A disciplina e o esforço empregados na aprendizagem sempre compensam. |
Depois de muitas páginas e diversas histórias, chegamos
ao fim de mais uma jornada pelas estradas da matemática. E nessa trajetória foi
possível perceber os muitos percalços enfrentados pela mente humana para que a
notação matemática alcançasse a maturidade de que usufrui presentemente. Porém,
percebe-se que somente as boas idéias, ou antes as boas abordagens, é que
serviram de alicerce para a construção do saber, haja vista as técnicas
babilônicas e egípcias para lidar com a álgebra, com seus enunciados tanto do
problema quanto da solução em linguagem natural: como deve ter sido difícil aos
alunos aspirantes a escribas dessas civilizações aprenderem algo com tamanha
aridez simbólica! Eis porque essas 'pedagogias' dissolveram-se com as areias do
tempo, esquecidas no passado, ainda que em seu devido tempo tenham sustentado
os conhecimentos algébricos que as sucederam. Séculos depois vieram os gregos
com sua brilhante geometria e esta foi uma ferramenta eficaz e duradoura, o
alicerce a partir do qual os árabes foram capazes de dar um passo além na
álgebra, ampliando-a. Mas ainda era preciso mais, e de uma linguagem natural –
associada a complexas construções geométricas – os matemáticos partiram para
uma estruturação retórica, que serviu de base para a criação paulatina de
símbolos, dos quais sobreviveram e se perpetuaram apenas os que se ajustaram
adequadamente à progressiva abstração do cálculo algébrico, chegando à
semiótica de que fazemos intensivo uso nas escolas. Mas se a notação matemática
algébrica é tão mais eficaz que as abordagens anteriores, porque é tão difícil
aprendê-la? A resposta para esta e outras questões associadas à dificuldade dos
alunos de se interessarem pelas disciplinas talvez esteja justamente na forma
de ensiná-las: começando sua vida escolar no jardim da infância, onde o lúdico
e o poético são a tônica dos ensinamentos, ao entrarem no ensino fundamental essas
mesmas crianças são colocadas em salas de aula com carteiras geometricamente
dispostas como numa matriz numérica, posicionados de frente a uma lousa ou
painel onde são escritas ou projetadas as lições pelo professor, por horas a
fio, ao longo de semanas e anos sem fim. O que se conclui dessa metodologia é
que a escola opera como uma nefasta maquinaria de doutrinação, onde as crianças
são subitamente atiradas a um programa de ensino que privilegia o não pensar, o
não imaginar, o não sonhar, mas tão somente o cumprimento às regras e
procedimentos, padronizados e ajustados a uma conduta previsível e desejável,
cronometrada e mensurada, numa estrutura taylorista imutável e excruciante, mas
apropriada para suprirem no futuro, como mão-de-obra descartável, o serviço repetitivo
e implacável das indústrias e dos grandes conglomerados empresariais, onde a
cada um caberá um papel, uma função, um portar-se e um vestir-se rigidamente
delimitados e restritos, ao longo de todas as suas vidas úteis, até que não
reste a essas infelizes criaturas a condição de autômatos que se iludem bem
sucedidos e realizados apenas porque foram capazes de comprar um teto, adquirir
um ou outro carro do ano, realizar duas dúzias de viagens atropeladas nas
férias e, claro, de terem colocado no mundo filhos para os quais desejam
ardentemente o mesmo futuro ignóbil e abjeto, de tão eficiente que é essa
doutrinação falaciosa do êxito.
É bem verdade que muitas iniciativas da área pedagógica têm
buscado melhorar o ambiente escolar: salas com menos alunos, melhor disposição
das carteiras para facilitar a comunicação, o convívio e a socialização de
crianças ou adolescentes, além de técnicas pedagógicas as mais variadas e
inovadoras, tão em voga nas melhores escolas. Melhores escolas em que?
Em
preparar os alunos para melhor atenderem às demandas do mercado, é claro! A
criatividade deve atender tão somente ao propósito de se fazer mais, melhor e
por menos, com características 'disruptivas', cativando multidões ávidas a
consumir, movimentando incalculáveis somas de dinheiro. Condicionados desde tenra
idade a desejar coisas, através de uma propaganda de
massa cientificamente ajustada, homens e mulheres gastam seus anos dourados
trabalhando como nem as legiões de escravos trabalharam para construir
pirâmides, no intuito desvairado de adquirir a última palavra em quinquilharia
eletrônica, o mais novo supra-sumo tecnológico automotivo – fabricado aos milhões
mas propagandeado como exclusivo – o imóvel, a roupa, o perfume, com o
propósito de mostrar ao amigo, ao vizinho e ao alheio a medida de seu miserável
sucesso. A crua verdade mostra apenas o retumbante fracasso de um modelo
econômico e social que não se sustenta e que vem apertando o pescoço da
humanidade como um laço de fôrca, a quem todos se entregam com júbilo, como se
a condenação fosse a conclusão exitosa da vida. Quanta diferença da pedagogia
dos antigos gregos, que buscavam estudar os mistérios do mundo e da vida através
dos sentidos e da razão! Mestres e discípulos esmiuçavam os diversos ramos da
filosofia por entre árvores e flores, em jardins cercados de fontes e obras de
arte, procurando apreender o belo e o justo, no melhor laboratório de que dispomos
até hoje: a natureza!
Resta-nos a pergunta: afinal, que educação
queremos? Ou tornando a questão mais ampla: que vida desejamos?
Até o próximo volume!