 42 é igual a:
$$ lado=\sqrt{42} $$
Onde √42 (lê-se: raiz quadrada de 42) é a representação matemática moderna para o tamanho do lado do quadrado, um número cujo valor está entre 6 e 7 e que para babilônios, egípcios, gregos e outras civilizações antigas tinha seu valor representado por uma fração! Se fosse um número racional, a fração seria uma representação exata desse número; se fosse irracional, a fração representaria um valor aproximado.
Se a √42 é um número cujo valor é maior que 6 e menor que 7, então em notação decimal moderna, que número é esse? Herão de Alexandria (10 d.C. a 80 d.C.) foi um matemático e mecânico grego que criou um método poderoso para a obtenção da raiz quadrada de qualquer número inteiro que não seja um quadrado perfeito. Por exemplo, o número 9 é um quadrado perfeito, pois 3 x 3 = 9, assim como 64 é outro quadrado perfeito, pois 8 x 8 = 64. Para números que sejam quadrados perfeitos, ou seja, que são o produto de um número inteiro multiplicado por ele mesmo, o método demonstrado por Herão não se aplica! O método funciona assim: se o número que estamos procurando está entre 6 e 7, vamos tirar a média entre estes dois valores:
$$ Media=\frac{6+7}{2}=\frac{13}{2} $$
Com esta estimativa, podemos iniciar o método de Herão. O primeiro passo consiste em dividir o número do qual se quer obter a raiz (42) pela fração 13/2, resultando:
$$ \frac{42}{\frac{13}{2}}=\frac{42\times 2}{13}=\frac{84}{13} $$
O próximo passo do método de Herão soma a fração (84/13) à fração inicial (13/2):
$$ \frac{13}{2}+\frac{84}{13} $$
Obtendo o mínimo múltiplo comum entre 2 e 13 (que é 26), vem:
$$ \frac{13}{2}+\frac{84}{13}=\frac{169+168}{26}=\frac{337}{26} $$
O último passo do método de Herão consiste em dividir por 2 a fração resultante (337/26), obtendo-se:
$$ \frac{\frac{337}{26}}{2}=\frac{337}{26}\times \frac{1}{2}=\frac{337}{52} $$
A fração obtida (337/52) é a primeira aproximação para √42, que na notação decimal vale:
$$ \sqrt{42}\cong \frac{337}{52}=6,4807\overline{6923}... $$
Se quisermos aumentar essa precisão (já que uma fração pode sempre se aproximar cada vez mais do valor de um número irracional, sem, contudo, representar seu valor exato), repetimos o processo. Assim, o primeiro passo consiste em dividir o número do qual se quer obter a raiz (42) pela nova fração (337/52), resultando:
$$ \frac{42}{\frac{337}{52}}=\frac{42\times 52}{337}=\frac{2.184}{337} $$
O próximo passo do método de Herão soma a fração (2.184/337) à fração inicial (337/52):
$$ \frac{337}{52}+\frac{2.184}{337} $$
Obtendo o mínimo múltiplo comum entre 52 e 337 (que é 17.524), vem:
$$ \frac{337}{52}+\frac{2.184}{337}=\frac{113.569+113.568}{17.524}=\frac{227.137}{17.524} $$
O último passo do método de Herão consiste em dividir por 2 a fração resultante (227.137/17.524), obtendo-se:
$$ \frac{\frac{227.137}{17.524}}{2}=\frac{227.137}{17.524}\times \frac{1}{2}=\frac{227.137}{35.048} $$
A fração resultante (227.137/35.048) é o novo valor de √42, mais refinado que aquele obtido com a fração (337/52). O método de Herão pode prosseguir indefinidamente, quanto maior for a precisão desejada. Desse modo, o número irracional procurado, em notação decimal, será:
$$ \sqrt{42}\cong \frac{227.137}{35.048}=6,4807406984\overline{7066}... $$
Observe a eficiência deste método: com apenas uma rodada foi alcançada uma precisão de 4 casas decimais e com duas rodadas, alcançou-se 9 casas decimais de precisão! Vejamos mais um exemplo: calcule a diagonal de um quadrado de lado igual a 1.
A diagonal divide o quadrado em dois triângulos retângulos. Como já apresentado no capítulo anterior, o Teorema de Pitágoras estabelece que o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos. Adaptando para o quadrado, podemos afirmar que o quadrado da diagonal é igual à soma dos quadrados dos lados. Ou seja:
$$ diagonal^{2}=lado^{2}+lado^{2} $$
Substituindo, temos:
$$ diagonal^{2}=1^{2}+1^{2}=1+1=2 $$
Pergunta: que número elevado ao quadrado resulta 2? Também já foi visto no capítulo anterior que não existe um número inteiro que multiplicado por ele mesmo, ou elevado ao quadrado, resulte 2, tampouco se trata de um número racional (ou seja, obtido a partir de uma razão). Logo, esse é um número irracional. Sabendo-se que:
$$ diagonal^{2}=diagonal\times diagonal $$
Se aplicarmos a raiz quadrada em ambos os termos da igualdade para mantê-la inalterada, vem:
$$ diagonal^{2}=2 $$
$$ \sqrt{diagonal^{2}}=\sqrt{2} $$
A raiz quadrada da diagonal elevada ao quadrado equivale à própria diagonal, que por sua vez é igual à raiz quadrada de 2, uma notação matemática que representa o número irracional que é a medida da diagonal do quadrado de lado igual a 1. Assim, a diagonal do quadrado [de lado] 1 é igual a:
$$ diagonal=\sqrt{2} $$
Em notação decimal, que número é √2? Como esse número é maior que 1 e menor que 2, vamos aplicar o método de Herão para descobrir seu valor aproximado na forma fracionária. Para isso, vamos estimar um valor inicial para esse número, tirando a média entre 1 e 2:
$$ Media=\frac{1+2}{2}=\frac{3}{2} $$
Com esta estimativa, podemos iniciar o método de Herão. O primeiro passo consiste em dividir o número do qual se quer obter a raiz (2) pela fração 3/2, resultando:
$$ \frac{2}{\frac{3}{2}}=\frac{2\times 2}{3}=\frac{4}{3} $$
O próximo passo do método de Herão soma a fração (4/3) à fração inicial (3/2):
$$ \frac{4}{3}+\frac{3}{2} $$
Obtendo o mínimo múltiplo comum entre 2 e 3 (que é 6), vem:
$$ \frac{4}{3}+\frac{3}{2}=\frac{8+9}{6}=\frac{17}{6} $$
O último passo do método de Herão consiste em dividir por 2 a fração resultante (17/6), obtendo-se:
$$ \frac{\frac{17}{6}}{2}=\frac{17}{6}\times \frac{1}{2}=\frac{17}{12} $$
A fração obtida (17/12) é a primeira aproximação para √2, que na notação decimal vale:
$$ \sqrt{2}\cong \frac{17}{12}=1,41\overline{6666}... $$
Repetindo o processo para melhorar a precisão, o primeiro passo consiste em dividir o número do qual se quer obter a raiz (2) pela nova fração (17/12), resultando:
$$ \frac{2}{\frac{17}{12}}=\frac{2\times 12}{17}=\frac{24}{17} $$
O próximo passo do método de Herão soma a fração (24/17) à fração inicial (17/12):
$$ \frac{17}{12}+\frac{24}{17} $$
Obtendo o mínimo múltiplo comum entre 12 e 17 (que é 204), vem:
$$ \frac{17}{12}+\frac{24}{17}=\frac{289=288}{204}=\frac{577}{204} $$
O último passo do método de Herão consiste em dividir por 2 a fração resultante (577/204), obtendo-se:
$$ \frac{\frac{577}{204}}{2}=\frac{577}{204}\times \frac{1}{2}=\frac{577}{408} $$
A fração resultante (577/408) é o novo valor de √2, mais refinado que o obtido com a fração (17/12). Desse modo, temos:
$$ \sqrt{2}\cong \frac{577}{408}=1,41421\overline{5686}... $$
Observe: √2 é a notação matemática moderna para a constante de Pitágoras, que é um resultado muito próximo daquele apresentado pelo aprendiz de escriba babilônio em sua plaqueta de argila. Foram demonstrados com estes dois exemplos como calcular o tamanho do lado ou o tamanho da diagonal de um quadrado, e que este tamanho, ou magnitude, resultou em um número irracional, que por sua vez é representado na notação matemática moderna pelo símbolo de raiz (√), e que o número contido no símbolo de raiz é o quadrado do número irracional. De fato:
$$ \left ( 6,4807406984\overline{7066}... \right )^{2}\cong 42 $$
$$ 6,4807406984\overline{7066}... \cong \sqrt{42} $$
E:
$$ \left ( 1,41421\overline{5686}... \right )^{2}\cong 2 $$
$$ 1,41421\overline{5686}... \cong \sqrt{2} $$
Se Herão de Alexandria demonstrou um método aritmético para calcular raízes quadradas de números inteiros que não sejam quadrados perfeitos, outro grego bem antes dele – Teodoro de Cirene – desenvolveu um método geométrico para obter magnitudes comensuráveis ou incomensuráveis (ou seja, números inteiros ou irracionais) a partir de uma magnitude comensurável. Teodoro viveu no século V a.C., tendo sido aluno de Protágoras e professor de Platão e Teeteto. Nenhum texto de Teodoro sobreviveu aos nossos dias e a referência que temos dessa técnica aparece no Diálogos de Platão – Teeteto de Crátila. Neste manuscrito, em que Sócrates debate com Teeteto (aluno de Teodoro) sobre o que seria o conhecimento, o diálogo se desenrola nestes termos:
[...]
Teeteto - Agora, Sócrates, ficou muito fácil a questão. Quer parecer-me que é igualzinha à que nos ocorreu recentemente, numa discussão entre mim e este teu homônimo.
Sócrates - Qual foi a questão, Teeteto?
Teeteto - A respeito de algumas potências, Teodoro, aqui presente, mostrou que a de três pés e a de cinco, como comprimento não são comensuráveis com a de um pé. E assim foi estudando uma após outra, até a de dezessete pés. Não sei por que parou aí. Ocorreu-nos, então, já que é infinito o número dessas potências, tentar reuni-las numa única, que serviria para designar todas.
Sócrates- E encontrastes o que procuráveis?
Teeteto - Acho que sim; examina tu mesmo.
Sócrates - Podes falar.
Teeteto - Dividimos os números em duas classes: os que podem ser formados pela multi-plicação de fatores iguais, representamo-los pela figura de um quadrado e os designamos pelos nomes de quadrado e de equilátero.
Sócrates- Muito bem.
Teeteto - Os que ficam entre esses, o três, por exemplo, e o cinco, e todos os que não se formam pela multiplicação de fatores iguais, mas da multiplicação de um número maior por um menor, ou o inverso: a de um menor por um maior, e que sempre são contidos em uma figura com um lado maior do que o outro, representamo-los sob a figura de um retângulo e os denominamos números retangulares.
Sócrates - Ótimo! E depois?
Teeteto - Todas as linhas que formam um quadrado de número plano eqüilátero, defini-mos como longitude, e as de quadrado de fatores desiguais, potências ou raízes, por não serem comensuráveis com as outras pelo comprimento, mas apenas pelas superfícies que venham a formar. Com os sólidos procedemos do mesmo modo.
Sócrates - Melhor não fora possível, meninos. Acho que Teodoro não pode ser acoimado de falso testemunho.
[...]
O método geométrico é o seguinte: comece desenhando um triângulo retângulo de lados iguais a 1, conforme indicado abaixo.
$$ 1+\frac{24}{60}+\frac{51}{60\times 60}+\frac{10}{60\times 60\times 60}=\frac{305.470}{216.000} $$
Em notação decimal, essa soma de frações, ou a fração resultante dessa soma, corresponde ao número irracional:
$$ 1,41421\overline{296296}... $$
Que é também conhecido por constante de Pitágoras. Este número, multiplicado pelo lado do quadrado (que vale 30), fornece como resultado:
$$ 42,426\overline{38888}... $$
Que corresponde ao tamanho da diagonal do quadrado. A segunda sequência numérica, que também equivale a frações, se expressa da seguinte forma na notação matemática moderna:
$$ \frac{42}{60}+\frac{25}{60\times 60}+\frac{35}{60\times 60\times 60}=\frac{152.735}{216.000} $$
Em notação decimal, essa soma de frações, ou a fração resultante dessa soma, corresponde ao número irracional:
$$ 0,707106\overline{481481}... $$
Estes números guardam também uma relação entre si; observe:
$$ 1,41421\overline{296296}...=\frac{1}{0,707106\overline{481481}...} $$
Ou seja, as duas sequências numéricas em grafia cuneiforme são recíprocas. É muito comum na matemática babilônica o uso de frações recíprocas. Não seria um completo absurdo supor que a lição contida na plaqueta de argila executada pelo aprendiz de escriba fosse esta: para qualquer quadrado, o tamanho de suas diagonais é o produto do tamanho do lado pela constante de Pitágoras. Isto porque a plaqueta de argila não possui nenhum enunciado: contém apenas uma figura geométrica com três números. Ao que tudo indica os egípcios também lidavam com esse tipo de cálculo. Um dos poucos exemplos existentes é encontrado no papiro de Berlim 6619, ou simplesmente, papiro de Berlim.
Reprodução do papiro de Berlim 6619 |
Cuja pronúncia é quenebete e que significa 'quina' ou 'ângulo', seguido da soma de frações unitárias abaixo, conforme a tradição egípcia:
$$ 1+\frac{1}{2}+\frac{1}{16} $$
O problema exige uma boa dose de interpretação para se tornar compreensível, pois como é de praxe, os egípcios não explicam como se chega ao resultado indicado. Primeiro, vejamos qual é a fração resultante desta soma de frações unitárias:
$$ 1+\frac{1}{2}+\frac{1}{16}=\frac{16+8+1}{16}=\frac{25}{16} $$
Considerando que a fração 25/16 corresponda à área de um quadrado:
Pergunta-se: quanto vale o lado do quadrado, sabendo-se que sua área é igual a 25/16? Como a área de um quadrado é obtida multiplicando-se um lado por ele mesmo, o hieróglifo quenebete bem que poderia, em termos matemáticos, sugerir a multiplicação de dois lados do quadrado para a obtenção de sua área, que é o mesmo que elevar ao quadrado ou aplicar a potenciação, ou seja:
$$ Area=lado\times lado=lado^{2} $$
O problema agora se resume em encontrar um número que multiplicado por ele mesmo resulte na área do quadrado. Este número corresponderá ao tamanho do lado do quadrado. Assim:
$$ Area=\frac{25}{16}=lado^{2}=lado\times lado $$
Esse resultado, aparentemente, também é uma fração. Então, podemos reescrever a equação acima deste modo:
$$ \frac{25}{16}=lado\times lado=\frac{\blacksquare }{\square }\times \frac{\blacksquare }{\square } $$
Que número no numerador (indicado pelas cartelas pretas) que multiplicado por ele mesmo resulta 25? E que número no denominador (indicado pelas cartelas brancas) que multiplicado por ele mesmo resulta 16? Para quem estudou potenciação, ou pelo menos se lembra das tabuadas, já sabe a resposta:
$$ lado\times lado=\frac{\blacksquare }{\square }\times \frac{\blacksquare }{\square }=\frac{5}{4}\times \frac{5}{4}=\frac{25}{16} $$
Portanto, o lado de um quadrado de área 25/16 é igual a 5/4. De fato, a resposta ao problema no papiro é esta:
$$ 1+\frac{1}{4} $$
Na notação fracionária egípcia, que só admitia frações unitárias. Esta soma de frações corresponde a:
$$ 1+\frac{1}{4}=\frac{4+1}{4}=\frac{5}{4} $$
Que é a solução encontrada para o tamanho do lado do quadrado. Os gregos também utilizavam geometria como ferramenta para o cálculo do valor do lado de um quadrado a partir de sua área. O matemático Téon de Alexandria (335 d.C. a 395 d.C.), pai de Hipátia e um grande comentador de obras gregas clássicas, apresenta na obra Almagesto (tratado matemático e astronômico escrito no século II d.C. por Cláudio Ptolomeu), um comentário onde demonstra um método geométrico para o cálculo do lado de um quadrado. O método é o seguinte: considere um quadrado cuja área seja igual a 144, conforme ilustrado abaixo:
Deseja-se descobrir qual o tamanho do lado deste quadrado; para isso, Téon inicia com um 'chute', atribuindo o valor 10 como sendo o tamanho do lado. Já que a área de um quadrado é dada por:
$$ Area=lado\times lado=lado^{2} $$
Então, com o valor estimado, a área do quadrado será:
$$ Area=lado\times lado=lado^{2}=\left ( 10 \right )^{2}=100 $$
Como a área obtida é menor que a área real, ajusta-se a figura conforme segue:
O lado do quadrado é maior que 10 de uma quantidade indicada por um ponto de interrogação (?). A área que restou do quadrado laranja pode ser segmentado em 3 partes, conforme indicado:
Nesta nova configuração, o retângulo laranja na horizontal possui as seguintes dimensões: 10 de largura e (?) de altura. Por outro lado, o retângulo laranja na vertical possui as dimensões: (?) de largura e 10 de altura. Finalmente, o quadrado verde tem lado igual a (?). As áreas dos dois quadrados (azul e verde) e dos dois retângulos laranjas são assim calculados:
$$ Area\left (quadrado.azul \right )=10\times 10=10^{2}=100 $$
$$ Area\left (quadrado.verde \right )=?\times ?=?^{2} $$
$$ Area\left (retangulo.laranja.horizontal \right )=10\times ? $$
$$ Area\left (retangulo.laranja.vertical \right )=?\times 10 $$
Somando as áreas das 4 figuras geométricas, obtemos o valor da área total, que é 144. Então:
$$ 100+?^{2}+\left ( 10\times ? \right )+\left ( ?\times 10 \right )=144 $$
Agora, vem a pergunta: que número deve ser colocado no lugar do ponto de interrogação para que a soma à esquerda se iguale a 144? Bom, vamos começar substituindo o ponto de interrogação pelo número 1. Teremos:
$$ 100+1^{2}+\left ( 10\times 1 \right )+\left ( 1\times 10 \right ) $$
$$ 100+1+10+10=121 $$
Observe que o valor obtido (121) é menor que 144. Então, vamos aumentar esse valor, substituindo o ponto de interrogação por 2. Obtemos:
$$ 100+2^{2}+\left ( 10\times 2 \right )+\left ( 2\times 10 \right ) $$
$$ 100+4+20+20=144 $$
Ótimo! Agora o número obtido é igual ao valor da área do quadrado laranja original. Então, o lado do quadrado laranja vale: 10 + 2 = 12. E sua área é: 12 × 12 = 144.
Por muito improvável que possa parecer, tudo o que foi apresentado até agora trata de raízes quadradas! Vejamos por que: o cálculo do lado ou da diagonal de um quadrado pode resultar em um número inteiro ou, muito comumente, em um número irracional. Quando o cálculo do lado ou da diagonal do quadrado resultava em um número irracional, já vimos que os povos antigos faziam uso de frações para descrever esses números de modo aproximado, pois era a melhor ferramenta de que dispunham para descrever seu valor. As técnicas e geometrias desenvolvidas pelos babilônios, pelos egípcios e principalmente pelos gregos para o cálculo de lados e diagonais de quadrados foram transmitidas posteriormente para os povos árabes. Diversos matemáticos islâmicos (sendo Al-Khwarizmi o mais notório deles) traduziram esses textos matemáticos para o árabe. Por sua vez, esses textos árabes foram levados para a Europa através da península ibérica durante o califado Omíada e convertidos posteriormente para o latim por diversos tradutores, entre os quais destacam-se: João de Sevilha (também conhecido como Johannes Hispaniensis), Domingo Gundisalvo e Gerardo de Cremona, num período compreendido entre 1.135 e 1.162 d.C.; muitas dessas traduções foram realizadas em Toledo, na Espanha, que naquela época era um importante centro cultural. Pois bem: nos textos matemáticos árabes, o termo 'lado do quadrado' foi traduzido para o latim em duas variações: a correta latus quadratum (onde latus é lado em português) e a equivocada radix quadratum, em que radix significa raiz em português. A palavra latus foi sendo gradualmente substituída pela letra l, conforme o modelo abaixo:
E a palavra radix também foi sendo gradualmente substituída pela letra R, conforme abaixo:
Fato é que, apesar de equivocada, a tradução do termo em árabe 'lado do quadrado' para o latim radix quadratum prevaleceu sobre a tradução latus quadratum. Já o símbolo moderno de raiz (√) surge pela primeira vez em 1.525 na obra Die Coss, do matemático alemão Christoff Rudolff. O matemático suíço Leonhard Euler afirma em sua obra Institutiones calculi differentialis, de 1.755, o seguinte: no lugar da letra r, inicialmente indicada para radix, agora passou-se para o uso comum desta forma distorcida de √. É por isso que até hoje dizemos raiz quadrada para aquilo que antigamente estava relacionado ao cálculo do lado do quadrado a partir de sua área ou da diagonal do quadrado a partir de seus lados.
Com esse conceito em mente, fica mais fácil entender o significado do que é raiz quadrada. Vejamos através de um exemplo: dado um quadrado de área 42, quanto vale o seu lado?
Sabemos que a área dessa figura geométrica é igual ao lado elevado ao quadrado:
$$ Area=lado^{2} $$
Que número elevado ao quadrado resulta 42? Se escolhermos o número 6, teremos:
$$ 6^{2}=6\times 6=36 $$
O resultado obtido (36) é menor que a área do quadrado (42). Se adotarmos o valor 7 para o lado do quadrado, teremos:
$$ 7^{2}=7\times 7=49 $$
Agora o resultado obtido (49) é maior que a área do quadrado (42). Portanto, o tamanho do lado do quadrado está entre 6 e 7, ou seja, não é um número inteiro. Em latim, diríamos: radix quadratum 42 aequalis, ou seja, o lado do quadrado [de área] 42 é igual a:
$$ lado=\sqrt{42} $$
Onde √42 (lê-se: raiz quadrada de 42) é a representação matemática moderna para o tamanho do lado do quadrado, um número cujo valor está entre 6 e 7 e que para babilônios, egípcios, gregos e outras civilizações antigas tinha seu valor representado por uma fração! Se fosse um número racional, a fração seria uma representação exata desse número; se fosse irracional, a fração representaria um valor aproximado.
Se a √42 é um número cujo valor é maior que 6 e menor que 7, então em notação decimal moderna, que número é esse? Herão de Alexandria (10 d.C. a 80 d.C.) foi um matemático e mecânico grego que criou um método poderoso para a obtenção da raiz quadrada de qualquer número inteiro que não seja um quadrado perfeito. Por exemplo, o número 9 é um quadrado perfeito, pois 3 x 3 = 9, assim como 64 é outro quadrado perfeito, pois 8 x 8 = 64. Para números que sejam quadrados perfeitos, ou seja, que são o produto de um número inteiro multiplicado por ele mesmo, o método demonstrado por Herão não se aplica! O método funciona assim: se o número que estamos procurando está entre 6 e 7, vamos tirar a média entre estes dois valores:
$$ Media=\frac{6+7}{2}=\frac{13}{2} $$
Com esta estimativa, podemos iniciar o método de Herão. O primeiro passo consiste em dividir o número do qual se quer obter a raiz (42) pela fração 13/2, resultando:
$$ \frac{42}{\frac{13}{2}}=\frac{42\times 2}{13}=\frac{84}{13} $$
O próximo passo do método de Herão soma a fração (84/13) à fração inicial (13/2):
$$ \frac{13}{2}+\frac{84}{13} $$
Obtendo o mínimo múltiplo comum entre 2 e 13 (que é 26), vem:
$$ \frac{13}{2}+\frac{84}{13}=\frac{169+168}{26}=\frac{337}{26} $$
O último passo do método de Herão consiste em dividir por 2 a fração resultante (337/26), obtendo-se:
$$ \frac{\frac{337}{26}}{2}=\frac{337}{26}\times \frac{1}{2}=\frac{337}{52} $$
A fração obtida (337/52) é a primeira aproximação para √42, que na notação decimal vale:
$$ \sqrt{42}\cong \frac{337}{52}=6,4807\overline{6923}... $$
Se quisermos aumentar essa precisão (já que uma fração pode sempre se aproximar cada vez mais do valor de um número irracional, sem, contudo, representar seu valor exato), repetimos o processo. Assim, o primeiro passo consiste em dividir o número do qual se quer obter a raiz (42) pela nova fração (337/52), resultando:
$$ \frac{42}{\frac{337}{52}}=\frac{42\times 52}{337}=\frac{2.184}{337} $$
O próximo passo do método de Herão soma a fração (2.184/337) à fração inicial (337/52):
$$ \frac{337}{52}+\frac{2.184}{337} $$
Obtendo o mínimo múltiplo comum entre 52 e 337 (que é 17.524), vem:
$$ \frac{337}{52}+\frac{2.184}{337}=\frac{113.569+113.568}{17.524}=\frac{227.137}{17.524} $$
O último passo do método de Herão consiste em dividir por 2 a fração resultante (227.137/17.524), obtendo-se:
$$ \frac{\frac{227.137}{17.524}}{2}=\frac{227.137}{17.524}\times \frac{1}{2}=\frac{227.137}{35.048} $$
A fração resultante (227.137/35.048) é o novo valor de √42, mais refinado que aquele obtido com a fração (337/52). O método de Herão pode prosseguir indefinidamente, quanto maior for a precisão desejada. Desse modo, o número irracional procurado, em notação decimal, será:
$$ \sqrt{42}\cong \frac{227.137}{35.048}=6,4807406984\overline{7066}... $$
Observe a eficiência deste método: com apenas uma rodada foi alcançada uma precisão de 4 casas decimais e com duas rodadas, alcançou-se 9 casas decimais de precisão! Vejamos mais um exemplo: calcule a diagonal de um quadrado de lado igual a 1.
A diagonal divide o quadrado em dois triângulos retângulos. Como já apresentado no capítulo anterior, o Teorema de Pitágoras estabelece que o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos. Adaptando para o quadrado, podemos afirmar que o quadrado da diagonal é igual à soma dos quadrados dos lados. Ou seja:
$$ diagonal^{2}=lado^{2}+lado^{2} $$
Substituindo, temos:
$$ diagonal^{2}=1^{2}+1^{2}=1+1=2 $$
Pergunta: que número elevado ao quadrado resulta 2? Também já foi visto no capítulo anterior que não existe um número inteiro que multiplicado por ele mesmo, ou elevado ao quadrado, resulte 2, tampouco se trata de um número racional (ou seja, obtido a partir de uma razão). Logo, esse é um número irracional. Sabendo-se que:
$$ diagonal^{2}=diagonal\times diagonal $$
Se aplicarmos a raiz quadrada em ambos os termos da igualdade para mantê-la inalterada, vem:
$$ diagonal^{2}=2 $$
$$ \sqrt{diagonal^{2}}=\sqrt{2} $$
A raiz quadrada da diagonal elevada ao quadrado equivale à própria diagonal, que por sua vez é igual à raiz quadrada de 2, uma notação matemática que representa o número irracional que é a medida da diagonal do quadrado de lado igual a 1. Assim, a diagonal do quadrado [de lado] 1 é igual a:
$$ diagonal=\sqrt{2} $$
Em notação decimal, que número é √2? Como esse número é maior que 1 e menor que 2, vamos aplicar o método de Herão para descobrir seu valor aproximado na forma fracionária. Para isso, vamos estimar um valor inicial para esse número, tirando a média entre 1 e 2:
$$ Media=\frac{1+2}{2}=\frac{3}{2} $$
Com esta estimativa, podemos iniciar o método de Herão. O primeiro passo consiste em dividir o número do qual se quer obter a raiz (2) pela fração 3/2, resultando:
$$ \frac{2}{\frac{3}{2}}=\frac{2\times 2}{3}=\frac{4}{3} $$
O próximo passo do método de Herão soma a fração (4/3) à fração inicial (3/2):
$$ \frac{4}{3}+\frac{3}{2} $$
Obtendo o mínimo múltiplo comum entre 2 e 3 (que é 6), vem:
$$ \frac{4}{3}+\frac{3}{2}=\frac{8+9}{6}=\frac{17}{6} $$
O último passo do método de Herão consiste em dividir por 2 a fração resultante (17/6), obtendo-se:
$$ \frac{\frac{17}{6}}{2}=\frac{17}{6}\times \frac{1}{2}=\frac{17}{12} $$
A fração obtida (17/12) é a primeira aproximação para √2, que na notação decimal vale:
$$ \sqrt{2}\cong \frac{17}{12}=1,41\overline{6666}... $$
Repetindo o processo para melhorar a precisão, o primeiro passo consiste em dividir o número do qual se quer obter a raiz (2) pela nova fração (17/12), resultando:
$$ \frac{2}{\frac{17}{12}}=\frac{2\times 12}{17}=\frac{24}{17} $$
O próximo passo do método de Herão soma a fração (24/17) à fração inicial (17/12):
$$ \frac{17}{12}+\frac{24}{17} $$
Obtendo o mínimo múltiplo comum entre 12 e 17 (que é 204), vem:
$$ \frac{17}{12}+\frac{24}{17}=\frac{289=288}{204}=\frac{577}{204} $$
O último passo do método de Herão consiste em dividir por 2 a fração resultante (577/204), obtendo-se:
$$ \frac{\frac{577}{204}}{2}=\frac{577}{204}\times \frac{1}{2}=\frac{577}{408} $$
A fração resultante (577/408) é o novo valor de √2, mais refinado que o obtido com a fração (17/12). Desse modo, temos:
$$ \sqrt{2}\cong \frac{577}{408}=1,41421\overline{5686}... $$
Observe: √2 é a notação matemática moderna para a constante de Pitágoras, que é um resultado muito próximo daquele apresentado pelo aprendiz de escriba babilônio em sua plaqueta de argila. Foram demonstrados com estes dois exemplos como calcular o tamanho do lado ou o tamanho da diagonal de um quadrado, e que este tamanho, ou magnitude, resultou em um número irracional, que por sua vez é representado na notação matemática moderna pelo símbolo de raiz (√), e que o número contido no símbolo de raiz é o quadrado do número irracional. De fato:
$$ \left ( 6,4807406984\overline{7066}... \right )^{2}\cong 42 $$
$$ 6,4807406984\overline{7066}... \cong \sqrt{42} $$
E:
$$ \left ( 1,41421\overline{5686}... \right )^{2}\cong 2 $$
$$ 1,41421\overline{5686}... \cong \sqrt{2} $$
Se Herão de Alexandria demonstrou um método aritmético para calcular raízes quadradas de números inteiros que não sejam quadrados perfeitos, outro grego bem antes dele – Teodoro de Cirene – desenvolveu um método geométrico para obter magnitudes comensuráveis ou incomensuráveis (ou seja, números inteiros ou irracionais) a partir de uma magnitude comensurável. Teodoro viveu no século V a.C., tendo sido aluno de Protágoras e professor de Platão e Teeteto. Nenhum texto de Teodoro sobreviveu aos nossos dias e a referência que temos dessa técnica aparece no Diálogos de Platão – Teeteto de Crátila. Neste manuscrito, em que Sócrates debate com Teeteto (aluno de Teodoro) sobre o que seria o conhecimento, o diálogo se desenrola nestes termos:
[...]
Teeteto - Agora, Sócrates, ficou muito fácil a questão. Quer parecer-me que é igualzinha à que nos ocorreu recentemente, numa discussão entre mim e este teu homônimo.
Sócrates - Qual foi a questão, Teeteto?
Teeteto - A respeito de algumas potências, Teodoro, aqui presente, mostrou que a de três pés e a de cinco, como comprimento não são comensuráveis com a de um pé. E assim foi estudando uma após outra, até a de dezessete pés. Não sei por que parou aí. Ocorreu-nos, então, já que é infinito o número dessas potências, tentar reuni-las numa única, que serviria para designar todas.
Sócrates- E encontrastes o que procuráveis?
Teeteto - Acho que sim; examina tu mesmo.
Sócrates - Podes falar.
Teeteto - Dividimos os números em duas classes: os que podem ser formados pela multi-plicação de fatores iguais, representamo-los pela figura de um quadrado e os designamos pelos nomes de quadrado e de equilátero.
Sócrates- Muito bem.
Teeteto - Os que ficam entre esses, o três, por exemplo, e o cinco, e todos os que não se formam pela multiplicação de fatores iguais, mas da multiplicação de um número maior por um menor, ou o inverso: a de um menor por um maior, e que sempre são contidos em uma figura com um lado maior do que o outro, representamo-los sob a figura de um retângulo e os denominamos números retangulares.
Sócrates - Ótimo! E depois?
Teeteto - Todas as linhas que formam um quadrado de número plano eqüilátero, defini-mos como longitude, e as de quadrado de fatores desiguais, potências ou raízes, por não serem comensuráveis com as outras pelo comprimento, mas apenas pelas superfícies que venham a formar. Com os sólidos procedemos do mesmo modo.
Sócrates - Melhor não fora possível, meninos. Acho que Teodoro não pode ser acoimado de falso testemunho.
[...]
O método geométrico é o seguinte: comece desenhando um triângulo retângulo de lados iguais a 1, conforme indicado abaixo.
Pelo teorema de Pitágoras, sabemos que:
$$ diagonal^{2}=lado^{2}+lado^{2} $$
Assim:
$$ diagonal^{2}=1^{2}+1^{2}=2 $$
Finalmente:
$$ diagonal=\sqrt{2} $$
Sem novidades, já vimos este resultado algumas vezes. Agora, a partir da diagonal, vamos construir outro triângulo retângulo, com um de seus lados com magnitude igual a 1 e o outro lado (tomando como referência a diagonal) com magnitude igual a √2:
Aplicando o teorema de Pitágoras para o novo triângulo, vem:
$$ diagonal^{2}=1^{2}+\left ( \sqrt{2} \right )^{2}=1+\left ( \sqrt{2}\times \sqrt{2} \right )=1+\sqrt{2^{2}}=1+2=3 $$
Finalmente:
$$ diagonal=\sqrt{3} $$
Repetindo este procedimento, montamos um novo triângulo equilátero, em que um dos lados tenha magnitude igual a 1 e o outro lado magnitude igual a √3:
Aplicando o teorema de Pitágoras para o novo triângulo, vem:
$$ diagonal^{2}=1^{2}+\left ( \sqrt{3} \right )^{2}=1+\left ( \sqrt{3}\times \sqrt{3} \right )=1+\sqrt{3^{2}}=1+3=4 $$
Finalmente:
$$ diagonal=\sqrt{4}=\sqrt{2\times 2}=2 $$
E assim sucessivamente, construindo triângulos retângulos em que um dos lados tem sempre magnitude igual a 1 e o outro lado tem magnitude igual à diagonal do triângulo anterior, vamos montando uma espiral, conforme abaixo:
Esta espiral vai até √17, que é o exemplo que Teodoro apresentou a seu aluno Teeteto e que aparece nos diálogos de Platão. De fato, esta espiral pode prosseguir indefinidamente, como mostra a figura abaixo:
Outra curiosidade é que, quanto mais voltas a espiral dá, mais a distância entre duas voltas consecutivas se aproxima do número π, um número irracional que também surge da razão entre a circunferência e o diâmetro de um círculo!
Esta espiral é mais conhecida pelos nomes: Espiral de Raiz Quadrada ou Espiral de Teodoro.
Aprendemos na escola que uma fração não deve conter um número irracional, como é o caso das raízes quadradas, onde o radicando, ou seja, o número dentro do radical (√) não seja um quadrado perfeito. Nestes casos, aprendemos a racionalizar o denominador para eliminar o número irracional dele. Sendo assim, considere a fração:
$$ \frac{1}{\sqrt{2}} $$
Como ela possui um número irracional no denominador (a já conhecida constante de Pitágoras), torna-se necessário racionalizar o denominador. Isto é feito multiplicando-se a fração 1/√2 por:
$$ \frac{1}{\sqrt{2}}\times \frac{\sqrt{2}}{\sqrt{2}} $$
A fração √2/√2 é igual a 1; logo, multiplicar qualquer número (neste caso, a fração 1/√2) por 1 não altera o seu resultado. Temos:
$$ \frac{1}{\sqrt{2}}\times \frac{\sqrt{2}}{\sqrt{2}}=\frac{1\times \sqrt{2}}{\sqrt{2}\times \sqrt{2}}=\frac{\sqrt{2}}{\sqrt{2^{2}}}=\frac{\sqrt{2}}{2} $$
Significa que a fração resultante (√2/2) equivale à fração original (1/√2). Mas afinal, se ambas as frações são equivalentes, porque gastar energia racionalizando o denominador? Ora, já sabemos que os gregos eram geômetras por excelência e que as magnitudes incomensuráveis para eles (ou números irracionais) geravam uma série de complicações matemáticas e filosóficas. Imagine que não seria de bom tom para um geômetra grego ter um segmento de reta de magnitude igual a 1 e querer dividí-lo por √2, um valor que não podia ser corretamente mensurado com régua e compasso! Então, o que eles faziam? Racionalizavam o denominador, ou seja, transformavam o divisor em um número racional que pudesse ser traduzido por um segmento de reta cuja magnitude fosse mensurável. Neste caso, para obterem geometricamente a magnitude da fração resultante (√2/2), eles começavam (por exemplo) desenhando um triângulo retângulo de lados iguais a 1:
Pelo teorema de Pitágoras, já sabemos que a hipotenusa deste triângulo vale √2. Agora, com régua e compasso somos capazes de dividir a hipotenusa do triângulo à metade, que é o mesmo que dividí-la por 2. Mesmo que a magnitude da hipotenusa seja incomensurável (ou seja, possua uma medida irracional), e que ao dividí-la ao meio geramos outros dois segmentos com magnitudes igualmente incomensuráveis, o resultado agora é geometricamente possível. Com um compasso, coloque a ponta seca no ponto A e abrindo-o até C, trace um arco. Siga o mesmo procedimento com a ponta seca em B e abertura até o ponto C, desenhando outro arco:
Por fim, trace uma reta passando pelos cruzamentos entre os dois arcos:
O segmento AB, ou seja, a hipotenusa do triângulo retângulo, com magnitude incomensurável igual a √2, está agora dividida ao meio. Cada metade, portanto, vale √2/2:
A fração √2/2, equivalente a 1/√2, fornece o valor procurado e é possível de se obter com régua e compasso, o que convinha muito aos valorosos geômetras gregos. E é por isso que até hoje seguimos o exemplo deles, racionalizando o denominador, ainda que não nos seja exigida sua prova geométrica.
Assim como a potenciação, a radiciação também possui algumas propriedades básicas: uma delas diz que a raiz não se modifica quando multiplicamos o índice do radical e o expoente do radicando por um mesmo valor. Observe:
$$ \sqrt[3]{7^{2}}=\sqrt[3\times 2]{7^{2\times 2}}=\sqrt[6]{7^{4}} $$
De modo análogo, a raiz não se modifica quando dividimos o índice do radical e o expoente do radicando por um mesmo valor. Assim:
$$ \sqrt[12]{56^{8}}=\sqrt[12/4]{56^{8/4}}=\sqrt[3]{56^{2}} $$
Outra propriedade afirma que o produto de radicais de mesmo índice é igual à raiz do produto dos radicandos. Veja:
$$ \sqrt{3}\times \sqrt{11}=\sqrt{3\times 11}=\sqrt{33} $$
Analogamente, uma raiz com um índice qualquer, cujo radicando é um quociente, equivale ao quociente das raízes de mesmo índice dos radicandos:
$$ \sqrt[4]{\frac{5}{8}}=\frac{\sqrt[4]{5}}{\sqrt[4]{8}} $$
Outra propriedade afirma que uma raiz elevada a uma potência qualquer equivale à mesma raiz com o radicando elevado a essa potência:
$$ \left ( \sqrt[3]{5} \right )^{4}=\sqrt[3]{5^{4}} $$
Finalmente, uma raiz que seja ao mesmo tempo o radicando de outra raiz equivale a uma raiz cujo índice é o produto dos índices das raízes originais:
$$ \sqrt[3]{\sqrt[5]{13}}=\sqrt[3\times 5]{13}=\sqrt[15]{13} $$
Existe também o caso em que um número multiplicando uma raiz equivale a transformar esse número no radicando, desde que elevado a uma potência igual ao índice dessa raiz:
$$ 2\times \sqrt[3]{5}=\sqrt[3]{5\times 2^{3}} $$
Outro exemplo, agora com frações:
$$ \frac{1}{6}\times \sqrt[4]{7}=\sqrt[4]{7\times \left ( \frac{1}{6} \right )^{4}}=\sqrt[4]{7\times \frac{1}{6^{4}}} $$
Muito bem! Tivemos um panorama geral sobre a origem das raízes quadradas e de como esse conceito matemático evoluiu até chegar ao símbolo de √ dos nossos dias, bem como obter um valor aproximado por meio de frações quando geram um número irracional, ou desenhá-las através da geometria dos antigos gregos utilizando-se de magnitudes comensuráveis e incomensuráveis, finalizando com uma rápida abordagem sobre as propriedades da radiciação. Mais uma vez, evidencia-se que o uso da geometria e da aritmética com frações foram indispensáveis no entendimento desse conceito matemático na antiguidade e podem ainda hoje ser de grande valia como ferramentas de ensino. E o próximo tema a ser abordado é muito interessante, pois gerou diversas controvérsias no mundo acadêmico matemático: os números negativos.