Ciência de Garagem

Um blog sobre ciência em geral e matemática em particular

quinta-feira, novembro 15, 2018

Matemática - Volume 4 - Epílogo

A disciplina e o esforço empregados na aprendizagem sempre compensam.
Depois de muitas páginas e diversas histórias, chegamos ao fim de mais uma jornada pelas estradas da matemática. E nessa trajetória foi possível perceber os muitos percalços enfrentados pela mente humana para que a notação matemática alcançasse a maturidade de que usufrui presentemente. Porém, percebe-se que somente as boas idéias, ou antes as boas abordagens, é que serviram de alicerce para a construção do saber, haja vista as técnicas babilônicas e egípcias para lidar com a álgebra, com seus enunciados tanto do problema quanto da solução em linguagem natural: como deve ter sido difícil aos alunos aspirantes a escribas dessas civilizações aprenderem algo com tamanha aridez simbólica! Eis porque essas 'pedagogias' dissolveram-se com as areias do tempo, esquecidas no passado, ainda que em seu devido tempo tenham sustentado os conhecimentos algébricos que as sucederam. Séculos depois vieram os gregos com sua brilhante geometria e esta foi uma ferramenta eficaz e duradoura, o alicerce a partir do qual os árabes foram capazes de dar um passo além na álgebra, ampliando-a. Mas ainda era preciso mais, e de uma linguagem natural – associada a complexas construções geométricas – os matemáticos partiram para uma estruturação retórica, que serviu de base para a criação paulatina de símbolos, dos quais sobreviveram e se perpetuaram apenas os que se ajustaram adequadamente à progressiva abstração do cálculo algébrico, chegando à semiótica de que fazemos intensivo uso nas escolas. Mas se a notação matemática algébrica é tão mais eficaz que as abordagens anteriores, porque é tão difícil aprendê-la? A resposta para esta e outras questões associadas à dificuldade dos alunos de se interessarem pelas disciplinas talvez esteja justamente na forma de ensiná-las: começando sua vida escolar no jardim da infância, onde o lúdico e o poético são a tônica dos ensinamentos, ao entrarem no ensino fundamental essas mesmas crianças são colocadas em salas de aula com carteiras geometricamente dispostas como numa matriz numérica, posicionados de frente a uma lousa ou painel onde são escritas ou projetadas as lições pelo professor, por horas a fio, ao longo de semanas e anos sem fim. O que se conclui dessa metodologia é que a escola opera como uma nefasta maquinaria de doutrinação, onde as crianças são subitamente atiradas a um programa de ensino que privilegia o não pensar, o não imaginar, o não sonhar, mas tão somente o cumprimento às regras e procedimentos, padronizados e ajustados a uma conduta previsível e desejável, cronometrada e mensurada, numa estrutura taylorista imutável e excruciante, mas apropriada para suprirem no futuro, como mão-de-obra descartável, o serviço repetitivo e implacável das indústrias e dos grandes conglomerados empresariais, onde a cada um caberá um papel, uma função, um portar-se e um vestir-se rigidamente delimitados e restritos, ao longo de todas as suas vidas úteis, até que não reste a essas infelizes criaturas a condição de autômatos que se iludem bem sucedidos e realizados apenas porque foram capazes de comprar um teto, adquirir um ou outro carro do ano, realizar duas dúzias de viagens atropeladas nas férias e, claro, de terem colocado no mundo filhos para os quais desejam ardentemente o mesmo futuro ignóbil e abjeto, de tão eficiente que é essa doutrinação falaciosa do êxito.


É bem verdade que muitas iniciativas da área pedagógica têm buscado melhorar o ambiente escolar: salas com menos alunos, melhor disposição das carteiras para facilitar a comunicação, o convívio e a socialização de crianças ou adolescentes, além de técnicas pedagógicas as mais variadas e inovadoras, tão em voga nas melhores escolas. Melhores escolas em que?
Em preparar os alunos para melhor atenderem às demandas do mercado, é claro! A criatividade deve atender tão somente ao propósito de se fazer mais, melhor e por menos, com características 'disruptivas', cativando multidões ávidas a consumir, movimentando incalculáveis somas de dinheiro. Condicionados desde tenra idade a desejar coisas, através de uma propaganda de massa cientificamente ajustada, homens e mulheres gastam seus anos dourados trabalhando como nem as legiões de escravos trabalharam para construir pirâmides, no intuito desvairado de adquirir a última palavra em quinquilharia eletrônica, o mais novo supra-sumo tecnológico automotivo – fabricado aos milhões mas propagandeado como exclusivo – o imóvel, a roupa, o perfume, com o propósito de mostrar ao amigo, ao vizinho e ao alheio a medida de seu miserável sucesso. A crua verdade mostra apenas o retumbante fracasso de um modelo econômico e social que não se sustenta e que vem apertando o pescoço da humanidade como um laço de fôrca, a quem todos se entregam com júbilo, como se a condenação fosse a conclusão exitosa da vida. Quanta diferença da pedagogia dos antigos gregos, que buscavam estudar os mistérios do mundo e da vida através dos sentidos e da razão! Mestres e discípulos esmiuçavam os diversos ramos da filosofia por entre árvores e flores, em jardins cercados de fontes e obras de arte, procurando apreender o belo e o justo, no melhor laboratório de que dispomos até hoje: a natureza!


Resta-nos a pergunta: afinal, que educação queremos? Ou tornando a questão mais ampla: que vida desejamos?

Até o próximo volume!