Pagode Ulun Danu do lago Bratan no Bali, Indonésia. |
O estudo das seções
cônicas auxiliaram em grande medida os primeiros estudos das equações
algébricas do terceiro grau entre os árabes, pelas mãos do matemático,
astrônomo e poeta persa Omar Khayyam (1.048 d.C. a 1.131 d.C.).
Um rubi acende na videira – Ilustração de 1.905 elaborada por Adelaide Hanscom Leesom para a tradução de Edward Fitzgerald do Rubayat de Omar Khayyam. |
Khayyam em
persa significa 'fabricante de tendas' e Omar teria adotado esse nome em
memória de seu pai, que exercia esse ofício. Este brilhante matemático também é
muito conhecido por sua famosa obra poética: Rubayat, que é o plural da palavra persa rubai, que significa quadras ou quartetos. Sendo um poema, o rubai consiste de quatro versos, dos
quais o primeiro, o segundo e o quarto são rimados (no original) e o terceiro é
branco. A poesia de Rubayat canta a
existência humana, a brevidade da vida, o êxtase e o amor. Omar Khayyam
desenvolveu em sua obra poética a concepção do êxtase do vinho como transcendência
do homem, como se pode observar abaixo:
Rubai 5
Busca a felicidade agora, não sabes de amanhã.
Apanha um grande copo cheio de vinho,
Senta-te ao luar, e pensa:
Talvez amanhã a Lua me procure em vão.
Rubai 6
Não procures muitos amigos, nem busques prolongar
A simpatia que alguém te inspirou;
Antes de apertares a mão que te estendem,
Considera se um dia ela não se erguerá contra ti.
Rubai 7
Alcorão, o livro supremo, pode ser lido às vezes,
Mas ninguém se deleita sempre em suas páginas.
No copo de vinho está gravado um texto de adorável
Sabedoria que a boca lê, a cada vez com mais delícia.
Rubai 9
Que pobre o coração que não sabe amar
E não conhece o delírio da paixão.
Se não amas, que Sol pode te aquecer,
Ou
que Lua te consolar?
Porém, Omar Khayyam foi famoso durante sua vida
como matemático. Dos tratados que escreveu e que chegaram aos nossos dias temos
Um comentário das dificuldades
relativas aos postulados dos Elementos de Euclides,
finalizado em 1.077 d.C., Da divisão de um quadrante de um círculo,
sem data definida e por fim aquele que interessa a este capítulo: Das provas para problemas
relativos a álgebra, este finalizado em 1.079 d.C[1].
Ele foi o primeiro a resolver geometricamente todo tipo de equação cúbica no
que se refere às raízes positivas (nessa época os números negativos não eram
aceitos). É no tratado de álgebra que encontraremos seus estudos sobre equações
cúbicas, dividido em três partes: (i) equações que podem ser resolvidas com
régua e compasso, (ii) equações que podem ser resolvidas por meio de seções cônicas e (iii) equações que
envolvem o inverso da incógnita.
[1]
Omar
escreveu posteriormente um tratado sobre a extração da n-ésima raiz de números
naturais, que infelizmente se perdeu.
Equações cúbicas e intersecção de seções cônicas – a primeira página de um manuscrito em dois capítulos, mantido na Universidade de Teerã – Irã. |
Khayyam foi o primeiro matemático a classificar equações de
um modo compreensivo, ainda que em termos modernos ele estivesse apenas
verificando o grau de uma equação. O primeiro conjunto de equações com dois
termos, ou binômios, ele as
denominava equações simples,
indicadas abaixo:
Binômios lineares,
quadráticos e cúbicos
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1.
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$$ a=x $$ |
2.
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$$ a=x^{2} $$ |
3.
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$$ a=x^{3} $$ |
4.
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$$ bx=x^{2} $$ |
5.
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$$ cx^{2}=x^{3} $$ |
6.
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$$ bx=x^{3} $$ |
O segundo conjunto era o que Omar denominava equações compostas, divididas em trinômios (equações com três termos) ou quadrinômios (equações com quatro
termos), descritas abaixo:
Trinômios
quadráticos
|
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7.
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$$ x^{2}+bx=a $$ |
8.
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$$ x^{2}+a=bx $$ |
9.
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$$ bx+a=x^{2} $$ |
Trinômios cúbicos
redutíveis a equações quadráticas
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10.
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$$ x^{3}+cx^{2}=bx $$ |
11.
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$$ x^{3}+bx=cx^{2} $$ |
12.
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$$ cx^{2}+bx=x^{3} $$ |
Trinômios cúbicos
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13.
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$$ x^{3}+bx=a $$ |
14.
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$$ x^{3}+a=bx $$ |
15.
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$$ bx+a=x^{3} $$ |
16.
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$$ x^{3}+cx^{2}=a $$ |
17.
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$$ x^{3}+a=cx^{2} $$ |
18.
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$$ cx^{2}+a=x^{3} $$ |
Quadrinômios em que
a soma dos 3 termos é igual ao quarto termo
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19.
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$$ x^{3}+cx^{2}+bx=a $$ |
20.
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$$ x^{3}+cx^{2}+a=bx $$ |
21.
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$$ x^3+bx+a=cx^{2} $$ |
22.
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$$ cx^{2}+bx+a=x^{3} $$ |
Quadrinômios em que
os termos somados dois a dois igualam-se
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23.
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$$ x^{3}+cx^{2}=bx+a $$ |
24.
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$$ x^{3}+bx=cx^{2}+a $$ |
25.
|
$$ x^{3}+a=cx^{2}+bx $$ |
Omar comenta em seu manuscrito quais equações já haviam sido
anteriormente solucionadas, bem como descreve o seu método de solução de acordo
com cada uma das 25 categorias de equações. Algebricamente falando, algumas
destas categorias são idênticas, mas suas construções geométricas podem diferir.
Em um excerto traduzido da obra de Khayyam, ele estabelece que um 'quadrado quadrado' – em linguagem
moderna, o termo x4, é
algo que “não existe na realidade de modo algum, mas sim no domínio da
filosofia”. Ele continua sua explanação afirmando que “o
que quer que seja obtido pela álgebra é obtido através de quatro termos:
número, coisa ou raiz (x), quadrado (x2) e cubo (x3)”.
A dimensionalidade fornecia a justificativa para isso, ao especificar que “número
é um estado da mente independente de todas as magnitudes, não existindo na
realidade”. Khayyam ia além, afirmando que “número
somente vem à existência quando manifestado em alguma causa material”.
Para o matemático, uma linha reta exprimia o objeto familiar aos leitores
modernos como x. O quadrado, que
expressamos por x2, para
Khayyam é “simbolizado por um quadrilátero de lados iguais e ângulos retos, cujo
lado é igual à linha reta”. Finalmente, ele descrevia o cubo, que
para nós seria o x3, como “um
sólido limitado por seis superfícies iguais de quatro lados cada, todos os
lados iguais, e com ângulos retos”. Estes quatro lados eram todos
objetos do tipo linha reta (para nós, o x)
e cada superfície era um quadrado (em nossa notação, o x2). Khayyam faz referência ao Elementos, de Euclides, para a construção de um cubo e afirma que “um
objeto com mais de três dimensões é impossível”. De modo geral,
as obras matemáticas árabes foram fortemente influenciadas pelos textos
geométricos gregos, como os de Euclides, Arquimedes e Apolônio e, de modo mais
específico, pela idéia de que um problema matemático não estaria totalmente
solucionado sem uma prova, e estas provas eram geométricas. Por esse motivo,
parte do projeto da matemática islâmica medieval foi justificar regras algébricas
através da geometria, como o são as obras de Khayyam e outros matemáticos
árabes, que resolveram algumas equações cúbicas propostas por Arquimedes
através da intersecção de seções cônicas.
Vejamos como se davam essas provas através de um dos problemas propostos por
Omar Khayyam para um quadrinômio do tipo “um cubo, um quadrado e lados são
iguais a um número”, ou seja:
$$ x^{3}+cx^{2}+b^{2}x=a^{3} $$
Em termos geométricos, pode-se afirmar que, dadas
três quantidades substituídas por três segmentos de reta: verde, azul e
vermelho, tais que possam ser representados conforme abaixo:
Todos com magnitudes
conhecidas, construir um quarto segmento de reta laranja:
Cuja magnitude
se deseja descobrir, tal que:
Um cubo perfeito construído com segmentos de
reta laranja, somado a outro sólido cuja base é uma área com lados constituídos
de segmentos de reta laranja e altura igual ao segmento de reta verde, somados
a um terceiro sólido cuja base é uma área com lados constituídos de segmentos
de reta azuis e altura igual ao segmento de reta laranja, forneçam uma magnitude igual ao volume do cubo cuja
base é uma área com lados construídos de segmentos de reta azul e altura igual
ao segmento de reta vermelho. Em termos algébricos, o somatório desses volumes é:
$$ x^{3}+cx^{2}+b^{2}x=a^{3} $$
O termo x3 (cubo para Khayyam) é o sólido laranja, o primeiro da esquerda para
a direita na figura acima. A constante c corresponde à magnitude conhecida do segmento verde e o termo x2
(quadrado para Khayyam) corresponde à
área laranja do segundo sólido. A constante b2 corresponde
à área azul de magnitude conhecida do
terceiro sólido e o termo x (raiz ou coisa para
Khayyam) corresponde à magnitude do
segmento laranja. Finalmente, a constante a3 corresponde ao sólido
vermelho e azul de magnitudes
conhecidas. Como a prática matemática daquele tempo insistia na manutenção da
dimensionalidade, cada termo da equação polinomial era visto essencialmente
como uma caixa retangular tridimensional. Assim, para Khayyam, encontrar a
solução da equação cúbica reduzia-se à questão geométrica de encontrar um
segmento de linha (no exemplo, o segmento laranja) a partir do qual três caixas
pudessem ser construídas de tal modo que seus volumes combinados se igualassem
a um volume conhecido. A solução do matemático para este problema depende do
resultado de um par de áreas iguais, uma baseada na proposição 13 do Livro VI
do Elementos de Euclides, que afirma
que, dados três segmentos de reta com diferentes magnitudes:
Que unidos formam o diâmetro de um semi-círculo:
E sendo esse diâmetro perpendicular a outro
segmento cuja altura toca a circunferência e divide o diâmetro conforme segue:
Então, a área de um quadrilátero formado pelo
segmento laranja é igual à área de outro quadrilátero formado pelos segmentos
do diâmetro dispostos da seguinte forma:
O outro resultado fornecendo um par de áreas
iguais vem da proposição 12 do Livro II do Cônicas
de Apolônio, que estabelece uma propriedade das hipérboles, afirmando que o
produto das distâncias de um ponto qualquer sobre a curva em relação às
assíntotas é uma constante. Assim, dados dois pontos quaisquer A e B sobre uma hipérbole
retangular, cujas assíntotas[2]
estão indicadas por retas tracejadas, abaixo:
[2]
Assíntota é
toda reta que é tangente a uma curva no infinito. Neste caso, a curva em
questão é a hipérbole. Quando as assíntotas dessa hipérbole são perpendiculares
entre si, diz-se que a hipérbole é retangular.
Os quadriláteros formados pelas distâncias
destes pontos às assíntotas, assim definidos:
Guardam entre si a seguinte relação de igualdade
em termos de área:
Para obter essas duas áreas iguais, Khayyam arranja
os segmentos verde, azul e vermelho (todos com magnitudes conhecidas) da seguinte forma:
Em seguida, o matemático desenha um semi-círculo
cujo diâmetro é a soma dos segmentos verde e vermelho:
A partir do segmento azul, duas retas perpendiculares entre si são traçadas,
conforme indicado abaixo:
Em seguida, uma hipérbole é construída a partir do ponto localizado na extremidade
esquerda do segmento de reta vermelho. Para desenhar essa hipérbole, o segmento vermelho foi dividido em quatro partes
iguais; da intersecção das retas perpendiculares, quatro linhas auxiliares são traçadas,
cada uma cruzando uma divisão do segmento vermelho. Por fim, são definidos
pontos de cruzamento entre essas linhas auxiliares com outras quatro linhas
auxiliares horizontais, cada uma das quais é traçada a partir do encontro das
linhas auxiliares que saem da interseção das retas perpendiculares com a última
divisão da linha vermelha (à esquerda), conforme abaixo:
Unindo adequadamente estes cruzamentos com segmentos
de reta, obtém-se uma hipérbole
retangular, onde as retas perpendiculares entre si são suas assíntotas, conforme a seguir:
Para atender à proposição 12 do Livro II de Cônicas o primeiro ponto sobre a hipérbole encontra-se na extremidade
esquerda do segmento de reta verde; o segundo ponto é obtido do cruzamento da hipérbole com o semi-círculo; ligando-o à assíntota
vertical, obtém-se o segmento de reta laranja:
Construindo os retângulos e nomeando seus
vértices, temos:
Omar Khayyam apresenta sua solução em cinco
etapas, sendo que a primeira consiste em mostrar que as áreas dos retângulos DFGH e ABCD são iguais. Como comentado antes, Apolônio estabeleceu uma
propriedade das hipérboles definindo
que o produto das distâncias às assíntotas
entre dois pontos quaisquer sobre a curva é uma constante. Uma vez que os pontos H e A estão ambos na mesma
hipérbole, com assíntotas FG e BC, conclui-se que os retângulos ABEF e CEGH possuem a
mesma área. Como estes dois retângulos compartilham a área CEFD, significa que os retângulos subtraídos de CEFD – ou seja, DFGH e ABCD – também
possuem a mesma área.
O segundo passo consiste em desenvolver a proporção:
$$ \frac{\left ( DA \right )^{2}}{\left ( HD \right )^{2}}=\frac{\left ( EC \right )^{2}}{\left ( CD \right )^{2}} $$
Uma vez que as áreas dos retângulos DFGH e ABCD são iguais, significa que:
$$ DA\times CD=HD\times FD $$
Ou ainda, na forma de uma proporção:
$$ \frac{DA}{HD}=\frac{FD}{CD} $$
Como EC
é igual a FD, então podemos alterar
a proporção anterior para:
$$ \frac{DA}{HD}=\frac{EC}{CD} $$
Se as razões
acima são proporcionais, então seus
quadrados também o são. Assim:
$$ \frac{\left ( DA \right )^{2}}{\left ( HD \right )^{2}}=\frac{\left ( EC \right )^{2}}{\left ( CD \right )^{2}} $$
|
[1]
|
No terceiro passo, Omar faz uso do semi-círculo para obter a seginte proporção:
$$ \frac{\left ( DA \right )^{2}}{\left ( HD \right )^{2}}=\frac{DJ}{HD} $$
Como o triângulo JAH está inscrito no diâmetro de um semi-círculo, pelo teorema de
Tales ele é um triângulo retângulo. Então, os triângulos DHA e DJA também são retângulos e, de fato, são semelhantes. Sendo semelhantes,
vale a proporção:
$$ \frac{HD}{DA}=\frac{DA}{DJ} $$
E, portanto:
$$ \left ( DA \right )^{2}=HD\times DJ $$
Dividindo ambos os termos por (HD)2, vem:
$$ \frac{\left ( DA \right )^{2}}{\left ( HD \right )^{2}}=\frac{HD\times DJ}{\left ( HD \right )^{2}} $$
Finalmente:
$$ \frac{\left ( DA \right )^{2}}{\left ( HD \right )^{2}}=\frac{DJ}{HD} $$ |
[2]
|
No quarto passo, Khayyam demonstra a seguinte
relação:
$$ \left ( EC \right )^{2}\times HD=DJ\times \left ( DC \right )^{2} $$
Para chegar a esse resultado, ele combina os
resultados obtidos previamente no segundo passo pela equação [1]:
$$ \frac{\left ( DA \right )^{2}}{\left ( HD \right )^{2}}=\frac{\left ( EC \right )^{2}}{\left ( CD \right )^{2}} $$
E no terceiro passo pela equação [2]:
$$ \frac{\left ( DA \right )^{2}}{\left ( HD \right )^{2}}=\frac{DJ}{HD} $$
Igualando as duas equações pelo termo comum [(DA)2/(HD)2]:
$$ \frac{\left ( EC \right )^{2}}{\left ( CD \right )^{2}}=\frac{DJ}{HD} $$
Basta multiplicar em cruz para chegar à relação
desejada:
$$ \left ( EC \right )^{2}\times HD=DJ\times \left ( DC \right )^{2} $$ |
[3]
|
Khayyam interpretou este resultado como um fato
geométrico em termos de sólidos
geométricos, afirmando que um sólido cuja base é um quadrado com lados de magnitudes iguais a EC e altura HD terá um volume igual a outro sólido cuja base
seja um quadrado com lados de magnitudes
iguais a DC e altura DJ. Finalmente, no quinto e último
passo, Omar verifica que a magnitude
do segmento construído e denominado DC
satisfaz a equação cúbica. Para chegar a essa conclusão, ele afirma que uma vez
que o ponto C está entre D e J, então vale a igualdade:
$$ DC+CJ=DJ $$ |
[4]
|
$$ \left ( EC \right )^{2}\times HD=DJ\times \left ( DC \right )^{2} $$
$$ \left ( EC \right )^{2}\times HD=\left [ DC+CJ \right ]\times \left ( DC \right )^{2} $$
$$ \left ( EC \right )^{2}\times HD=\left ( DC \right )^{3}+CJ\times \left ( DC \right )^{2} $$
Somando agora cada lado da equação resultante
com o volume:
$$ \left ( EC \right )^{2}\times DC $$
Obtemos:
$$ \left ( EC \right )^{2}\times HD+\left ( EC \right )^{2}\times DC=\left ( DC \right )^{3}+CJ\times \left ( DC \right )^{2}+\left ( EC \right )^{2}\times DC $$
$$ \left ( EC \right )^{2}\times \left [HD+DC \right ]=\left ( DC \right )^{3}+CJ\times \left ( DC \right )^{2}+\left ( EC \right )^{2}\times DC $$
Como:
$$ HD+DC=HC $$
Então:
$$ \left ( EC \right )^{2}\times HC=\left ( DC \right )^{3}+CJ\times \left ( DC \right )^{2}+\left ( EC \right )^{2}\times DC $$ |
[5]
|
Observe: EC
corresponde ao segmento azul, de magnitude
conhecida; HC corresponde ao
segmento vermelho, cuja magnitude
também é conhecida; e finalmente o segmento CJ corresponde ao segmento verde, cuja magnitude também se conhece. Logo, o segmento DC, à direita da equação [5] é o valor da incógnita e, portanto, a solução da equação de terceiro grau, correspondendo ao segmento
laranja.
Se a equação de Khayyam tivesse os seguintes valores para as constantes a (segmento verde), b (segmento azul) e c (segmento vermelho) e fosse representada desta maneira:
$$ y=x^{3}+7,9x^{2}+1,3x-2,1^{3} $$
E, a partir daqui, construíssemos uma tabela de pares ordenados, escolhendo uma faixa de
valores para x, tal que:
$$ x=-8, -7, ..., -1, 0, +1, ..., +10, +11 $$
e obtivéssemos os correspondentes valores para y, facilmente montaríamos um gráfico para encontrar a curva correspondente a esse polinômio, semelhante ao indicado abaixo:
O
primeiro problema já foi abordado anteriormente no capítulo Os números negativos,
no terceiro volume desta série, e envolve uma equação linear. O segundo problema foi explicado por Fibonacci em
um tratado publicado naquele mesmo ano, chamado Liber Quadratorum (Livro dos Quadrados) e envolve uma equação quadrática.
A solução para o terceiro problema é apresentado
por Fibonacci em seu manuscrito Flos
(Flor, também publicado em 1.225), bem como os dois problemas anteriores, e
detalha como obter a raiz da equação
cúbica, que ele denomina por μ, provando que esta raiz não é um inteiro,
nem um racional, nem nenhuma das outras formas apresentadas no Livro X do Elementos, de Euclides. Ou seja,
trata-se de um número irracional.
Nesse estudo, Fibonacci afirma: “E porque não é possível resolver esta equação
por nenhum dos métodos acima, trabalhei para reduzir a solução a uma
aproximação”, e por fim ele estabelece que a raiz dessa equação é,
aproximadamente:
$$ \mu \cong 1; 22, 07, 42, 33, 04, 40 $$
Cuja notação sexagesimal traduzida para uma soma de frações fica:
$$ \mu \cong \frac{1}{60^{0}}+\frac{22}{60^{1}}+\frac{07}{60^{2}}+\frac{42}{60^{3}}+\frac{33}{60^{4}}+\frac{04}{60^{5}}+\frac{40}{60^{6}} $$
Em notação decimal, esta soma de frações corresponde a:
$$ \mu \cong 1,368808107\overline{85}... $$
Uma aproximação correta até a nona casa decimal! É possível que, para resolver essa equação cúbica, Leonardo de Pisa dispusesse de algum método numérico com o qual estava familiarizado. Um desses possíveis métodos é conhecido por Ruffini-Horner. Apesar do nome dado a dois matemáticos europeus que viveram entre os séculos XVIII e XIX – o italiano Paolo Ruffini (1.765 a 1.822) e o inglês William Horner (1786 – 1837), este método foi descrito pela primeira vez, ao que se sabe, no século XI pelo matemático chinês Jia Xian (~1.010 a ~1.070) em seu manuscrito Shi Suo Suan Shu (A chave para a matemática), obra esta que se perdeu. A primeira coisa a se fazer para utilizar este método é modificar a equação cúbica original, deixando-a como abaixo:
$$ f\left ( x \right )=x^{3}+2x^{2}+10x-20 $$
Em seguida, adotamos diferentes valores para x no intuito de zerar, ou encontrar a raiz, de f(x). Definindo para x o valor zero, temos:
$$ f\left ( 0 \right )=0^{3}+2.0^{2}+10.0-20 $$
$$ f\left ( 0 \right )=-20 $$
Como f(x) está longe de ser zero, escolhemos um novo valor para x, por exemplo, 1. Como resultado, temos:
$$ f\left ( 1 \right )=1^{3}+2.1^{2}+10.1-20 $$
$$ f\left ( 1 \right )=1+2+10-20 $$
$$ f\left ( 1 \right )=-7 $$
Ainda não foi desta vez que f(x) zerou, pois continua negativo. Então, adotando para x o valor 2, vem:
$$ f\left ( 2 \right )=2^{3}+2.2^{2}+10.2-20 $$
$$ f\left ( 2 \right )=8+8+20-20=36-20 $$
$$ f\left ( 2 \right )=16 $$
Observa-se que, além de f(x) não ter zerado, ele agora é positivo. Então o valor correto para x encontra-se entre 1 e 2, ou seja:
$$ 1< x< 2 $$
Com essa informação em mãos, podemos iniciar a aplicação do método Ruffini-Horner. Monte o esquema abaixo, posicionando à direita as constantes da equação cúbica:
$$ f\left ( x \right )=x^{3}+2x^{2}+10x-20 $$
Em seguida, à esquerda, colocamos a primeira estimativa para o valor da nossa raiz. Como a raiz é maior que 1 e menor que 2, então ela vale 1 vírgula alguma coisa. Nossa primeira estimativa, portanto, será 1:
Agora, aplica-se o algoritmo que caracteriza o método: multiplica-se o valor estimado da raiz (1) pela primeira constante (1), somado ao valor abaixo da primeira constante (que não há). O resultado é 1, que posicionamos abaixo da segunda constante (2):
Repete-se o algoritmo: multiplica-se a raiz (1) pela segunda constante (2), cujo resultado (2) é somado ao valor abaixo da segunda constante (1). O resultado é 3, que posicionamos abaixo da terceira constante (10):
Mais uma vez: multiplica-se a raiz (1) pela terceira constante (10), cujo resultado (10) é somado ao valor abaixo da terceira constante (3). O resultado é 13, que posicionamos abaixo da quarta constante (-20):
Feito isso, agora somamos os resultados parciais das colunas à direita, conforme abaixo:
Repete-se o procedimento anterior para a linha das somas parciais (números vermelhos), exceto para a última coluna à direita (-7 em cinza), que compõe o primeiro resultado da rodada. Executando o algoritmo, multiplica-se a raiz (1) pela primeira constante vermelha (1), cujo resultado (1) é somado ao valor abaixo da primeira constante vermelha (que não há). O resultado é 1, que posicionamos abaixo da segunda constante vermelha (3):
Mais uma vez: multiplica-se a raiz (1) pela segunda constante vermelha (3), cujo resultado (3) é somado ao valor abaixo da segunda constante vermelha (1). O resultado é 4, que posicionamos abaixo da terceira constante (13):
Agora, somam-se os resultados parciais das colunas à direita, conforme abaixo:
Repete-se o procedimento anterior para a nova linha de somas parciais (números azuis), exceto para a última coluna à direita (17 em cinza), que compõe o segundo resultado da rodada. Executando o algoritmo, multiplica-se a raiz (1) pela primeira constante azul (1), cujo resultado (1) é somado ao valor abaixo da primeira constante azul (que não há). O resultado é 1, que posicionamos abaixo da segunda constante azul (4):
Como não há mais números a serem multiplicados (pois o próximo já está destacado em cinza), resta-nos somar os resultados parciais das colunas à direita, conforme abaixo:
Esta rodada está completa, e os números em cinza formam a nova equação cúbica após a aplicação do algoritmo:
$$ f\left ( x \right )=x^{3}+5x^{2}+17x-7 $$
O próximo passo consiste em dilatar esse polinômio, multiplicando cada termo por um fator de dez, conforme abaixo:
$$ f\left ( x \right )=x^{3}\times \left ( 10^{0} \right )+5x^{2}\times \left ( 10^{1} \right )+17x\times \left ( 10^{2} \right )-7\times \left ( 10^{3} \right ) $$
$$ f\left ( x \right )=x^{3}\times 1+5x^{2}\times 10+17x\times 100-7\times 1000 $$
$$ f\left ( x \right )=x^{3}+50x^{2}+1700x-7000 $$
Com o polinômio dilatado, estimamos mais uma vez o valor de x de modo a zerar f(x). Fazendo x = 2, temos:
$$ f\left ( 2 \right )=2^{3}+50\times 2^{2}+1700\times 2-7000 $$
$$ f\left ( 2 \right )=8+200+3400-7000 $$
$$ f\left ( 2 \right )=-3392 $$
Como f(x) resultou negativo, aumentamos o valor de x para 3, resultando:
$$ f\left ( 3 \right )=3^{3}+50\times 3^{2}+1700\times 3-7000 $$
$$ f\left ( 3 \right )=27+450+5100-7000 $$
$$ f\left ( 3 \right )=-1423 $$
Como f(x) ainda é negativo, aumentamos o valor de x para 4, obtendo:
$$ f\left ( 4 \right )=4^{3}+50\times 4^{2}+1700\times 4-7000 $$
$$ f\left ( 4 \right )=64+800+6800-7000 $$
$$ f\left ( 4 \right )=664 $$
Como agora f(x) é positivo, então o número que compõe a raiz fica entre 3 e 4, ou seja:
$$ 3< x< 4 $$
O valor de x é 3 vírgula alguma coisa. Então nossa nova estimativa é 3. Aplicando o algoritmo como descrito nos passos anteriores, o resultado já consolidado será:
Esta rodada está completa, e os números em cinza formam a nova equação cúbica após a aplicação do algoritmo:
$$ f\left ( x \right )=x^{3}+59x^{2}+2015x-1747 $$
Ao dilatarmos esse polinômio, multiplicando cada termo por um fator de dez, temos:
$$ f\left ( x \right )=x^{3}\times \left ( 10^{0} \right )+59x^{2}\times \left ( 10^{1} \right )+2015x\times \left ( 10^{2} \right )-1747\times \left ( 10^{3} \right ) $$
$$ f\left ( x \right )=x^{3}+590x^{2}+201.500x-1.747.000 $$
A nova estimativa para x na tentativa de zerar o f(x), seguindo o procedimento anterior, será 6 vírgula alguma coisa. Então nossa nova estimativa é 6. Aplicando o algoritmo como descrito nos passos anteriores o resultado, já consolidado, será:
E assim sucessivamente vamos gerando o número irracional procurado. A raiz obtida até aqui é:
$$ \mu \cong 1,36... $$
Condizente com o resultado fornecido por Fibonacci. Havia, porém, um segundo método que ele poderia ter utilizado para resolver a equação cúbica, apresentado no capítulo 13 do Liber Abaci, intitulado Aqui começa o capítulo treze sobre o método Elchataym e como com ele quase todos os problemas de matemática são resolvidos. Leonardo explica que o método árabe al-khata’ayn (literalmente: “os dois erros”) pode ser traduzido como o método da posição falsa dupla, e que hoje conhecemos como interpolação linear. No início do capítulo 14 do Liber Abaci, Fibonacci usa uma modificação desta técnica para aproximar raízes cúbicas; portanto, esta técnica poderia ter sido utilizada para encontrar a resposta do terceiro problema proposto por João de Palermo. Esta técnica é semelhante àquela apresentada no capítulo Os números irracionais, no terceiro volume desta série. Para aplicar o método elchataym, adotamos o procedimento inicial apresentado no método Ruffini-Horner, em que estimamos o valor de x, de modo a zerar o valor de f(x). Nessa abordagem, para x igual a 1, f(x) vale -7; e para x igual a 2, f(x) vale 16. Para que f(x) seja igual a zero, x deve estar entre 1 e 2. Colocando em um gráfico (sem escala), temos:
Ligando os pares ordenados (x, f(x)) obtidos com as estimativas iniciais através de uma reta (vermelha, acima) interpolamos linearmente o eixo x de modo que o ponto em que este eixo é cortado corresponderá, aproximadamente, à raiz da equação cúbica. Deste modo, por semelhança de triângulos (respectivamente verde e azul), temos a seguinte proporção:
$$ \frac{16-\left ( -7 \right )}{2-1}=\frac{-7-0}{1-x} $$
Resolvendo, obtém-se:
$$ \frac{16+7}{1}=\frac{-7}{1-x} $$
$$ \frac{23}{1}=\frac{-7}{1-x} $$
$$ 23\left ( 1-x \right )=-7 $$
$$ 23-23x=-7 $$
$$ 23+7=23x $$
$$ x=\frac{30}{23}\cong 1,30434782... $$
A reta corta o eixo x no ponto 30/23. Apesar de aproximada, esta fração, ou número racional, não representa adequadamente a raiz da equação cúbica, pois a raiz é um número irracional. Assim, se substituirmos, na equação cúbica, o valor de x pelo valor decimal (aproximado) de 30/23, obteremos:
$$ f\left ( 1,3 \right )=\left ( 1,3 \right )^{3}+2\times \left ( 1,3 \right )^{2}+10\times \left ( 1,3 \right )-20 $$
$$ f\left ( 1,3 \right )=2,197+3,38+13-20 $$
$$ f\left ( 1,3 \right )=18,577-20 $$
$$ f\left ( 1,3 \right )=-1,423 $$
Nota-se que f(30/23) gera um racional negativo, ou seja, a interpolação está subestimada. Como o número irracional procurado está entre 1 e 2, outra estimativa válida seria calcular a média entre estes dois números, ou seja:
$$ x=\frac{1+2}{2}=\frac{3}{2}=1,5 $$
Substituindo, na equação cúbica, o valor de x pelo valor decimal de 3/2, obtém-se:
$$ f\left ( 1,5 \right )=\left ( 1,5 \right )^{3}+2\times \left ( 1,5 \right )^{2}+10\times \left ( 1,5 \right )-20 $$
$$ f\left ( 1,5 \right )=3,375+4,5+15-20 $$
$$ f\left ( 1,5 \right )=22,875-20 $$
$$ f\left ( 1,5 \right )=2,875 $$
Observe: f(3/2) agora gera um racional positivo, ou seja, a média entre 1 e 2 gera um resultado superestimado. Se dispuséssemos estas frações em uma régua, a razão 30/23 seria posicionada proporcionalmente entre o número 1 e a fração 3/2:
Se 30/23 é menor que o número procurado e 3/2 é maior, então este número irracional encontra-se entre estes limites fracionários. Obtendo-se a média entre estas razões:
$$ x=\frac{\frac{30}{23}+\frac{3}{2}}{2}=\frac{\frac{60+69}{46}}{2}=\frac{129}{92}\cong 1,40217391... $$
Numa régua, a razão 129/92 será posicionada bem no meio entre as frações 30/23 e 3/2:
Substituindo, na equação cúbica, o valor de x pelo resultado decimal (aproximado) da fração 129/92, obtém-se:
$$ f\left ( 1,4 \right )=\left ( 1,4 \right )^{3}+2\times \left ( 1,4 \right )^{2}+10\times \left ( 1,4 \right )-20 $$
$$ f\left ( 1,4 \right )=2,744+3,92+14-20 $$
$$ f\left ( 1,4 \right )=20,664-20 $$
$$ f\left ( 1,4 \right )=0,664 $$
Observa-se que a fração 129/92 é maior que o número irracional procurado, pois a equação cúbica resultou positiva. Se 30/23 é menor que o número procurado e 129/92 é maior, então este número irracional encontra-se entre estes dois novos limites. Obtendo-se a média entre estas frações:
$$ x=\frac{\frac{30}{23}+\frac{129}{92}}{2}=\frac{\frac{120+129}{92}}{2}=\frac{249}{89}\cong 1,35326086... $$
Numa régua, a razão 249/184 será posicionada bem no meio entre as frações 30/23 e 129/92:
Substituindo, na equação cúbica, o valor de x pelo resultado decimal (aproximado) da fração 249/184, obtém-se:
$$ f\left ( 1,35 \right )=\left ( 1,35 \right )^{3}+2\times \left ( 1,35 \right )^{2}+10\times \left ( 1,35 \right )-20 $$
$$ f\left ( 1,35 \right )=2,460375+3,645+13,5-20 $$
$$ f\left ( 1,4 \right )=19,605375-20 $$
$$ f\left ( 1,4 \right )=-0,394625 $$
Observa-se que a fração 249/184 agora é menor que o número irracional procurado, pois a equação cúbica resultou menor que zero. Seguindo este procedimento de médias e cálculos da equação cúbica com as frações resultantes, aproximamo-nos, a cada rodada, do número irracional procurado. As frações obtidas nas próximas nove sequências, seguindo este método, são:
$$ \frac{507}{368}\cong 1,37771739... $$
$$ \frac{1.005}{736}\cong 1,36548913... $$
$$ \frac{2.019}{1.472}\cong 1,37160326... $$
$$ \frac{4.029}{2.944}\cong 1,36854619... $$
$$ \frac{8.067}{5.888}\cong 1,37007472... $$
$$ \frac{16.125}{11.776}\cong 1,36931046... $$
$$ \frac{32.241}{23.552}\cong 1,36892832... $$
$$ \frac{64.473}{47.104}\cong 1,36873726... $$
$$ \frac{128.995}{94.208}\cong 1,36883279... $$
Com mais algumas iterações, é possível alcançar a mesma precisão de nove casas decimais obtida por Fibonacci e até mais. Entretanto, a resposta ao problema está incorreta na última representação fracionária dada pelo matemático, cujo original é:
$$ 1;22,07,42,33,04,40 $$
Esta representação sexagesimal da raiz cúbica é um fato curioso, uma vez que toda a matemática apresentada em Liber Abaci está desenvolvida em base decimal. De todo modo, a expansão correta da raiz cúbica real tem continuidade com os termos a seguir:
$$ 1;22,07,42,33,04,38,30,50 $$
e obtivéssemos os correspondentes valores para y, facilmente montaríamos um gráfico para encontrar a curva correspondente a esse polinômio, semelhante ao indicado abaixo:
A distância entre a origem do gráfico até o ponto em que a
curva corta a abcissa (indicado pela
seta amarela) corresponde, na prova geométrica do matemático persa, ao segmento
laranja, ou incógnita, com uma magnitude tal que permite construir as
caixas cujos volumes combinados se igualam. É preciso observar que essa prova
geométrica valeria para qualquer outra combinação dos segmentos. Por exemplo,
se permutássemos as posições dos segmentos vermelho e azul da configuração
original, obteríamos um semi-círculo
cujo diâmetro seria a soma das magnitudes
dos segmentos verde e azul, ao invés da soma dos segmentos verde e vermelho.
Como resultado uma nova hipérbole regular
e um novo segmento laranja, com magnitudes
diferentes da solução anterior, seriam obtidos a partir desta construção; ainda
assim, a prova geométrica permaneceria válida nos termos em que foi
apresentada, pois não estariam sendo violadas nem a proposição de Apolônio, nem
a de Euclides, nem o teorema de Tales, mas os volumes combinados das caixas obtidas
com estes novos segmentos não se igualariam. Significa dizer que apenas uma das
possíveis combinações geométricas entre os segmentos verde, azul e vermelho resulta
em um segmento laranja cuja magnitude
é a solução da equação cúbica. Uma
das equações cúbicas apresentada na obra Das provas para problemas
relativos a álgebra, de Omar Khayyam, foi parar na corte de
Frederico II, do Sacro Império Romano, e envolveu nosso velho conhecido
Fibonacci. Depois de sua viagem de estudos à Argélia – iniciada em 1.192 – onde
seu pai mantinha um entreposto comercial e diplomático na cidade de Bugia,
Fibonacci publica em seu retorno a Pisa o seu monumental Liber Abacci em 1.202. Porém, em 1.225, já amplamente reputado como
um grande professor de matemática e escritor, lhe é concedida uma audiência
formal com o imperador Frederico II, então um patrono do saber que desejava um
encontro com esse expoente em matemática da Europa. Um dos membros dessa
audiência, o matemático da côrte João de Palermo, propôs três problemas para
Fibonacci resolver:
1. Três homens compartilhavam libras esterlinas,
não sei quantas, das quais a metade pertencia ao primeiro, um terço ao segundo
e um sexto ao terceiro; como eles queriam mantê-las em um lugar seguro, cada um
deles tomou das libras alguma quantia, até que nada tenha restado. O primeiro
devolveu metade do que tomou, o segundo devolveu um terço e o terceiro devolveu
um sexto. Quando o total devolvido foi dividido igualmente entre os três
homens, percebeu-se que cada um havia recebido o que lhe era por direito.
Quantas libras esterlinas havia inicialmente e quanto cada homem tomou desse
montante?
2. Encontre o número racional r tal que tanto r2
+ 5 quanto r2 – 5 sejam quadrados racionais.
3. Encontre uma raiz da equação cúbica x3
+ 2x2 + 10x = 20.
Iluminura do livro “De arte venandi cum avibus”, tratado em latim sobre ornitologia e falcoaria escrito por Frederico II em 1.240 e dedicado a seu filho Manfred. Na imagem, o imperador com um falcão. |
$$ \mu \cong 1; 22, 07, 42, 33, 04, 40 $$
Cuja notação sexagesimal traduzida para uma soma de frações fica:
$$ \mu \cong \frac{1}{60^{0}}+\frac{22}{60^{1}}+\frac{07}{60^{2}}+\frac{42}{60^{3}}+\frac{33}{60^{4}}+\frac{04}{60^{5}}+\frac{40}{60^{6}} $$
Em notação decimal, esta soma de frações corresponde a:
$$ \mu \cong 1,368808107\overline{85}... $$
Uma aproximação correta até a nona casa decimal! É possível que, para resolver essa equação cúbica, Leonardo de Pisa dispusesse de algum método numérico com o qual estava familiarizado. Um desses possíveis métodos é conhecido por Ruffini-Horner. Apesar do nome dado a dois matemáticos europeus que viveram entre os séculos XVIII e XIX – o italiano Paolo Ruffini (1.765 a 1.822) e o inglês William Horner (1786 – 1837), este método foi descrito pela primeira vez, ao que se sabe, no século XI pelo matemático chinês Jia Xian (~1.010 a ~1.070) em seu manuscrito Shi Suo Suan Shu (A chave para a matemática), obra esta que se perdeu. A primeira coisa a se fazer para utilizar este método é modificar a equação cúbica original, deixando-a como abaixo:
$$ f\left ( x \right )=x^{3}+2x^{2}+10x-20 $$
Em seguida, adotamos diferentes valores para x no intuito de zerar, ou encontrar a raiz, de f(x). Definindo para x o valor zero, temos:
$$ f\left ( 0 \right )=0^{3}+2.0^{2}+10.0-20 $$
$$ f\left ( 0 \right )=-20 $$
Como f(x) está longe de ser zero, escolhemos um novo valor para x, por exemplo, 1. Como resultado, temos:
$$ f\left ( 1 \right )=1^{3}+2.1^{2}+10.1-20 $$
$$ f\left ( 1 \right )=1+2+10-20 $$
$$ f\left ( 1 \right )=-7 $$
Ainda não foi desta vez que f(x) zerou, pois continua negativo. Então, adotando para x o valor 2, vem:
$$ f\left ( 2 \right )=2^{3}+2.2^{2}+10.2-20 $$
$$ f\left ( 2 \right )=8+8+20-20=36-20 $$
$$ f\left ( 2 \right )=16 $$
Observa-se que, além de f(x) não ter zerado, ele agora é positivo. Então o valor correto para x encontra-se entre 1 e 2, ou seja:
$$ 1< x< 2 $$
Com essa informação em mãos, podemos iniciar a aplicação do método Ruffini-Horner. Monte o esquema abaixo, posicionando à direita as constantes da equação cúbica:
$$ f\left ( x \right )=x^{3}+2x^{2}+10x-20 $$
Em seguida, à esquerda, colocamos a primeira estimativa para o valor da nossa raiz. Como a raiz é maior que 1 e menor que 2, então ela vale 1 vírgula alguma coisa. Nossa primeira estimativa, portanto, será 1:
Agora, aplica-se o algoritmo que caracteriza o método: multiplica-se o valor estimado da raiz (1) pela primeira constante (1), somado ao valor abaixo da primeira constante (que não há). O resultado é 1, que posicionamos abaixo da segunda constante (2):
Repete-se o algoritmo: multiplica-se a raiz (1) pela segunda constante (2), cujo resultado (2) é somado ao valor abaixo da segunda constante (1). O resultado é 3, que posicionamos abaixo da terceira constante (10):
Mais uma vez: multiplica-se a raiz (1) pela terceira constante (10), cujo resultado (10) é somado ao valor abaixo da terceira constante (3). O resultado é 13, que posicionamos abaixo da quarta constante (-20):
Feito isso, agora somamos os resultados parciais das colunas à direita, conforme abaixo:
Repete-se o procedimento anterior para a linha das somas parciais (números vermelhos), exceto para a última coluna à direita (-7 em cinza), que compõe o primeiro resultado da rodada. Executando o algoritmo, multiplica-se a raiz (1) pela primeira constante vermelha (1), cujo resultado (1) é somado ao valor abaixo da primeira constante vermelha (que não há). O resultado é 1, que posicionamos abaixo da segunda constante vermelha (3):
Mais uma vez: multiplica-se a raiz (1) pela segunda constante vermelha (3), cujo resultado (3) é somado ao valor abaixo da segunda constante vermelha (1). O resultado é 4, que posicionamos abaixo da terceira constante (13):
Agora, somam-se os resultados parciais das colunas à direita, conforme abaixo:
Repete-se o procedimento anterior para a nova linha de somas parciais (números azuis), exceto para a última coluna à direita (17 em cinza), que compõe o segundo resultado da rodada. Executando o algoritmo, multiplica-se a raiz (1) pela primeira constante azul (1), cujo resultado (1) é somado ao valor abaixo da primeira constante azul (que não há). O resultado é 1, que posicionamos abaixo da segunda constante azul (4):
Como não há mais números a serem multiplicados (pois o próximo já está destacado em cinza), resta-nos somar os resultados parciais das colunas à direita, conforme abaixo:
Esta rodada está completa, e os números em cinza formam a nova equação cúbica após a aplicação do algoritmo:
$$ f\left ( x \right )=x^{3}+5x^{2}+17x-7 $$
O próximo passo consiste em dilatar esse polinômio, multiplicando cada termo por um fator de dez, conforme abaixo:
$$ f\left ( x \right )=x^{3}\times \left ( 10^{0} \right )+5x^{2}\times \left ( 10^{1} \right )+17x\times \left ( 10^{2} \right )-7\times \left ( 10^{3} \right ) $$
$$ f\left ( x \right )=x^{3}\times 1+5x^{2}\times 10+17x\times 100-7\times 1000 $$
$$ f\left ( x \right )=x^{3}+50x^{2}+1700x-7000 $$
Com o polinômio dilatado, estimamos mais uma vez o valor de x de modo a zerar f(x). Fazendo x = 2, temos:
$$ f\left ( 2 \right )=2^{3}+50\times 2^{2}+1700\times 2-7000 $$
$$ f\left ( 2 \right )=8+200+3400-7000 $$
$$ f\left ( 2 \right )=-3392 $$
Como f(x) resultou negativo, aumentamos o valor de x para 3, resultando:
$$ f\left ( 3 \right )=3^{3}+50\times 3^{2}+1700\times 3-7000 $$
$$ f\left ( 3 \right )=27+450+5100-7000 $$
$$ f\left ( 3 \right )=-1423 $$
Como f(x) ainda é negativo, aumentamos o valor de x para 4, obtendo:
$$ f\left ( 4 \right )=4^{3}+50\times 4^{2}+1700\times 4-7000 $$
$$ f\left ( 4 \right )=64+800+6800-7000 $$
$$ f\left ( 4 \right )=664 $$
Como agora f(x) é positivo, então o número que compõe a raiz fica entre 3 e 4, ou seja:
$$ 3< x< 4 $$
O valor de x é 3 vírgula alguma coisa. Então nossa nova estimativa é 3. Aplicando o algoritmo como descrito nos passos anteriores, o resultado já consolidado será:
Esta rodada está completa, e os números em cinza formam a nova equação cúbica após a aplicação do algoritmo:
$$ f\left ( x \right )=x^{3}+59x^{2}+2015x-1747 $$
Ao dilatarmos esse polinômio, multiplicando cada termo por um fator de dez, temos:
$$ f\left ( x \right )=x^{3}\times \left ( 10^{0} \right )+59x^{2}\times \left ( 10^{1} \right )+2015x\times \left ( 10^{2} \right )-1747\times \left ( 10^{3} \right ) $$
$$ f\left ( x \right )=x^{3}+590x^{2}+201.500x-1.747.000 $$
A nova estimativa para x na tentativa de zerar o f(x), seguindo o procedimento anterior, será 6 vírgula alguma coisa. Então nossa nova estimativa é 6. Aplicando o algoritmo como descrito nos passos anteriores o resultado, já consolidado, será:
E assim sucessivamente vamos gerando o número irracional procurado. A raiz obtida até aqui é:
$$ \mu \cong 1,36... $$
Condizente com o resultado fornecido por Fibonacci. Havia, porém, um segundo método que ele poderia ter utilizado para resolver a equação cúbica, apresentado no capítulo 13 do Liber Abaci, intitulado Aqui começa o capítulo treze sobre o método Elchataym e como com ele quase todos os problemas de matemática são resolvidos. Leonardo explica que o método árabe al-khata’ayn (literalmente: “os dois erros”) pode ser traduzido como o método da posição falsa dupla, e que hoje conhecemos como interpolação linear. No início do capítulo 14 do Liber Abaci, Fibonacci usa uma modificação desta técnica para aproximar raízes cúbicas; portanto, esta técnica poderia ter sido utilizada para encontrar a resposta do terceiro problema proposto por João de Palermo. Esta técnica é semelhante àquela apresentada no capítulo Os números irracionais, no terceiro volume desta série. Para aplicar o método elchataym, adotamos o procedimento inicial apresentado no método Ruffini-Horner, em que estimamos o valor de x, de modo a zerar o valor de f(x). Nessa abordagem, para x igual a 1, f(x) vale -7; e para x igual a 2, f(x) vale 16. Para que f(x) seja igual a zero, x deve estar entre 1 e 2. Colocando em um gráfico (sem escala), temos:
Ligando os pares ordenados (x, f(x)) obtidos com as estimativas iniciais através de uma reta (vermelha, acima) interpolamos linearmente o eixo x de modo que o ponto em que este eixo é cortado corresponderá, aproximadamente, à raiz da equação cúbica. Deste modo, por semelhança de triângulos (respectivamente verde e azul), temos a seguinte proporção:
$$ \frac{16-\left ( -7 \right )}{2-1}=\frac{-7-0}{1-x} $$
Resolvendo, obtém-se:
$$ \frac{16+7}{1}=\frac{-7}{1-x} $$
$$ \frac{23}{1}=\frac{-7}{1-x} $$
$$ 23\left ( 1-x \right )=-7 $$
$$ 23-23x=-7 $$
$$ 23+7=23x $$
$$ x=\frac{30}{23}\cong 1,30434782... $$
A reta corta o eixo x no ponto 30/23. Apesar de aproximada, esta fração, ou número racional, não representa adequadamente a raiz da equação cúbica, pois a raiz é um número irracional. Assim, se substituirmos, na equação cúbica, o valor de x pelo valor decimal (aproximado) de 30/23, obteremos:
$$ f\left ( 1,3 \right )=\left ( 1,3 \right )^{3}+2\times \left ( 1,3 \right )^{2}+10\times \left ( 1,3 \right )-20 $$
$$ f\left ( 1,3 \right )=2,197+3,38+13-20 $$
$$ f\left ( 1,3 \right )=18,577-20 $$
$$ f\left ( 1,3 \right )=-1,423 $$
Nota-se que f(30/23) gera um racional negativo, ou seja, a interpolação está subestimada. Como o número irracional procurado está entre 1 e 2, outra estimativa válida seria calcular a média entre estes dois números, ou seja:
$$ x=\frac{1+2}{2}=\frac{3}{2}=1,5 $$
Substituindo, na equação cúbica, o valor de x pelo valor decimal de 3/2, obtém-se:
$$ f\left ( 1,5 \right )=\left ( 1,5 \right )^{3}+2\times \left ( 1,5 \right )^{2}+10\times \left ( 1,5 \right )-20 $$
$$ f\left ( 1,5 \right )=3,375+4,5+15-20 $$
$$ f\left ( 1,5 \right )=22,875-20 $$
$$ f\left ( 1,5 \right )=2,875 $$
Observe: f(3/2) agora gera um racional positivo, ou seja, a média entre 1 e 2 gera um resultado superestimado. Se dispuséssemos estas frações em uma régua, a razão 30/23 seria posicionada proporcionalmente entre o número 1 e a fração 3/2:
Se 30/23 é menor que o número procurado e 3/2 é maior, então este número irracional encontra-se entre estes limites fracionários. Obtendo-se a média entre estas razões:
$$ x=\frac{\frac{30}{23}+\frac{3}{2}}{2}=\frac{\frac{60+69}{46}}{2}=\frac{129}{92}\cong 1,40217391... $$
Numa régua, a razão 129/92 será posicionada bem no meio entre as frações 30/23 e 3/2:
Substituindo, na equação cúbica, o valor de x pelo resultado decimal (aproximado) da fração 129/92, obtém-se:
$$ f\left ( 1,4 \right )=\left ( 1,4 \right )^{3}+2\times \left ( 1,4 \right )^{2}+10\times \left ( 1,4 \right )-20 $$
$$ f\left ( 1,4 \right )=2,744+3,92+14-20 $$
$$ f\left ( 1,4 \right )=20,664-20 $$
$$ f\left ( 1,4 \right )=0,664 $$
Observa-se que a fração 129/92 é maior que o número irracional procurado, pois a equação cúbica resultou positiva. Se 30/23 é menor que o número procurado e 129/92 é maior, então este número irracional encontra-se entre estes dois novos limites. Obtendo-se a média entre estas frações:
$$ x=\frac{\frac{30}{23}+\frac{129}{92}}{2}=\frac{\frac{120+129}{92}}{2}=\frac{249}{89}\cong 1,35326086... $$
Numa régua, a razão 249/184 será posicionada bem no meio entre as frações 30/23 e 129/92:
Substituindo, na equação cúbica, o valor de x pelo resultado decimal (aproximado) da fração 249/184, obtém-se:
$$ f\left ( 1,35 \right )=\left ( 1,35 \right )^{3}+2\times \left ( 1,35 \right )^{2}+10\times \left ( 1,35 \right )-20 $$
$$ f\left ( 1,35 \right )=2,460375+3,645+13,5-20 $$
$$ f\left ( 1,4 \right )=19,605375-20 $$
$$ f\left ( 1,4 \right )=-0,394625 $$
Observa-se que a fração 249/184 agora é menor que o número irracional procurado, pois a equação cúbica resultou menor que zero. Seguindo este procedimento de médias e cálculos da equação cúbica com as frações resultantes, aproximamo-nos, a cada rodada, do número irracional procurado. As frações obtidas nas próximas nove sequências, seguindo este método, são:
$$ \frac{507}{368}\cong 1,37771739... $$
$$ \frac{1.005}{736}\cong 1,36548913... $$
$$ \frac{2.019}{1.472}\cong 1,37160326... $$
$$ \frac{4.029}{2.944}\cong 1,36854619... $$
$$ \frac{8.067}{5.888}\cong 1,37007472... $$
$$ \frac{16.125}{11.776}\cong 1,36931046... $$
$$ \frac{32.241}{23.552}\cong 1,36892832... $$
$$ \frac{64.473}{47.104}\cong 1,36873726... $$
$$ \frac{128.995}{94.208}\cong 1,36883279... $$
Com mais algumas iterações, é possível alcançar a mesma precisão de nove casas decimais obtida por Fibonacci e até mais. Entretanto, a resposta ao problema está incorreta na última representação fracionária dada pelo matemático, cujo original é:
$$ 1;22,07,42,33,04,40 $$
Esta representação sexagesimal da raiz cúbica é um fato curioso, uma vez que toda a matemática apresentada em Liber Abaci está desenvolvida em base decimal. De todo modo, a expansão correta da raiz cúbica real tem continuidade com os termos a seguir:
$$ 1;22,07,42,33,04,38,30,50 $$
É possível que Fibonacci tenha cometido esse erro deliberadamente,
pelo mesmo motivo que ocultou o seu método de solução: para que ninguém mais pudesse
duplicar os seus resultados. Na época de Leonardo, os métodos de um estudioso
eram valiosas moedas de troca para obter posições remuneradas com a nobreza, a
realeza ou a igreja. Como tal, os estudiosos mantinham seus métodos em segredo
de rivais e concorrentes. A audiência de Fibonacci com o imperador Frederico II
foi uma excelente oportunidade para mostrar suas habilidades sem revelar seus
métodos; para ele, o matemático João de Palermo representaria uma real ameaça
ao segredo dos cálculos de que fazia uso, tendo sido uma razão mais que suficiente
para que escondesse seus métodos, ao cobrir suas pegadas com um erro
premeditado em sua resposta. Por fim, sabe-se que Fibonacci estudara os textos
de Khayyam, de quem João de Palermo tomara emprestado o polinômio cúbico de seu
terceiro enigma. As
equações cúbicas voltariam a ser abordadas, porém sem uma solução geral, por
algebristas italianos da região de Florença: em 1.463, Benedetto de Florença,
ou Maestro Benedetto, conclui seu trabalho intitulado Trattato di praticha d'arismetica, um volume de 500 páginas dos
quais os capítulos 13, 14 e 15 tratam especificamente de equações algébricas,
começando com a reghola de algebra
amuchable, que trata da solução de seis tipos de equações lineares e
quadráticas, cujo texto é considerado uma tradução literal para o italiano de
uma tradução latina da álgebra de al-Khwarizmi, seguido das bem conhecidas
nomenclaturas para as potências de uma incógnita, tais como segue:
$$ \left\{\begin{matrix}x^{2}=censo=c\\ x^{3}=cubo=b\\ x^{4}=censo\,\, di\,\, censo=cc\end{matrix}\right. $$
O livro 14 deste tratado apresenta uma sequência
de 140 problemas numéricos derivados de um manuscrito perdido denominado Trattato di Praticha, escrito pelo
mestre florentino Biaggio, falecido por volta de 1.340. Vinte e oito destes
problemas são mercantis. Os demais são teóricos, todos conduzindo a equações
algébricas pertencentes a tipos solucionados por Benedetto no livro 13. Um
destes problemas conduz à equação:
$$ \frac{1}{12}x^{2}+\left ( 2+\frac{1}{12} \right )x+12=x $$
Que, de acordo com Benedetto e Biaggio, non può essere (não pode ser) pois, de fato, essa equação não
possui raízes reais. Já no livro 15 deste tratado, Maestro Benedetto inclui uma
pequena biografia sobre Maestro Antonio Mazzinghi, que possuía um ateliê em
Santa Trinità em Florença e que se tornou famoso não apenas com aritmética e
geometria, como também com astrologia e música, tendo falecido por volta de
1.390. Deste outro algebrista, Benedetto cita vários problemas mais complexos,
tal como este:
Encontrar três números em proporção
contínua tais que sua soma seja igual a 19 e a soma de seus quadrados seja
igual a 40.
Em
notação moderna, teríamos:
$$ \left\{\begin{matrix}x+y+z=19\\ \frac{x}{y}=\frac{y}{z}\\ x^{2}+y^{2}+z^{2}=40\end{matrix}\right. $$
Porém, em nenhum destes trabalhos encontra-se
uma solução geral para as equações
cúbicas, de modo que na primeira obra publicada pelo frade e matemático
italiano Luca Pacioli em 1.494 (o influente Summa
de arithmetica...) ele conclui que para equações cúbicas e quárticas não foi possível até agora formar
regras gerais, chegando a afirmar que a resolução das cúbicas
era tão impossível quanto a quadratura do círculo! Interessante observar que a
postura adotada pelos matemáticos medievais e renascentistas de guardar segredo
de seus métodos de cálculo serviu de estopim para descobrir-se enfim a fórmula
geral para encontrar as raízes de equações
cúbicas e descortina uma história, no mínimo, rocambolesca, que começa por
um lado com o matemático italiano Nicolau Fontana Tartaglia (1.499 /1.500 a
1.557).
Além de matemático, foi engenheiro (projetava
fortificações), topógrafo (estudava o relevo na busca dos melhores pontos de
defesa ou ataque), e um guarda-livros da então República de Veneza. Publicou
muitos livros, entre os quais a primeira tradução para o italiano das obras de
Arquimedes e de Euclides bem como uma aclamada compilação de matemática.
Tartaglia também foi o primeiro a aplicar matemática na investigação da
trajetória de projéteis, ou balística, em sua obra Nova Scientia (Nova Ciência); tempos depois, esse trabalho foi
parcialmente validado e parcialmente superado pelos estudos de Galileu sobre as
quedas de corpos livres.
Nicolau também chegou a publicar um tratado sobre a recuperação de navios afundados e ainda desenvolveu uma fórmula para calcular o volume de tetraedros (inclusive irregulares), conhecida por fórmula de Tartaglia. Nascido em Brescia e filho de Michele Fontana, um despachante que trabalhava na entrega de correspondências em cidades vizinhas, levava uma existência humilde, porém honesta, com seus pais e suas duas irmãs, tendo começado a frequentar a escola aos quatro anos de idade. A vida poderia ter sido muito diferente para Nicolau não fosse uma tragédia envolvendo sua família quando, em 1.506, então com seis anos de idade, Nicolau viu-se, junto com sua mãe e irmãs, entregues à pobreza após o assassinato de seu pai por assaltantes. Outra tragédia em 1.512 veio somar-se à anterior quando o rei francês Luis XII invadiu Brescia com suas tropas durante a guerra da Liga de Cambrai contra Veneza. As forças militares de Brescia defenderam a cidade por sete dias, sendo enfim derrotadas pelas tropas de Luis XII que, por vingança, mataram mais de 45.000 habitantes de Brescia ao final da batalha. Nicolau, então com doze anos, e sua família refugiaram-se no santuário da catedral da cidade durante a matança, mas o menino foi encontrado por um soldado francês, que com uma espada cortou sua mandíbula e seu pálato, sendo deixado para morrer. Sua mãe, sem dinheiro para pagar um médico, conseguiu salvar o filho lambendo-lhe as feridas; apesar dos desvelos de sua mãe, Nicolau nunca mais recuperaria sua fala normal e, já adulto, usava uma espessa barba para cobrir as fundas cicatrizes que carregava no rosto. Por conta das dificuldades na fala, Nicolau ganhou o apelido de Tartaglia, que significa “gago”. Há uma história que conta que sua mãe, com muito sacrifício, conseguiu juntar dinheiro suficiente para lhe pagar um tutor; os recursos – escassos – acabaram e com eles as aulas, quando Nicolau estava ainda na metade do alfabeto, valendo-se de seu próprio esforço para aprender o restante das letras e alfabetizar-se sozinho. Como auto-didata, possuía uma capacidade extraordinária para a matemática. Entretanto, todas as suas tentativas para aprender o latim fracassaram, motivo que o levou a escrever seus livros apenas em italiano, o que não era muito bem visto naquela época: ser erudito exigia o latim como pré-requisito. Fato é que ele e seus contemporâneos, trabalhando fora das universidades e academias, foram os grandes responsáveis pela difusão das obras clássicas em línguas modernas entre a então emergente classe burguesa letrada. O primeiro contato de Tartaglia com as equações cúbicas deu-se em 1.530, contando então com apenas 24 anos, mas um já respeitado matemático, quando um tal Zuanne de Tonini da Coi – um professor de matemática em Brescia de pouca relevância – mais por ousadia que por prudência, propôs a Tartaglia que solucionasse as duas equações cúbicas abaixo:
$$ \left\{\begin{matrix}x^{3}+3x^{2}=5\\ x^{3}+6x^{2}+8x=1000\end{matrix}\right. $$
O
segundo capítulo desta curiosa história descerra-se com o matemático italiano
Scipione Del Ferro (1.465 a 1.526). Nascido em Bolonha e professor de
matemática na universidade desta mesma cidade, credita-se a ele a primazia pela
descoberta de um método de solução de equações
cúbicas reduzidas. Nos tempos de Del Ferro, sabia-se que a equação cúbica geral podia ser
simplificada para um dos dois casos denominados equações cúbicas reduzidas, para quaisquer números positivos p, q
e x. Por exemplo, considere a equação cúbica geral abaixo:
$$ ax^{3}+bx^{2}+cx+d=0 $$
Onde a, b, c e d são reais e a é diferente de zero. Fazendo:
$$ x=y+z $$
Com z a ser determinado, substituindo na cúbica geral, vem:
$$ a\left ( y+z \right )^{3}+b\left ( y+z \right )^{2}+c\left ( y+z \right )+d=0 $$
Expandindo o polinômio:
$$ a\left ( y^{3}+3y^{2}z+3yz^{2}+z^{3} \right )+b\left ( y^{2}2yz+z^{2} \right )+c\left ( y+z \right )+d=0 $$
$$ \left ( ay^{3}+3ay^{2}z+3ayz^{2}+az^{3} \right )+\left ( by^{2}2byz+bz^{2} \right )+\left ( cy+cz \right )+d=0 $$
Agrupando os termos comuns:
$$ ay^{3}+\left ( 3az+b \right )y^{2}+\left ( 3az^{2}+2bz+c \right )y+\left ( az^{3}+bz^2+cz+d \right )=0 $$
Impondo que:
$$ 3az+b=0 $$
Isolando z desta equação resulta:
$$ z=-\frac{b}{3a} $$
O primeiro par de parênteses do polinômio expandido (que está sendo multiplicado por y2) é nulo. A substituição do valor de z no segundo par de parênteses da equação com os termos comuns agrupados fornece:
$$ \left ( 3az^{2}+2bz+c \right ) $$
$$ \left ( 3a\left ( \frac{-b}{3a} \right )^{2}+2b\left ( \frac{-b}{3a} \right )+c \right ) $$
$$ \left ( 3a\frac{b^{2}}{9a^{2}}-\frac{2b^{2}}{3a}+c \right ) $$
$$ \left ( \frac{b^{2}}{3a}-\frac{2b^{2}}{3a}+c \right ) $$
$$ \left ( -\frac{b^{2}}{3a}+c \right ) $$
E a substituição do valor de z no terceiro par de parênteses da equação com os termos comuns agrupados fornece:
$$ \left ( az^{3}+bz^{2}+cz+d \right ) $$
$$ \left ( a\left ( \frac{-b}{3a} \right )^{3}+b\left ( \frac{-b}{3a} \right )^{2}+c\left ( \frac{-b}{3a} \right )+d \right ) $$
$$ \left ( \left ( \frac{-b^{3}}{27a^{2}} \right )+\left ( \frac{b^{3}}{9a^{2}} \right )+c\left ( \frac{-b}{3a} \right )+d \right ) $$
$$ \left ( \left ( \frac{-b^{3}+3b^{3}}{27a^{2}} \right )+c\left ( \frac{-b}{3a} \right )+d \right ) $$
$$ \left ( \frac{2b^{3}}{27a^{2}}-\frac{cb}{3a}+d \right ) $$
Assim, a equação cúbica:
$$ ay^{3}+\left ( 3az+b \right )y^{2}+\left ( 3az^{2}+2bz+c \right )y+\left ( az^{3}+bz^2+cz+d \right )=0 $$
Fica modificada conforme abaixo:
$$ ay^{3}+\left ( -\frac{b^{2}}{3a}+c \right )y+\left ( \frac{2b^{3}}{27a^{2}}-\frac{cb}{3a}+d \right )=0 $$
Por fim, multiplicando toda a equação por 1/a resulta:
$$ \frac{1}{a}\left [ ay^{3}+\left ( -\frac{b^{2}}{3a}+c \right )y+\left ( \frac{2b^{3}}{27a^{2}}-\frac{cb}{3a}+d \right ) \right ]=0 $$
$$ a\frac{1}{a}y^{3}+\frac{1}{a}\left ( -\frac{b^{2}}{3a}+c \right )y+\frac{1}{a}\left ( \frac{2b^{3}}{27a^{2}}-\frac{cb}{3a}+d \right )=0 $$
$$ y^{3}+\left ( -\frac{b^{2}}{3a^{2}}+\frac{1}{ca} \right )y+\left ( \frac{2b^{3}}{27a^{3}}-\frac{cb}{3a^{2}}+\frac{d}{a} \right )=0 $$
Renomeando o segundo termo para:
$$ \left ( -\frac{b^{2}}{3a^{2}}+\frac{1}{ca} \right )=p $$
E renomeando o terceiro termo para:
$$ \left ( \frac{2b^{3}}{27a^{3}}-\frac{cb}{3a^{2}}+\frac{d}{a} \right )=q $$
A equação cúbica geral fica reduzida a:
$$ y^{3}+py+q=0 $$
O que os matemáticos daquela época consideravam como os dois casos para equações cúbicas reduzidas seriam:
$$ \left\{\begin{matrix}y^{3}+py=q\\ y^{3}=py+q\end{matrix}\right. $$
Como os valores de a, b, c e d são conhecidos e como:
$$ \left\{\begin{matrix}x=y+z\\ z=-\frac{b}{3a}\end{matrix}\right. $$
Encontrando-se o valor de y facilmente chega-se ao valor de x, que é a raiz da equação cúbica original. Entretanto, nenhum manuscrito de Del Ferro sobreviveu, em grande parte devido à sua resistência em comunicar os resultados de seus trabalhos, prática comum naquela época. Ao invés de publicar suas idéias, ele as teria mostrado somente a um pequeno e seleto grupo de amigos e estudantes. Como visto no desafio de João de Palermo contra Fibonacci, era costume entre os matemáticos desafiarem-se uns aos outros. Quando um matemático aceitava o desafio de outro, geralmente cada matemático tinha que solucionar um conjunto de problemas propostos pelo seu oponente, dentro de um prazo fixado, numa quantidade previamente acordada e cujo conteúdo era mantido em segredo até a data da troca das listas contendo os problemas. Curiosamente, esses eventos atraíam grandes multidões, entre estudiosos das universidades, partidários dos desafiantes, membros da nobreza, da burguesia e a população em geral. Muitas vezes o perdedor era abandonado por seu patrono (que o financiava) ou era obrigado a deixar a posição que ocupava na universidade em que lecionasse. Ao vencedor desses confrontos a recompensa se traduzia essencialmente em estabilidade no emprego, novas ofertas de trabalho e até um reforço no aporte monetário oferecido por seu patrono, a quem era prestada assessoria matemática para assuntos, em geral, financeiros. É possível que Del Ferro temesse ser desafiado, daí porque mantivesse seu maior segredo profissional a salvo da concorrência, para que pudesse ser utilizado nessas situações. Especula-se que Scipione tenha trabalhado na busca dessa solução como consequência da breve passagem do prestigiado Luca Pacioli pela Universidade de Bolonha, entre 1.501 e 1.502, para proferir algumas palestras. Acredita-se que Pacioli tenha incentivado Del Ferro a tentar resolver esse problema, dada sua manifesta destreza em manipulações algébricas com radicais. Posteriormente, em 1.509, Pacioli publicaria sua tradução para o italiano do Elementos de Euclides, que acabou por se tornar uma fonte de conhecimento matemático para os seus conterrâneos não versados em latim. Os estudiosos italianos, dando continuidade ao trabalho desenvolvido por Euclides em seu livro X, aprofundaram-se no estudo das somas e diferenças de raízes quadradas, tais como:
$$ \left\{\begin{matrix}a+\sqrt{b}\\ \sqrt{a}+\sqrt{b}\\ \sqrt{a}-\sqrt{b}\end{matrix}\right. $$
Estas somas eram denominadas binomiais (binomiums em latim) e as diferenças, restos (no latim, apotemes).
Ao longo dessas pesquisas, os estudiosos perceberam que a diferença de raízes quadradas representada por:
$$ x=\sqrt{a+\sqrt{b}}-\sqrt{a-\sqrt{b}} $$
Ao ser elevada ao quadrado:
$$ x^{2}=\left ( \sqrt{a+\sqrt{b}}-\sqrt{a-\sqrt{b}} \right )^{2} $$
E desenvolvido o lado direito da igualdade:
$$ \left ( \sqrt{a+\sqrt{b}}-\sqrt{a-\sqrt{b}} \right )\times \left ( \sqrt{a+\sqrt{b}}-\sqrt{a-\sqrt{b}} \right ) $$
$$ \left ( \sqrt{a+\sqrt{b}} \right )^{2}-\sqrt{\left ( a+\sqrt{b} \right )\left ( a-\sqrt{b} \right )}-\sqrt{\left ( a-\sqrt{b} \right )\left ( a+\sqrt{b} \right )}+\left ( \sqrt{a-\sqrt{b}} \right )^{2} $$
$$ a+\sqrt{b}-\sqrt{a^{2}-a\sqrt{b}+a\sqrt{b}-\left ( \sqrt{b} \right )^{2}}-\sqrt{a^{2}+a\sqrt{b}-a\sqrt{b}-\left ( \sqrt{b} \right )^{2}}+a-\sqrt{b} $$
$$ 2a-\sqrt{a^{2}-b}-\sqrt{a^{2}-b} $$
Resultava em:
$$ x^{2}=2a-2\sqrt{a^{2}-b} $$
Ou seja, obtemos uma equação quadrática que perdeu o termo linear x. Não se sabe qual a abordagem utilizada por Del Ferro para gerar a sua fórmula, porém, do mesmo modo que os estudiosos faziam uso da soma e diferença de raízes quadradas para produzir equações quadráticas reduzidas (sem o termo x), procedimento similar teria sido utilizado por Del Ferro, somando e subtraindo raízes cúbicas para se chegar a uma equação cúbica reduzida (sem o termo quadrático: x2). Supondo que sua linha de raciocínio tenha seguido algo como a diferença entre raízes cúbicas, conforme abaixo:
$$ x=\sqrt[3]{a+\sqrt{b}}-\sqrt[3]{a-\sqrt{b}} $$
Fazendo-se, por simplificação, as seguintes substituições:
$$ \left\{\begin{matrix}\alpha =\sqrt[3]{a+\sqrt{b}}\\ \beta =\sqrt[3]{a-\sqrt{b}}\end{matrix}\right. $$
Resulta:
$$ x=\alpha -\beta $$
Elevando ao cubo:
$$ x^{3}=\left ( \alpha -\beta \right )^{3} $$
Expandindo o binômio:
$$ x^{3}=\left ( \alpha -\beta \right )\times \left ( \alpha -\beta \right )\times \left ( \alpha -\beta \right ) $$
$$ x^{3}=\left ( \alpha ^{2}-2\alpha \beta +\beta ^{2} \right )\times \left ( \alpha -\beta \right ) $$
$$ x^{3}=\alpha ^{3}-3\alpha ^{2}\beta +3\alpha \beta ^{2}-\beta ^{3} $$
Colocando 3αβ em evidência:
$$ x^{3}=\alpha ^{3}-3\alpha \beta \left ( \alpha -\beta \right )-\beta ^{3} $$
Mas x = (α – β), o que nos conduz à cúbica reduzida:
$$ x^{3}=\alpha ^{3}-\beta ^{3}-3\alpha \beta x $$
Restituindo a α e a β seus valores originais, temos:
$$ x^{3}=\left ( \sqrt[3]{a+\sqrt{b}} \right )^{3}-\left ( \sqrt[3]{a-\sqrt{b}} \right )^{3}-3\left ( \sqrt[3]{a+\sqrt{b}} \right )\left ( \sqrt[3]{a-\sqrt{b}} \right )x $$
Desenvolvendo o lado direito desta igualdade:
$$ x^{3}=a+\sqrt{b}-a+\sqrt{b}-3\left ( \sqrt[3]{a+\sqrt{b}} \right )\left ( \sqrt[3]{a-\sqrt{b}} \right )x $$
$$ x^{3}=2\sqrt{b}-3\left ( \sqrt[3]{a+\sqrt{b}} \right )\left ( \sqrt[3]{a-\sqrt{b}} \right )x $$
Rearranjando os termos:
$$ x^{3}+3\left ( \sqrt[3]{a+\sqrt{b}} \right )\left ( \sqrt[3]{a-\sqrt{b}} \right )x=2\sqrt{b} $$
O que equivale a:
$$ x^{3}+px=q $$
Onde:
$$ p=3\left ( \sqrt[3]{a+\sqrt{b}} \right )\left ( \sqrt[3]{a-\sqrt{b}} \right ) $$
E:
$$ q=2\sqrt{b} $$
Isolando a constante b da equação acima, temos:
$$ \frac{q}{2}=\sqrt{b} $$
$$ \left (\frac{q}{2} \right )^{2}=\left (\sqrt{b} \right )^{2} $$
$$ \left (\frac{q}{2} \right )^{2}=b $$
Seguindo o mesmo procedimento para isolar a constante a, vem:
$$ p=3\left ( \sqrt[3]{a+\sqrt{b}} \right )\left ( \sqrt[3]{a-\sqrt{b}} \right ) $$
$$ \frac{p}{3}=\sqrt[3]{\left (a+\sqrt{b} \right )\times \left (a-\sqrt{b} \right )} $$
$$ \left (\frac{p}{3} \right )^{3}=\left (\sqrt[3]{\left (a+\sqrt{b} \right )\times \left (a-\sqrt{b} \right )} \right )^{3} $$
$$ \left (\frac{p}{3} \right )^{3}=\left (a+\sqrt{b} \right )\times \left (a-\sqrt{b} \right ) $$
$$ \left (\frac{p}{3} \right )^{3}=a^{2}-a\sqrt{b}+a\sqrt{b}-b $$
$$ \left (\frac{p}{3} \right )^{3}=a^{2}-b $$
Como o valor de b já foi estabelecido temos que:
$$ \left (\frac{p}{3} \right )^{3}=a^{2}-\left ( \frac{q}{2} \right )^{2} $$
$$ a^{2}=\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left (\frac{p}{3} \right )^{3} $$
$$ a=\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left (\frac{p}{3} \right )^{3}} $$
Substituindo a e b na equação original:
$$ x=\sqrt[3]{a+\sqrt{b}}-\sqrt[3]{a-\sqrt{b}} $$
Resulta:
$$ x=\sqrt[3]{\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left (\frac{p}{3} \right )^{3}}+\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}}}-\sqrt[3]{\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left (\frac{p}{3} \right )^{3}}-\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}}} $$
$$ x=\sqrt[3]{\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left (\frac{p}{3} \right )^{3}}+\left ( \frac{q}{2} \right )}-\sqrt[3]{\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left (\frac{p}{3} \right )^{3}}-\left ( \frac{q}{2} \right )} $$
$$ x=\sqrt[3]{\frac{q}{2}+\sqrt{\frac{q^{2}}{4}+\frac{p^{3}}{27}}}-\sqrt[3]{-\frac{q}{2}+\sqrt{\frac{q^{2}}{4}+\frac{p^{3}}{27}}} $$
Finalmente, a fórmula tão zelosamente guardada por Del Ferro e descoberta por volta de 1.515, fica:
$$ x=\sqrt[3]{\frac{q}{2}+\sqrt{\frac{q^{2}}{4}+\frac{p^{3}}{27}}}+\sqrt[3]{\frac{q}{2}-\sqrt{\frac{q^{2}}{4}+\frac{p^{3}}{27}}} $$
Apesar da diligência de manter em sigilo a fórmula de solução da cúbica reduzida, Scipione possuía um caderno de anotações onde apontava todas as suas descobertas. Após sua morte em 1.526, esse caderno de anotações foi herdado pelo seu genro Aníbal della Nave, casado com a filha de Del Ferro, Filipa. Nave também foi um matemático formado por Scipione e, com a morte do sogro, acabou por substituí-lo na Universidade de Bolonha. Outro aluno de Scipione que teve acesso à solução da equação cúbica reduzida foi Antônio Maria del Fiore, que, ademais, não passava de um matemático irrelevante. Tal como seu mestre, não publicou a fórmula de que detinha a posse, mas resolveu usar este conhecimento secreto em um momento apropriado. De algum modo a notícia de que Tartaglia encontrara uma solução para a provocação de Zuanne da Coi com suas equações cúbicas chegou aos ouvidos de Del Fiore e este, desejoso de obter fama e prestígio entre os matemáticos, e acreditando no potencial de seu segredo, em 1.535 desafia publicamente o consagrado Tartaglia para uma disputa, que prontamente a aceita – acostumado que estava a estes embates matemáticos – principalmente porque nunca ouvira falar de Del Fiore. Os termos do desafio foram estabelecidos: cada um deveria propor a seu oponente uma lista de 30 problemas a serem encaminhados em um envelope, lacrado, a um tabelião. Uma vez de posse do envelope que lhe cabia, a cada desafiante seria dado um prazo de até 50 dias para solucionar sua lista, saindo vencedor aquele que resolvesse corretamente o maior número de problemas. Segundo certos historiadores, ao perdedor caberia pagar a conta de um banquete, a ser oferecido ao vencedor e a mais 30 de seus amigos. Por conta de sua experiência neste tipo de contenda, Tartaglia desconfiava que Del Fiore tivesse algum trunfo poderoso guardado na manga, do contrário não o teria desafiado, suspeita essa confirmada quando Tartaglia obteve a informação de que Del Fiore de fato conhecia um método de resolução para as equações cúbicas. Pressentindo que esta seria a tônica da lista de problemas de seu oponente, Tartaglia mergulhou de cabeça na tentativa de resolução das cúbicas do tipo:
$$ \left\{\begin{matrix}ax^{3}+bx=c\\ ax+b=x^{3}\end{matrix}\right. $$
no que foi plenamente coroado de êxito apenas uma semana antes da retirada dos envelopes; como já soubesse resolver as cúbicas do tipo:
$$ x^{3}+ax^{2}=b $$
aquando do desafio proposto por Zuanne da Coi, Tartaglia finalmente supunha-se bem municiado para enfrentar Del Fiore com segurança. Chega o dia 23 de Fevereiro de 1.535, data do confronto. Contando com uma grande platéia reunida para assistir à disputa, os envelopes são abertos e as suspeitas de Tartaglia ratificadas: a lista de seu oponente continha apenas problemas envolvendo equações cúbicas do tipo solucionado por seu mestre Del Ferro, do tipo:
$$ ax^{3}+bx=c $$
Já a lista de Tartaglia abordava diversos temas matemáticos e, entre as equações cúbicas, todas as formas por ele estudadas e solucionadas, para mostrar que eu tinha pouca consideração por Del Fiore e não tinha motivos para temê-lo, segundo suas próprias palavras. O resultado foi que em pouco mais de duas horas Tartaglia resolveu por completo a lista proposta por Del Fiore! Este, por sua vez, no mesmo intervalo de tempo não conseguiu resolver sequer um único problema da lista que tinha em mãos. Tartaglia completou a humilhação imposta a Del Fiore ao não aceitar deste o custeio do banquete a que tinha direito, desejando nada receber de um tão mau jogador. Depois deste triste episódio, ao pobre Del Fiore restou a obscuridade completa, e até hoje é lembrado apenas por ter pretendido obter fama e fortuna desafiando alguém muito mais competente que ele próprio... O último desdobramento desta história peculiar tem como personagem principal o matemático italiano Girolamo Cardano (1.501 – 1.576), também conhecido por sua alcunha latina Hieronymus Cardanus ou ainda Jérôme Cardan, em francês.
Cardano foi um polímata (quem estuda ou domina
muitas ciências), cujos interesses e proficiências abrangiam áreas tão díspares
quanto matemática, medicina, biologia, física, química, astronomia, astrologia,
filosofia, literatura e jogos. Atribui-se a ele a invenção parcial e a
descrição de diversos dispositivos mecânicos, incluindo: o cadeado de
combinação e o eixo cardan com juntas universais.
Todavia,
sua campanha para reitor foi bem sucedida, superando o seu rival por um único
voto. Por outro lado, Cardano desperdiçou a pequena herança que recebeu de seu
pai ao transformá-la em apostas para aumentar suas finanças: jogos de cartas,
dados e xadrez foram as ferramentas utilizadas para ganhar a vida. O jogo
tornou-se-lhe um vício que por anos o consumiu, roubando-lhe valioso tempo,
dinheiro e reputação. Sua facilidade em calcular probabilidades nos jogos que disputava (onde mais ganhava que
perdia, apesar de tudo) fez com que escrevesse, em 1.526, o Liber de ludo aleae (Livro dos jogos de
azar), antecipando-se em quase um século aos trabalhos que viriam a ser
desenvolvidos nessa área por Blaise Pascal e Pierre de Fermat. Já formado em
medicina, Cardano busca unir-se ao Colégio de Médicos em Milão, onde sua mãe
ainda vivia, lançando sua candidatura. O Colégio, porém, recusa-se em
admití-lo, apesar do respeito que ganhara como estudante excepcional, dada sua
reputação de homem de difícil trato; além disso, a descoberta do nascimento
ilegítimo de Cardano ofereceu à junta do Colégio um motivo a mais para rejeitar
seu pedido.
Como
o leitor poderá imaginar, definitivamente esta não é a melhor maneira de tratar
um grupo de pessoas de quem se espera obter um favor; portanto, é óbvio que o
novo pedido de Cardano, feito em 1.537 pleiteando uma vez mais o seu ingresso
no Colégio de Médicos de Milão, foi uma vez mais rejeitado. No entanto, dois
anos depois, após muita pressão de seus admiradores, o Colégio modificou a
cláusula relativa a nascimentos legítimos, admitindo Cardano em seu quadro de
associados. Ainda nesse mesmo ano (1.539), ele viria a publicar seus dois
primeiros livros sobre matemática, sendo que o Pratica Arithmeticæ et mensurandi singularis (Prática da aritmética
e medição simples) indica que feitos maiores estavam por vir. Este foi o início
da prolífica carreira literária de Cardano em uma diversidade de temas:
medicina, filosofia, astronomia e teologia, além de matemática. Foi ainda em
1.536, após os ataques de Girolamo contra a liga médica de Milão que entra em
cena o último personagem desta trama: Ludovico Ferrari. Seu avô, Bartolomeu
Ferrari, viu-se forçado a deixar o seu lar em Milão para instalar-se em Bolonha
devido às guerras italianas – em que não somente as famílias poderosas do norte
da Itália lutavam pelo controle das cidades dessa região, expandindo suas áreas
de influência pela força, como também a França, o sacro imperador romano e o
Papa tentavam abocanhar esses territórios com seus exércitos. Bartolomeu tinha
dois filhos: Vicente e Alexandre, este último pai de Ludovico. Inicialmente criado
na casa de seu pai, Ludovico passa a viver com seu tio Vicente depois que seu
pai foi morto. Vicente tinha um filho, Luca, rapaz difícil, que um belo dia
decide sair de casa e procurar emprego; viajando para Milão, descobre que
Cardano está à procura de um criado. Conseguindo a vaga, porém, não se adapta
ao trabalho e percebe algum tempo depois que sua situação era bem melhor na
casa paterna, para onde volta sem dar satisfação alguma ao patrão.
A
tradução do poema para o português e sua equivalência matemática estão
indicados abaixo:
Nas primeiras sete estrofes do poema, Tartaglia apresenta as soluções codificadas para as cúbicas do tipo:
$$ \left\{\begin{matrix}x^{3}+px=q\\ x^{3}=px+q\\ x^{3}+q=px\end{matrix}\right. $$
Fato é que Cardano consegue decifrar o poema de Tartaglia, ainda que tenha implorado, através de uma carta, que Tartaglia lhe explicasse como montar a equação com base no sexto e no décimo quinto versos que contêm, ambos, instruções dúbias. A solução encontrada por Cardano inicia-se com a equação cúbica geral abaixo:
$$ x^{3}+ax^{2}+bx+c=0 $$
Novamente, a, b e c são reais. A seguir, ele efetua a seguinte substituição:
$$ x=y-\frac{a}{3} $$
Com y a ser determinado, resultando na expressão abaixo:
$$ \left (y-\frac{a}{3} \right )^{3}+a\left (y-\frac{a}{3} \right )^{2}+b\left (y-\frac{a}{3} \right )+c=0 $$
Expandindo o polinômio:
$$ \left ( y^{3}-3y^{2}\frac{a}{3}+3y\frac{a^{2}}{9}-\frac{a^{3}}{27} \right )+a\left ( y^{2}-2y\frac{a}{3}+\frac{a^{2}}{9} \right )+b\left ( y-\frac{a}{3} \right )+c=0 $$
$$ \left ( y^{3}-y^{2}a+y\frac{a^{2}}{3}-\frac{a^{3}}{27} \right )+\left ( y^{2}a-2y\frac{a^{2}}{3}+\frac{a^{3}}{9} \right )+\left ( yb-b\frac{a}{3} \right )+c=0 $$
Agrupando os termos comuns:
$$ y^{3}+\left ( a-a \right )y^{2}+\left ( \frac{a^{2}}{3}-\frac{2a^{2}}{3}+b \right )y+\left ( \frac{a^{3}}{9}-\frac{a^{3}}{27}-\frac{ba}{3}+c \right )=0 $$
$$ y^{3}+\left ( -\frac{a^{2}}{3}+b \right )y=\left ( -\frac{2a^{3}}{27}+\frac{ba}{3}-c \right ) $$
Renomeando o segundo termo para:
$$ \left ( -\frac{a^{2}}{3}+b \right )=p $$
E renomeando o terceiro termo para:
$$ \left ( -\frac{2a^{3}}{27}+\frac{ba}{3}-c \right )=q $$
A equação cúbica geral fica reduzida a:
$$ y^{3}+py=q $$
Com a cúbica reduzida em mãos, Cardano lança mão de um cálculo volumétrico, agrupando cubos e paralelepípedos reais, certamente guiado pela prática árabe da “completude do quadrado” de Khwarizmi e pela “completude do cubo” de Khayyam; neste caso, u e v compõem os lados de um cubo completo:
O volume
total será igual à soma dos volumes parciais:
O matemático italiano Nicolau Fontana Tartaglia. |
Nicolau também chegou a publicar um tratado sobre a recuperação de navios afundados e ainda desenvolveu uma fórmula para calcular o volume de tetraedros (inclusive irregulares), conhecida por fórmula de Tartaglia. Nascido em Brescia e filho de Michele Fontana, um despachante que trabalhava na entrega de correspondências em cidades vizinhas, levava uma existência humilde, porém honesta, com seus pais e suas duas irmãs, tendo começado a frequentar a escola aos quatro anos de idade. A vida poderia ter sido muito diferente para Nicolau não fosse uma tragédia envolvendo sua família quando, em 1.506, então com seis anos de idade, Nicolau viu-se, junto com sua mãe e irmãs, entregues à pobreza após o assassinato de seu pai por assaltantes. Outra tragédia em 1.512 veio somar-se à anterior quando o rei francês Luis XII invadiu Brescia com suas tropas durante a guerra da Liga de Cambrai contra Veneza. As forças militares de Brescia defenderam a cidade por sete dias, sendo enfim derrotadas pelas tropas de Luis XII que, por vingança, mataram mais de 45.000 habitantes de Brescia ao final da batalha. Nicolau, então com doze anos, e sua família refugiaram-se no santuário da catedral da cidade durante a matança, mas o menino foi encontrado por um soldado francês, que com uma espada cortou sua mandíbula e seu pálato, sendo deixado para morrer. Sua mãe, sem dinheiro para pagar um médico, conseguiu salvar o filho lambendo-lhe as feridas; apesar dos desvelos de sua mãe, Nicolau nunca mais recuperaria sua fala normal e, já adulto, usava uma espessa barba para cobrir as fundas cicatrizes que carregava no rosto. Por conta das dificuldades na fala, Nicolau ganhou o apelido de Tartaglia, que significa “gago”. Há uma história que conta que sua mãe, com muito sacrifício, conseguiu juntar dinheiro suficiente para lhe pagar um tutor; os recursos – escassos – acabaram e com eles as aulas, quando Nicolau estava ainda na metade do alfabeto, valendo-se de seu próprio esforço para aprender o restante das letras e alfabetizar-se sozinho. Como auto-didata, possuía uma capacidade extraordinária para a matemática. Entretanto, todas as suas tentativas para aprender o latim fracassaram, motivo que o levou a escrever seus livros apenas em italiano, o que não era muito bem visto naquela época: ser erudito exigia o latim como pré-requisito. Fato é que ele e seus contemporâneos, trabalhando fora das universidades e academias, foram os grandes responsáveis pela difusão das obras clássicas em línguas modernas entre a então emergente classe burguesa letrada. O primeiro contato de Tartaglia com as equações cúbicas deu-se em 1.530, contando então com apenas 24 anos, mas um já respeitado matemático, quando um tal Zuanne de Tonini da Coi – um professor de matemática em Brescia de pouca relevância – mais por ousadia que por prudência, propôs a Tartaglia que solucionasse as duas equações cúbicas abaixo:
$$ \left\{\begin{matrix}x^{3}+3x^{2}=5\\ x^{3}+6x^{2}+8x=1000\end{matrix}\right. $$
Este evento é narrado por Tartaglia em sua obra Quesiti, notadamente no quesito XIV,
nestes termos:
QUESITO XIV, proposto a mim em
Verona por um Mestre Zuanne de Tonini da Coi, que possui uma escola em Brescia,
e trazido a mim por Messer Antonio da Cellatico no ano de 1.530.
Mestre Zuanne – Encontre um número
que multiplicado por sua raiz, incrementado de três, seja igual a cinco. De
modo análogo, encontre três números tais que o segundo seja maior por dois que
o primeiro e o terceiro seja maior por dois que o segundo e onde o produto dos
três seja mil.
Nicolau – M. Zuanne: enviaste-me
estas suas duas questões como algo impossível de resolver ou, ao menos, como
não conhecidas por mim; porém, desenvolvendo-as pela álgebra, a primeira leva à
equação de um cubo e 3 censos igual a 5, e a segunda conduz a um cubo e 6 censos
e 8 coisas igual a 1.000. De acordo com Fra Luca e outros estas equações tem
sido, até agora, consideradas de solução impossível por meio de uma regra
geral. Acreditas que com tais questões, possas te colocar acima de mim,
tentando aparentar-se um grande matemático. Ouvi dizer que fazes isto com todos
os professores desta ciência em Brescia para que eles, por medo dessas
perguntas, não se atrevam a conversar contigo; e talvez eles conheçam mais
desta ciência que tu mesmo.
Mestre Zuanne – Entendo tanto quanto
o que me escrevestes, e que consideras que tais casos são impossíveis.
Nicolau – Eu não disse que tais
casos são impossíveis. De fato, para o primeiro caso, em que o cubo e o censo
igualam-se a um número, estou convencido de ter encontrado a regra geral, mas
no momento quero mantê-la em segredo por diversas razões. Para o segundo caso,
em que o cubo e o censo e a coisa igualam-se a um número, confesso não ter sido
capaz até o momento de encontrar uma regra geral. Entretanto, estou disposto a
apostar contigo 10 ducados contra 5 de que não és capaz de resolver por uma
regra geral as duas questões que me propusestes. E isto é algo pelo qual
deverias corar, ao propor para outros aquilo que tu mesmo não compreendes, mas
finges compreender, buscando alcançar a reputação de ser alguém grande.
$$ ax^{3}+bx^{2}+cx+d=0 $$
Onde a, b, c e d são reais e a é diferente de zero. Fazendo:
$$ x=y+z $$
Com z a ser determinado, substituindo na cúbica geral, vem:
$$ a\left ( y+z \right )^{3}+b\left ( y+z \right )^{2}+c\left ( y+z \right )+d=0 $$
Expandindo o polinômio:
$$ a\left ( y^{3}+3y^{2}z+3yz^{2}+z^{3} \right )+b\left ( y^{2}2yz+z^{2} \right )+c\left ( y+z \right )+d=0 $$
$$ \left ( ay^{3}+3ay^{2}z+3ayz^{2}+az^{3} \right )+\left ( by^{2}2byz+bz^{2} \right )+\left ( cy+cz \right )+d=0 $$
Agrupando os termos comuns:
$$ ay^{3}+\left ( 3az+b \right )y^{2}+\left ( 3az^{2}+2bz+c \right )y+\left ( az^{3}+bz^2+cz+d \right )=0 $$
Impondo que:
$$ 3az+b=0 $$
Isolando z desta equação resulta:
$$ z=-\frac{b}{3a} $$
O primeiro par de parênteses do polinômio expandido (que está sendo multiplicado por y2) é nulo. A substituição do valor de z no segundo par de parênteses da equação com os termos comuns agrupados fornece:
$$ \left ( 3az^{2}+2bz+c \right ) $$
$$ \left ( 3a\left ( \frac{-b}{3a} \right )^{2}+2b\left ( \frac{-b}{3a} \right )+c \right ) $$
$$ \left ( 3a\frac{b^{2}}{9a^{2}}-\frac{2b^{2}}{3a}+c \right ) $$
$$ \left ( \frac{b^{2}}{3a}-\frac{2b^{2}}{3a}+c \right ) $$
$$ \left ( -\frac{b^{2}}{3a}+c \right ) $$
E a substituição do valor de z no terceiro par de parênteses da equação com os termos comuns agrupados fornece:
$$ \left ( az^{3}+bz^{2}+cz+d \right ) $$
$$ \left ( a\left ( \frac{-b}{3a} \right )^{3}+b\left ( \frac{-b}{3a} \right )^{2}+c\left ( \frac{-b}{3a} \right )+d \right ) $$
$$ \left ( \left ( \frac{-b^{3}}{27a^{2}} \right )+\left ( \frac{b^{3}}{9a^{2}} \right )+c\left ( \frac{-b}{3a} \right )+d \right ) $$
$$ \left ( \left ( \frac{-b^{3}+3b^{3}}{27a^{2}} \right )+c\left ( \frac{-b}{3a} \right )+d \right ) $$
$$ \left ( \frac{2b^{3}}{27a^{2}}-\frac{cb}{3a}+d \right ) $$
Assim, a equação cúbica:
$$ ay^{3}+\left ( 3az+b \right )y^{2}+\left ( 3az^{2}+2bz+c \right )y+\left ( az^{3}+bz^2+cz+d \right )=0 $$
Fica modificada conforme abaixo:
$$ ay^{3}+\left ( -\frac{b^{2}}{3a}+c \right )y+\left ( \frac{2b^{3}}{27a^{2}}-\frac{cb}{3a}+d \right )=0 $$
Por fim, multiplicando toda a equação por 1/a resulta:
$$ \frac{1}{a}\left [ ay^{3}+\left ( -\frac{b^{2}}{3a}+c \right )y+\left ( \frac{2b^{3}}{27a^{2}}-\frac{cb}{3a}+d \right ) \right ]=0 $$
$$ a\frac{1}{a}y^{3}+\frac{1}{a}\left ( -\frac{b^{2}}{3a}+c \right )y+\frac{1}{a}\left ( \frac{2b^{3}}{27a^{2}}-\frac{cb}{3a}+d \right )=0 $$
$$ y^{3}+\left ( -\frac{b^{2}}{3a^{2}}+\frac{1}{ca} \right )y+\left ( \frac{2b^{3}}{27a^{3}}-\frac{cb}{3a^{2}}+\frac{d}{a} \right )=0 $$
Renomeando o segundo termo para:
$$ \left ( -\frac{b^{2}}{3a^{2}}+\frac{1}{ca} \right )=p $$
E renomeando o terceiro termo para:
$$ \left ( \frac{2b^{3}}{27a^{3}}-\frac{cb}{3a^{2}}+\frac{d}{a} \right )=q $$
A equação cúbica geral fica reduzida a:
$$ y^{3}+py+q=0 $$
O que os matemáticos daquela época consideravam como os dois casos para equações cúbicas reduzidas seriam:
$$ \left\{\begin{matrix}y^{3}+py=q\\ y^{3}=py+q\end{matrix}\right. $$
Como os valores de a, b, c e d são conhecidos e como:
$$ \left\{\begin{matrix}x=y+z\\ z=-\frac{b}{3a}\end{matrix}\right. $$
Encontrando-se o valor de y facilmente chega-se ao valor de x, que é a raiz da equação cúbica original. Entretanto, nenhum manuscrito de Del Ferro sobreviveu, em grande parte devido à sua resistência em comunicar os resultados de seus trabalhos, prática comum naquela época. Ao invés de publicar suas idéias, ele as teria mostrado somente a um pequeno e seleto grupo de amigos e estudantes. Como visto no desafio de João de Palermo contra Fibonacci, era costume entre os matemáticos desafiarem-se uns aos outros. Quando um matemático aceitava o desafio de outro, geralmente cada matemático tinha que solucionar um conjunto de problemas propostos pelo seu oponente, dentro de um prazo fixado, numa quantidade previamente acordada e cujo conteúdo era mantido em segredo até a data da troca das listas contendo os problemas. Curiosamente, esses eventos atraíam grandes multidões, entre estudiosos das universidades, partidários dos desafiantes, membros da nobreza, da burguesia e a população em geral. Muitas vezes o perdedor era abandonado por seu patrono (que o financiava) ou era obrigado a deixar a posição que ocupava na universidade em que lecionasse. Ao vencedor desses confrontos a recompensa se traduzia essencialmente em estabilidade no emprego, novas ofertas de trabalho e até um reforço no aporte monetário oferecido por seu patrono, a quem era prestada assessoria matemática para assuntos, em geral, financeiros. É possível que Del Ferro temesse ser desafiado, daí porque mantivesse seu maior segredo profissional a salvo da concorrência, para que pudesse ser utilizado nessas situações. Especula-se que Scipione tenha trabalhado na busca dessa solução como consequência da breve passagem do prestigiado Luca Pacioli pela Universidade de Bolonha, entre 1.501 e 1.502, para proferir algumas palestras. Acredita-se que Pacioli tenha incentivado Del Ferro a tentar resolver esse problema, dada sua manifesta destreza em manipulações algébricas com radicais. Posteriormente, em 1.509, Pacioli publicaria sua tradução para o italiano do Elementos de Euclides, que acabou por se tornar uma fonte de conhecimento matemático para os seus conterrâneos não versados em latim. Os estudiosos italianos, dando continuidade ao trabalho desenvolvido por Euclides em seu livro X, aprofundaram-se no estudo das somas e diferenças de raízes quadradas, tais como:
$$ \left\{\begin{matrix}a+\sqrt{b}\\ \sqrt{a}+\sqrt{b}\\ \sqrt{a}-\sqrt{b}\end{matrix}\right. $$
Estas somas eram denominadas binomiais (binomiums em latim) e as diferenças, restos (no latim, apotemes).
Ao longo dessas pesquisas, os estudiosos perceberam que a diferença de raízes quadradas representada por:
$$ x=\sqrt{a+\sqrt{b}}-\sqrt{a-\sqrt{b}} $$
Ao ser elevada ao quadrado:
$$ x^{2}=\left ( \sqrt{a+\sqrt{b}}-\sqrt{a-\sqrt{b}} \right )^{2} $$
E desenvolvido o lado direito da igualdade:
$$ \left ( \sqrt{a+\sqrt{b}}-\sqrt{a-\sqrt{b}} \right )\times \left ( \sqrt{a+\sqrt{b}}-\sqrt{a-\sqrt{b}} \right ) $$
$$ \left ( \sqrt{a+\sqrt{b}} \right )^{2}-\sqrt{\left ( a+\sqrt{b} \right )\left ( a-\sqrt{b} \right )}-\sqrt{\left ( a-\sqrt{b} \right )\left ( a+\sqrt{b} \right )}+\left ( \sqrt{a-\sqrt{b}} \right )^{2} $$
$$ a+\sqrt{b}-\sqrt{a^{2}-a\sqrt{b}+a\sqrt{b}-\left ( \sqrt{b} \right )^{2}}-\sqrt{a^{2}+a\sqrt{b}-a\sqrt{b}-\left ( \sqrt{b} \right )^{2}}+a-\sqrt{b} $$
$$ 2a-\sqrt{a^{2}-b}-\sqrt{a^{2}-b} $$
Resultava em:
$$ x^{2}=2a-2\sqrt{a^{2}-b} $$
Ou seja, obtemos uma equação quadrática que perdeu o termo linear x. Não se sabe qual a abordagem utilizada por Del Ferro para gerar a sua fórmula, porém, do mesmo modo que os estudiosos faziam uso da soma e diferença de raízes quadradas para produzir equações quadráticas reduzidas (sem o termo x), procedimento similar teria sido utilizado por Del Ferro, somando e subtraindo raízes cúbicas para se chegar a uma equação cúbica reduzida (sem o termo quadrático: x2). Supondo que sua linha de raciocínio tenha seguido algo como a diferença entre raízes cúbicas, conforme abaixo:
$$ x=\sqrt[3]{a+\sqrt{b}}-\sqrt[3]{a-\sqrt{b}} $$
Fazendo-se, por simplificação, as seguintes substituições:
$$ \left\{\begin{matrix}\alpha =\sqrt[3]{a+\sqrt{b}}\\ \beta =\sqrt[3]{a-\sqrt{b}}\end{matrix}\right. $$
Resulta:
$$ x=\alpha -\beta $$
Elevando ao cubo:
$$ x^{3}=\left ( \alpha -\beta \right )^{3} $$
Expandindo o binômio:
$$ x^{3}=\left ( \alpha -\beta \right )\times \left ( \alpha -\beta \right )\times \left ( \alpha -\beta \right ) $$
$$ x^{3}=\left ( \alpha ^{2}-2\alpha \beta +\beta ^{2} \right )\times \left ( \alpha -\beta \right ) $$
$$ x^{3}=\alpha ^{3}-3\alpha ^{2}\beta +3\alpha \beta ^{2}-\beta ^{3} $$
Colocando 3αβ em evidência:
$$ x^{3}=\alpha ^{3}-3\alpha \beta \left ( \alpha -\beta \right )-\beta ^{3} $$
Mas x = (α – β), o que nos conduz à cúbica reduzida:
$$ x^{3}=\alpha ^{3}-\beta ^{3}-3\alpha \beta x $$
Restituindo a α e a β seus valores originais, temos:
$$ x^{3}=\left ( \sqrt[3]{a+\sqrt{b}} \right )^{3}-\left ( \sqrt[3]{a-\sqrt{b}} \right )^{3}-3\left ( \sqrt[3]{a+\sqrt{b}} \right )\left ( \sqrt[3]{a-\sqrt{b}} \right )x $$
Desenvolvendo o lado direito desta igualdade:
$$ x^{3}=a+\sqrt{b}-a+\sqrt{b}-3\left ( \sqrt[3]{a+\sqrt{b}} \right )\left ( \sqrt[3]{a-\sqrt{b}} \right )x $$
$$ x^{3}=2\sqrt{b}-3\left ( \sqrt[3]{a+\sqrt{b}} \right )\left ( \sqrt[3]{a-\sqrt{b}} \right )x $$
Rearranjando os termos:
$$ x^{3}+3\left ( \sqrt[3]{a+\sqrt{b}} \right )\left ( \sqrt[3]{a-\sqrt{b}} \right )x=2\sqrt{b} $$
O que equivale a:
$$ x^{3}+px=q $$
Onde:
$$ p=3\left ( \sqrt[3]{a+\sqrt{b}} \right )\left ( \sqrt[3]{a-\sqrt{b}} \right ) $$
E:
$$ q=2\sqrt{b} $$
Isolando a constante b da equação acima, temos:
$$ \frac{q}{2}=\sqrt{b} $$
$$ \left (\frac{q}{2} \right )^{2}=\left (\sqrt{b} \right )^{2} $$
$$ \left (\frac{q}{2} \right )^{2}=b $$
Seguindo o mesmo procedimento para isolar a constante a, vem:
$$ p=3\left ( \sqrt[3]{a+\sqrt{b}} \right )\left ( \sqrt[3]{a-\sqrt{b}} \right ) $$
$$ \frac{p}{3}=\sqrt[3]{\left (a+\sqrt{b} \right )\times \left (a-\sqrt{b} \right )} $$
$$ \left (\frac{p}{3} \right )^{3}=\left (\sqrt[3]{\left (a+\sqrt{b} \right )\times \left (a-\sqrt{b} \right )} \right )^{3} $$
$$ \left (\frac{p}{3} \right )^{3}=\left (a+\sqrt{b} \right )\times \left (a-\sqrt{b} \right ) $$
$$ \left (\frac{p}{3} \right )^{3}=a^{2}-a\sqrt{b}+a\sqrt{b}-b $$
$$ \left (\frac{p}{3} \right )^{3}=a^{2}-b $$
Como o valor de b já foi estabelecido temos que:
$$ \left (\frac{p}{3} \right )^{3}=a^{2}-\left ( \frac{q}{2} \right )^{2} $$
$$ a^{2}=\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left (\frac{p}{3} \right )^{3} $$
$$ a=\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left (\frac{p}{3} \right )^{3}} $$
Substituindo a e b na equação original:
$$ x=\sqrt[3]{a+\sqrt{b}}-\sqrt[3]{a-\sqrt{b}} $$
Resulta:
$$ x=\sqrt[3]{\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left (\frac{p}{3} \right )^{3}}+\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}}}-\sqrt[3]{\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left (\frac{p}{3} \right )^{3}}-\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}}} $$
$$ x=\sqrt[3]{\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left (\frac{p}{3} \right )^{3}}+\left ( \frac{q}{2} \right )}-\sqrt[3]{\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left (\frac{p}{3} \right )^{3}}-\left ( \frac{q}{2} \right )} $$
$$ x=\sqrt[3]{\frac{q}{2}+\sqrt{\frac{q^{2}}{4}+\frac{p^{3}}{27}}}-\sqrt[3]{-\frac{q}{2}+\sqrt{\frac{q^{2}}{4}+\frac{p^{3}}{27}}} $$
Finalmente, a fórmula tão zelosamente guardada por Del Ferro e descoberta por volta de 1.515, fica:
$$ x=\sqrt[3]{\frac{q}{2}+\sqrt{\frac{q^{2}}{4}+\frac{p^{3}}{27}}}+\sqrt[3]{\frac{q}{2}-\sqrt{\frac{q^{2}}{4}+\frac{p^{3}}{27}}} $$
Apesar da diligência de manter em sigilo a fórmula de solução da cúbica reduzida, Scipione possuía um caderno de anotações onde apontava todas as suas descobertas. Após sua morte em 1.526, esse caderno de anotações foi herdado pelo seu genro Aníbal della Nave, casado com a filha de Del Ferro, Filipa. Nave também foi um matemático formado por Scipione e, com a morte do sogro, acabou por substituí-lo na Universidade de Bolonha. Outro aluno de Scipione que teve acesso à solução da equação cúbica reduzida foi Antônio Maria del Fiore, que, ademais, não passava de um matemático irrelevante. Tal como seu mestre, não publicou a fórmula de que detinha a posse, mas resolveu usar este conhecimento secreto em um momento apropriado. De algum modo a notícia de que Tartaglia encontrara uma solução para a provocação de Zuanne da Coi com suas equações cúbicas chegou aos ouvidos de Del Fiore e este, desejoso de obter fama e prestígio entre os matemáticos, e acreditando no potencial de seu segredo, em 1.535 desafia publicamente o consagrado Tartaglia para uma disputa, que prontamente a aceita – acostumado que estava a estes embates matemáticos – principalmente porque nunca ouvira falar de Del Fiore. Os termos do desafio foram estabelecidos: cada um deveria propor a seu oponente uma lista de 30 problemas a serem encaminhados em um envelope, lacrado, a um tabelião. Uma vez de posse do envelope que lhe cabia, a cada desafiante seria dado um prazo de até 50 dias para solucionar sua lista, saindo vencedor aquele que resolvesse corretamente o maior número de problemas. Segundo certos historiadores, ao perdedor caberia pagar a conta de um banquete, a ser oferecido ao vencedor e a mais 30 de seus amigos. Por conta de sua experiência neste tipo de contenda, Tartaglia desconfiava que Del Fiore tivesse algum trunfo poderoso guardado na manga, do contrário não o teria desafiado, suspeita essa confirmada quando Tartaglia obteve a informação de que Del Fiore de fato conhecia um método de resolução para as equações cúbicas. Pressentindo que esta seria a tônica da lista de problemas de seu oponente, Tartaglia mergulhou de cabeça na tentativa de resolução das cúbicas do tipo:
$$ \left\{\begin{matrix}ax^{3}+bx=c\\ ax+b=x^{3}\end{matrix}\right. $$
no que foi plenamente coroado de êxito apenas uma semana antes da retirada dos envelopes; como já soubesse resolver as cúbicas do tipo:
$$ x^{3}+ax^{2}=b $$
aquando do desafio proposto por Zuanne da Coi, Tartaglia finalmente supunha-se bem municiado para enfrentar Del Fiore com segurança. Chega o dia 23 de Fevereiro de 1.535, data do confronto. Contando com uma grande platéia reunida para assistir à disputa, os envelopes são abertos e as suspeitas de Tartaglia ratificadas: a lista de seu oponente continha apenas problemas envolvendo equações cúbicas do tipo solucionado por seu mestre Del Ferro, do tipo:
$$ ax^{3}+bx=c $$
Já a lista de Tartaglia abordava diversos temas matemáticos e, entre as equações cúbicas, todas as formas por ele estudadas e solucionadas, para mostrar que eu tinha pouca consideração por Del Fiore e não tinha motivos para temê-lo, segundo suas próprias palavras. O resultado foi que em pouco mais de duas horas Tartaglia resolveu por completo a lista proposta por Del Fiore! Este, por sua vez, no mesmo intervalo de tempo não conseguiu resolver sequer um único problema da lista que tinha em mãos. Tartaglia completou a humilhação imposta a Del Fiore ao não aceitar deste o custeio do banquete a que tinha direito, desejando nada receber de um tão mau jogador. Depois deste triste episódio, ao pobre Del Fiore restou a obscuridade completa, e até hoje é lembrado apenas por ter pretendido obter fama e fortuna desafiando alguém muito mais competente que ele próprio... O último desdobramento desta história peculiar tem como personagem principal o matemático italiano Girolamo Cardano (1.501 – 1.576), também conhecido por sua alcunha latina Hieronymus Cardanus ou ainda Jérôme Cardan, em francês.
O matemático italiano Gerolamo Cardano. |
À esquerda: cadeado de combinação.À direita: o eixo cardan com juntas universais. |
Acima: eixo cardan com juntas universais conectado entre o motor e o eixo traseiro do carro. |
Filho ilegítimo do advogado Fazio Cardano – que por sua vez
era amigo de Leonardo Da Vinci e a quem chegou a prestar auxílio em questões
sobre geometria, tal era a sua experiência em matemática – com a jovem viúva
Chiara Micheria. Além de sua prática jurídica, Fazio lecionava geometria, tanto
na Universidade da Pávia quanto, por um período mais prolongado, na fundação
Piatti em Milão. Com cerca de cinquenta anos, Fazio veio a conhecer Chiara
Micheria, que era uma jovem viúva na faixa dos trinta, lutando para criar seus três
filhos. Deste relacionamento, Chiara fica grávida de Girolamo, mas, antes de
dar à luz, a peste bubônica atinge Milão e Chiara é persuadida a deixar a
cidade para a segurança relativa da vizinha Pávia, junto aos ricos amigos de
Fazio, onde Girolamo viria a nascer. Entretanto, a alegria de sua mãe dura
pouco, quando pouco depois recebe a notícia de que seus três primeiros filhos haviam
morrido em Milão, atingidos pela peste. Chiara morou afastada de Fazio por longos
anos, porém, mais tarde na vida, vieram a se casar. Depois de uma infância
deprimente, adoecendo com frequência e enfrentando a áspera educação de seu pai
dominador, finalmente em 1.520 Cardano entra para a Universidade de Pávia atraído
pela filosofia e ciências, contra o desejo de seu pai, que o queria estudando
direito. No entanto, durante a guerra italiana de 1.521-1.526, as autoridades de
Pávia foram obrigadas a fechar a universidade em 1.524. Cardano retomou seus
estudos na Universidade de Pádua, formando-se em medicina em 1.525. Pouco tempo
depois de sua mudança para Pádua seu pai falece, mas nesse interregno estava em
plena campanha para o cargo de reitor. Apesar de aluno brilhante, era franco e
deveras crítico, chegando ele mesmo a afirmar:
Isto reconheço eu como único e notável entre as
minhas falhas: o hábito, no qual persisto, de preferir dizer, acima de tudo, o
que sei que desagradará aos ouvidos dos meus ouvintes. Estou ciente disso,
contudo mantenho-o deliberadamente, de modo algum ignorante de quantos inimigos
faço para mim.
Nestas circunstâncias, e a conselho de um amigo, dirige-se a
Sacco, uma pequena aldeia a 15 km de Pádua, iniciando uma não muito bem
sucedida carreira médica. No final de 1.531 Cardano casa-se com Lucia
Bandarini, filha de seu vizinho Aldobello Bandarini, um capitão da milícia
local. Antes da morte da esposa, em 1.546, ganham três filhos: Giovanni
Battista (1.534), Chiara (1.537) e Aldo (1.543); Cardano posteriormente
escreveu que estes foram os anos mais felizes de sua vida. O ofício de médico
em Sacco, todavia, não lhe proporcionava renda suficiente para sustentar uma
esposa, de modo que, em abril de 1.532, mudam-se para Gallarate, perto de Milão.
Novamente candidata-se ao Colégio de Médicos, e novamente tem seu pleito
rejeitado. Incapaz de praticar a medicina em Gallarate, Cardano volta a jogar numa
tentativa de ganhar dinheiro para pagar suas contas, mas as coisas correm tão
mal que se vê forçado a penhorar as jóias de sua esposa e até mesmo parte da
mobília. Buscando desesperadamente uma mudança de rumo, os Cardano mudam-se
para Milão em 1.533, mas uma vez aqui a situação piora ainda mais, forçando-os a
entrar ignominiosamente na pobreza. Mas então a sorte decide enfim sorrir ao
desafortunado matemático quando lhe é oferecido o antigo posto de professor de
matemática que pertencia a seu pai, Fazio, na fundação Piatti em Milão, dando-lhe
tempo livre que foi logo aproveitado para tratar de alguns pacientes, apesar de
não ser um membro do Colégio dos Médicos. Quis o destino que Cardano alcançasse
algumas curas quase milagrosas e sua crescente reputação como médico o levou a
ser consultado às ocultas até mesmo por membros do Colégio dos Médicos. Seus pacientes,
curados e agradecidos, bem como seus familiares, tornaram-se seus adeptos fervorosos
e, desta forma, Cardano constrói uma base influente de patrocinadores. Apesar
do êxito logrado, ele ainda estava furioso com a sua contínua exclusão do
Colégio e, em 1.536, publica de forma precipitada um livro atacando não só a
habilidade médica, mas o caráter dos membros dessa instituição:
As coisas que mais reputação
imprimem a um médico hoje em dia são os seus modos, serviçais, carruagens,
roupas, esperteza e perspicácia, todos exibidos de uma maneira artificial e
insípida...
Vista moderna da Galeria Vittorio Emanuele II, tradicional ponto turístico de Milão. |
Mas Cardano entra em contato com Vicente Ferrari solicitando
que lhe mande de volta o rebento para retomar o emprego como criado. Vicente,
entretanto, vê neste retorno do filho rebelde uma oportunidade de mantê-lo por
perto, e joga a responsabilidade do emprego nas costas do sobrinho. Assim, em
30 de Novembro de 1.536, contando apenas catorze anos, Ludovico chega à casa de
Cardano para substituir o primo como criado da casa. O patrão, depois de descobrir
que o menino sabia ler e escrever, escusa-o do serviço de criadagem para
torná-lo seu secretário. Em pouco tempo constata que o jovem rapaz tem uma
mente excepcional e decide ensinar-lhe matemática. Ferrari recompensou o seu
mestre auxiliando-o em seus manuscritos e, quando contava apenas 18 anos,
começou a lecionar. Em 1.541 Cardano declina gentilmente de sua posição na fundação
Piatti de Milão, recomendando em seu lugar o jovem pupilo, que facilmente
derrota em um debate o único rival para o posto, ninguém menos que o nosso já
conhecido Zuanne da Coi! Deste modo, contando apenas vinte anos, Ferrari
torna-se um conferencista público em geometria pela fundação. Um dos livros em
que Ferrari prestou auxílio ao patrão e tutor foi o Pratica Arithmeticæ et mensurandi singularis, de 1.539. Durante a
elaboração desta obra, Cardano estudou o Summa
de arithmetica e leu os comentários de Luca Pacioli quanto à
impossibilidade de solução das cúbicas; também, por muitos anos, tentou
descobrir uma fórmula geral que as solucionasse, sem sucesso. Porém, no mesmo
ano da publicação desta obra, Cardano tomou conhecimento da vitória retumbante na
contenda de Tartaglia sobre Del Fiore envolvendo a resolução de equações
cúbicas, ocorrida quatro anos antes, e ensaia uma aproximação com o matemático
gago ao enviar o livreiro Zuan Antonio de Bassaro, seu preposto, para solicitar
a Tartaglia que fornecesse o seu método de solução, pois que as fórmulas poderiam
ser incluídas em um livro que estava para ser publicado em breve. Tartaglia recusou
a proposta, informando que publicaria suas fórmulas em um livro de sua própria
autoria. Cardano não desiste e escreve muitas e muitas vezes a Tartaglia,
implorando para que revele seu segredo e, em todas, seu pedido é recusado.
Mudando de estratégia, Cardano convida Tartaglia à sua residência com a
promessa de apresentá-lo ao vice-rei e comandante-em-chefe espanhol em Milão,
Alfonso D’Avalos, ciente que estava dos recentes progressos de Tartaglia nos
estudos de balística com a publicação de seu livro Nova Scientia. Este contato soava tentador, pois poderia fornecer
uma boa renda caso o vice-rei contratasse Tartaglia para prestar serviços
relacionados à artilharia. O ardil funcionou e após aceitar o convite, em 25 de
Março de 1.539 Tartaglia chega em Milão para hospedar-se na residência de
Cardano, cuja promessa de apresentar o vice-rei mostra-se falaciosa. Para compensar
o embuste, Cardano recebe Tartaglia com toda a hospitalidade e fidalguia possíveis,
sem desistir de seu intento, solicitando ainda uma vez mais que o segredo de
solução das cúbicas fosse revelado. Tartaglia, talvez lisonjeado com o
tratamento recebido, enfim cede e aceita revelar sua fórmula, porém apenas
mediante solene juramento, exigindo que Cardano jamais revelasse o método a
ninguém, nem o publicasse. Girolamo assente a contragosto, proferindo o
seguinte juramento:
Juro a você, pelas Sagradas Escrituras
de Deus, e como verdadeiro homem honrado, não apenas jamais publicar suas
descobertas se você me ensiná-las, como também prometo, e empenho minha fé como
verdadeiro cristão, anotá-las em código, de forma que, após a minha morte,
ninguém será capaz de entendê-las.
Não obstante, Tartaglia envia a resposta encriptada na forma
de um poema, cujos versos (no original, em italiano) são os seguintes:
Quando che'l cubo con le cose appresso
se agguaglia a qualche numero discreto
trovan dui
altri differenti in esso.
Da poi terrai questo per consueto
che il loro prodotto sempre sia eguale
al terzo cubo delle cose netto,
El residuo poi suo generale
delli lor
lati cubi ben sottratti
varrà la tua cosa principale.
In el secondo dei codesti atti
quando che'l cubo restasse lui solo
tu osserverai quant'altri contratti.
Del numero farai due tal partà volo
che l'una in
l'altra si produca schietto
el terzo cubo
delle cose in stolo.
Dalla quale
poi, per commun precetto
torra li lati cubi insieme gionti
et cotal somma sarà il tuo concetto.
El terzo poi de questi nostri conti
se solve col secondo se ben guardi
che per natura son quasi congianti.
Questi trovai, et non con passi tardi
nel mille cinqucente, quatro e trenta
con fondamenti ben saldi e gagliardi
Nella città dal mare intorno centa.
Quando o cubo e a coisa juntos
|
|
correspondem a algum número discreto,
|
$$ x^{3}+px=q $$ |
encontre outros dois números subtraídos dele.
|
$$ u-v=q $$ |
Desde então, tenho mantido este costume
|
|
que o seu produto sempre deve ser igual
|
|
exatamente ao cubo de um terço da coisa.
|
$$ uv=\left ( \frac{p}{q} \right )^{3} $$ |
O resto, assim, como regra geral
|
|
de suas raízes cúbicas subtraídas
|
|
será igual à coisa principal.
|
$$ x=\sqrt[3]{u}-\sqrt[3]{v} $$ |
No segundo destes atos,
|
|
quando o cubo permanece sozinho
|
$$ x^{3}=px+q $$ |
observarás estes outros contratos:
|
|
Dividirás a um só tempo o número em duas partes
|
$$ q=u+v $$ |
de modo que um vezes o outro produza claramente
|
|
o cubo de um terço da coisa exatamente.
|
$$ uv=\frac{p^{3}}{3} $$ |
Então, destas duas partes, como regra habitual
|
|
tomarás as raízes cúbicas somadas entre si
|
|
e esta soma será sua reflexão.
|
$$ x=\sqrt[3]{u}+\sqrt[3]{v} $$ |
O terceiro destes cálculos
|
$$ x^{3}+q=px $$ |
é solucionado como no segundo se tomares bom cuidado,
|
|
pois em suas essências, estão quase equiparados.
|
|
Estas coisas encontrei, e não com passos vagarosos
|
|
no ano de mil quinhentos e trinta e quatro
|
|
com fundações fortes e resistentes
|
|
na cidade cercada pelo mar.
|
[Veneza]
|
Nas primeiras sete estrofes do poema, Tartaglia apresenta as soluções codificadas para as cúbicas do tipo:
$$ \left\{\begin{matrix}x^{3}+px=q\\ x^{3}=px+q\\ x^{3}+q=px\end{matrix}\right. $$
Fato é que Cardano consegue decifrar o poema de Tartaglia, ainda que tenha implorado, através de uma carta, que Tartaglia lhe explicasse como montar a equação com base no sexto e no décimo quinto versos que contêm, ambos, instruções dúbias. A solução encontrada por Cardano inicia-se com a equação cúbica geral abaixo:
$$ x^{3}+ax^{2}+bx+c=0 $$
Novamente, a, b e c são reais. A seguir, ele efetua a seguinte substituição:
$$ x=y-\frac{a}{3} $$
Com y a ser determinado, resultando na expressão abaixo:
$$ \left (y-\frac{a}{3} \right )^{3}+a\left (y-\frac{a}{3} \right )^{2}+b\left (y-\frac{a}{3} \right )+c=0 $$
Expandindo o polinômio:
$$ \left ( y^{3}-3y^{2}\frac{a}{3}+3y\frac{a^{2}}{9}-\frac{a^{3}}{27} \right )+a\left ( y^{2}-2y\frac{a}{3}+\frac{a^{2}}{9} \right )+b\left ( y-\frac{a}{3} \right )+c=0 $$
$$ \left ( y^{3}-y^{2}a+y\frac{a^{2}}{3}-\frac{a^{3}}{27} \right )+\left ( y^{2}a-2y\frac{a^{2}}{3}+\frac{a^{3}}{9} \right )+\left ( yb-b\frac{a}{3} \right )+c=0 $$
Agrupando os termos comuns:
$$ y^{3}+\left ( a-a \right )y^{2}+\left ( \frac{a^{2}}{3}-\frac{2a^{2}}{3}+b \right )y+\left ( \frac{a^{3}}{9}-\frac{a^{3}}{27}-\frac{ba}{3}+c \right )=0 $$
$$ y^{3}+\left ( -\frac{a^{2}}{3}+b \right )y=\left ( -\frac{2a^{3}}{27}+\frac{ba}{3}-c \right ) $$
Renomeando o segundo termo para:
$$ \left ( -\frac{a^{2}}{3}+b \right )=p $$
E renomeando o terceiro termo para:
$$ \left ( -\frac{2a^{3}}{27}+\frac{ba}{3}-c \right )=q $$
A equação cúbica geral fica reduzida a:
$$ y^{3}+py=q $$
Com a cúbica reduzida em mãos, Cardano lança mão de um cálculo volumétrico, agrupando cubos e paralelepípedos reais, certamente guiado pela prática árabe da “completude do quadrado” de Khwarizmi e pela “completude do cubo” de Khayyam; neste caso, u e v compõem os lados de um cubo completo:
Observe:
·
|
Volume do cubo rosa:
|
$$ v^{3} $$ |
·
|
Volume do cubo verde:
|
$$ \left ( u-v \right )^{3} $$ |
·
|
Volume do paralelepípedo incolor:
|
$$ uv\left ( u-v \right ) $$ |
·
|
Volume do paralelepípedo azul:
|
$$ uv\left ( u-v \right ) $$ |
·
|
Volume do paralelepípedo amarelo:
|
$$ v^{2}\left ( u-v \right ) $$ |
·
|
Volume do paralelepípedo vermelho:
|
$$ v\left ( u-v \right )^{2} $$ |
$$ u^{3}=v^{3}+\left ( u-v \right )^{3}+uv\left ( u-v \right )+uv\left ( u-v \right )+v^{2}\left ( u-v \right )+v\left ( u-v \right )^{2} $$
Resolvendo:
$$ u^{3}-v^{3}=\left ( u-v \right )^{3}+2uv\left ( u-v \right )+uv^{2}-v^{3}+v\left ( u^{2}-2uv+v^{2} \right ) $$
$$ u^{3}-v^{3}=\left ( u-v \right )^{3}+2u^{2}v-2uv^{2}+uv^{2}-v^{3}+u^{2}v-2uv^{2}+v^{3} $$
$$ u^{3}-v^{3}=\left ( u-v \right )^{3}+3u^{2}v-3uv^{2} $$
$$ u^{3}-v^{3}+3uv\left ( u-v \right )-\left ( u^{3}-v^{3} \right )=0 $$
Fazendo:
$$ y=u-v $$
A expressão cúbica anterior transforma-se em:
$$ y^{3}+3uvy-\left ( u^{3}-v^{3} \right )=0 $$
Novamente temos uma cúbica reduzida, ou seja, u – v é uma solução para:
$$ y^{3}+py+q=0 $$
Assim, fazendo:
$$ p=3uv $$
E:
$$ q=-\left ( u^{3}-v^{3} \right ) $$
Isolando-se v de p, vem:
$$ v=\frac{p}{3u} $$
Substituindo-se v em p na expressão com q:
$$ q=-u^{3}+\frac{p^{3}}{27u^{3}} $$
Multiplicando-se esta expressão por u3, vem:
$$ u^{3}q=-u^{6}+\frac{p^{3}}{27} $$
$$ u^{6}+u^{3}q-\frac{p^{3}}{27}=0 $$
Podendo ser reescrita como:
$$ \left ( u^{3} \right )^{2}+\left ( u^{3} \right )q-\frac{p^{3}}{27}=0 $$
Que é quadrática em u3, cuja solução é conhecida:
$$ u^{3}=\frac{q\pm \sqrt{q^{2}-4\times 1\times -\frac{p^{3}}{27}}}{2} $$
Simplificando a expressão acima, obtemos duas raízes:
$$ u_{1}^{3}=\frac{q}{2}+\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{2}} $$
$$ u_{2}^{3}=\frac{q}{2}-\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{2}} $$
Extraindo-se as raízes cúbicas:
$$ u_{1}=\sqrt[3]{\frac{q}{2}+\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{2}}} $$
$$ u_{2}=\sqrt[3]{\frac{q}{2}-\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{2}}} $$
Para encontrar o valor de v3, temos:
$$ q=\left ( u^{3}-v^{3} \right ) $$
$$ v^{3}=u^{3}-q $$
Encontrando-se, também, duas soluções:
$$ v_{1}^{3}=\frac{q}{2}-\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}-\left ( \frac{p}{3} \right )^{2}}-q=-\frac{q}{2}+\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}-\left ( \frac{p}{3} \right )^{2}} $$
$$ v_{2}^{3}=\frac{q}{2}-\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{3}}-q=-\frac{q}{2}-\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{3}} $$
Extraindo-se as raízes cúbicas:
$$ v_{1}=\sqrt[3]{-\frac{q}{2}+\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{3}}} $$
$$ v_{2}=\sqrt[3]{-\frac{q}{2}-\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{3}}} $$
Assim, as soluções da cúbica reduzida serão:
$$ y=u_{1}-v_{1} $$
$$ v_{2}=\sqrt[3]{\frac{q}{2}+\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{3}}}-\sqrt[3]{-\frac{q}{2}+\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{3}}} $$
Ou ainda:
$$ y=u_{2}-v_{2} $$
$$ v_{2}=\sqrt[3]{\frac{q}{2}-\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{3}}}-\sqrt[3]{-\frac{q}{2}-\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{3}}} $$
A segunda solução gera números negativos, de modo que Cardano aceitava apenas a primeira solução como resposta de uma cúbica. Vejamos um exemplo de como utilizar esta fórmula, baseada nos versos de Tartaglia, através da equação cúbica abaixo:
$$ x^{3}+6x=20 $$
Como esta expressão já é uma cúbica reduzida, onde p = 6 e q = 20, bastará aplicar a primeira solução da cúbica, ou fórmula de Cardano para encontrar a raiz cúbica da equação:
$$ x=\sqrt[3]{\frac{20}{2}+\sqrt{\left ( \frac{20}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{6}{3} \right )^{3}}}-\sqrt[3]{-\frac{20}{2}+\sqrt{\left ( \frac{20}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{6}{3} \right )^{3}}} $$
$$ x=\sqrt[3]{10+\sqrt{\left ( 10 \right )^{2}+\left ( 2 \right )^{3}}}-\sqrt[3]{-10+\sqrt{\left ( 10 \right )^{2}+\left ( 2 \right )^{3}}} $$
$$ x=\sqrt[3]{10+\sqrt{108}}-\sqrt[3]{-10+\sqrt{108}} $$
Finalmente, chega-se ao resultado:
$$ x=\sqrt[3]{10+6\sqrt{3}}-\sqrt[3]{-10+6\sqrt{3}} $$
Se calcularmos as raízes quadradas e cúbicas da resposta acima, chegaremos à conclusão de que x vale rigorosamente 2, algo que Cardano também observou, mas não foi capaz de provar. Outra situação com que ele se defronta é que sua fórmula às vezes gerava raízes quadradas de números negativos, algo insolúvel e sem significado naquela época. Uma das equações estudadas pelo matemático que conduz a esse resultado está indicada abaixo:
$$ x^{3}-15x=4 $$
Onde p = –15 e q = 4. Aplicando a fórmula, obtemos:
$$ x=\sqrt[3]{\frac{4}{2}+\sqrt{\left ( \frac{4}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{-15}{3} \right )^{3}}}-\sqrt[3]{-\frac{4}{2}+\sqrt{\left ( \frac{4}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{-15}{3} \right )^{3}}} $$
$$ x=\sqrt[3]{2+\sqrt{\left ( 2 \right )^{2}+\left ( -5 \right )^{3}}}-\sqrt[3]{-2+\sqrt{\left ( 2 \right )^{2}+\left ( -5 \right )^{3}}} $$
$$ x=\sqrt[3]{2+\sqrt{-121}}-\sqrt[3]{-2+\sqrt{-121}} $$
$$ u^{3}-v^{3}=\left ( u-v \right )^{3}+2uv\left ( u-v \right )+uv^{2}-v^{3}+v\left ( u^{2}-2uv+v^{2} \right ) $$
$$ u^{3}-v^{3}=\left ( u-v \right )^{3}+2u^{2}v-2uv^{2}+uv^{2}-v^{3}+u^{2}v-2uv^{2}+v^{3} $$
$$ u^{3}-v^{3}=\left ( u-v \right )^{3}+3u^{2}v-3uv^{2} $$
$$ u^{3}-v^{3}+3uv\left ( u-v \right )-\left ( u^{3}-v^{3} \right )=0 $$
Fazendo:
$$ y=u-v $$
A expressão cúbica anterior transforma-se em:
$$ y^{3}+3uvy-\left ( u^{3}-v^{3} \right )=0 $$
Novamente temos uma cúbica reduzida, ou seja, u – v é uma solução para:
$$ y^{3}+py+q=0 $$
Assim, fazendo:
$$ p=3uv $$
E:
$$ q=-\left ( u^{3}-v^{3} \right ) $$
Isolando-se v de p, vem:
$$ v=\frac{p}{3u} $$
Substituindo-se v em p na expressão com q:
$$ q=-u^{3}+\frac{p^{3}}{27u^{3}} $$
Multiplicando-se esta expressão por u3, vem:
$$ u^{3}q=-u^{6}+\frac{p^{3}}{27} $$
$$ u^{6}+u^{3}q-\frac{p^{3}}{27}=0 $$
Podendo ser reescrita como:
$$ \left ( u^{3} \right )^{2}+\left ( u^{3} \right )q-\frac{p^{3}}{27}=0 $$
Que é quadrática em u3, cuja solução é conhecida:
$$ u^{3}=\frac{q\pm \sqrt{q^{2}-4\times 1\times -\frac{p^{3}}{27}}}{2} $$
Simplificando a expressão acima, obtemos duas raízes:
$$ u_{1}^{3}=\frac{q}{2}+\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{2}} $$
$$ u_{2}^{3}=\frac{q}{2}-\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{2}} $$
Extraindo-se as raízes cúbicas:
$$ u_{1}=\sqrt[3]{\frac{q}{2}+\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{2}}} $$
$$ u_{2}=\sqrt[3]{\frac{q}{2}-\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{2}}} $$
Para encontrar o valor de v3, temos:
$$ q=\left ( u^{3}-v^{3} \right ) $$
$$ v^{3}=u^{3}-q $$
Encontrando-se, também, duas soluções:
$$ v_{1}^{3}=\frac{q}{2}-\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}-\left ( \frac{p}{3} \right )^{2}}-q=-\frac{q}{2}+\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}-\left ( \frac{p}{3} \right )^{2}} $$
$$ v_{2}^{3}=\frac{q}{2}-\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{3}}-q=-\frac{q}{2}-\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{3}} $$
Extraindo-se as raízes cúbicas:
$$ v_{1}=\sqrt[3]{-\frac{q}{2}+\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{3}}} $$
$$ v_{2}=\sqrt[3]{-\frac{q}{2}-\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{3}}} $$
Assim, as soluções da cúbica reduzida serão:
$$ y=u_{1}-v_{1} $$
$$ v_{2}=\sqrt[3]{\frac{q}{2}+\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{3}}}-\sqrt[3]{-\frac{q}{2}+\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{3}}} $$
Ou ainda:
$$ y=u_{2}-v_{2} $$
$$ v_{2}=\sqrt[3]{\frac{q}{2}-\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{3}}}-\sqrt[3]{-\frac{q}{2}-\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{3}}} $$
A segunda solução gera números negativos, de modo que Cardano aceitava apenas a primeira solução como resposta de uma cúbica. Vejamos um exemplo de como utilizar esta fórmula, baseada nos versos de Tartaglia, através da equação cúbica abaixo:
$$ x^{3}+6x=20 $$
Como esta expressão já é uma cúbica reduzida, onde p = 6 e q = 20, bastará aplicar a primeira solução da cúbica, ou fórmula de Cardano para encontrar a raiz cúbica da equação:
$$ x=\sqrt[3]{\frac{20}{2}+\sqrt{\left ( \frac{20}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{6}{3} \right )^{3}}}-\sqrt[3]{-\frac{20}{2}+\sqrt{\left ( \frac{20}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{6}{3} \right )^{3}}} $$
$$ x=\sqrt[3]{10+\sqrt{\left ( 10 \right )^{2}+\left ( 2 \right )^{3}}}-\sqrt[3]{-10+\sqrt{\left ( 10 \right )^{2}+\left ( 2 \right )^{3}}} $$
$$ x=\sqrt[3]{10+\sqrt{108}}-\sqrt[3]{-10+\sqrt{108}} $$
Finalmente, chega-se ao resultado:
$$ x=\sqrt[3]{10+6\sqrt{3}}-\sqrt[3]{-10+6\sqrt{3}} $$
Se calcularmos as raízes quadradas e cúbicas da resposta acima, chegaremos à conclusão de que x vale rigorosamente 2, algo que Cardano também observou, mas não foi capaz de provar. Outra situação com que ele se defronta é que sua fórmula às vezes gerava raízes quadradas de números negativos, algo insolúvel e sem significado naquela época. Uma das equações estudadas pelo matemático que conduz a esse resultado está indicada abaixo:
$$ x^{3}-15x=4 $$
Onde p = –15 e q = 4. Aplicando a fórmula, obtemos:
$$ x=\sqrt[3]{\frac{4}{2}+\sqrt{\left ( \frac{4}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{-15}{3} \right )^{3}}}-\sqrt[3]{-\frac{4}{2}+\sqrt{\left ( \frac{4}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{-15}{3} \right )^{3}}} $$
$$ x=\sqrt[3]{2+\sqrt{\left ( 2 \right )^{2}+\left ( -5 \right )^{3}}}-\sqrt[3]{-2+\sqrt{\left ( 2 \right )^{2}+\left ( -5 \right )^{3}}} $$
$$ x=\sqrt[3]{2+\sqrt{-121}}-\sqrt[3]{-2+\sqrt{-121}} $$
Por conta destes resultados com raízes quadradas negativas, em 4 de Agosto de 1.539 Cardano escreve
outra carta a Tartaglia que começa com o seguinte teor:
Venho por meio desta questioná-lo,
após a solução de vários problemas para os quais não me destes nenhuma
resposta, um dos quais diz respeito ao cubo igual a uma incógnita mais um
número. Tenho a certeza de que compreendi esta regra, mas quando o cubo de um
terço da incógnita é maior em valor que o quadrado da metade do número, então,
ao que parece, não consigo ajustá-los à fórmula.
Tartaglia tampouco conhecia os números complexos e a esta altura encontrava-se já muito
arrependido por ter ensinado sua fórmula a Cardano, de modo que tentou
confundí-lo nestes termos:
... e por isso digo-te em resposta
que ainda não dominastes o verdadeiro método para solucionar problemas deste
tipo, e de fato diria que teus métodos são totalmente falsos.
Mesmo com as tentativas de Tartaglia de confundir Cardano e
Ferrari, a verdade é que essa dupla fez progressos notáveis e tiveram até uma
ajudinha do pertinaz Zuanne Tonini da Coi quando este, em 1.540, importuna
Cardano propondo-lhe o seguinte problema (que até então ninguém havia
solucionado, e do qual – julgavam os matemáticos – fosse insolúvel):
Encontre-me três números, em
proporção contínua, dos quais a soma seja dez e o produto do segundo pelo terceiro
seja seis.
Este problema colocado em termos matemáticos:
$$ \left\{\begin{matrix}\frac{x}{z}=\frac{z}{y}\\ x+y+z=10\\ y\times z=6\end{matrix}\right. $$
E desenvolvido, conduz à problemática equação quártica:
$$ y^{4}+6y^{2}+36=60y $$
Depois de desistir de encontrar uma solução, Cardano entrega
o problema a Ferrari, que em 1.540, de forma brilhante, com um belo argumento
algébrico e utilizando radicais, descobre a solução
geral das equações quárticas. A
abordagem utilizada por Ferrari é indicada a seguir. Do mesmo modo que para equações quadráticas e cúbicas, uma equação quártica geral qualquer:
$$ ax^{4}+bx^{3}+cx^{2}+dx+e=0 $$
Poderá ser simplificada, de modo a eliminar o seu termo cúbico (ou seja, o x3), gerando uma nova equação quártica reduzida. Sendo a, b, c, d
e e reais, com a diferente de zero e fazendo:
$$ x=y+z $$
Com z a ser
determinado, substituindo na quártica
geral, vem:
$$ a\left ( y+z \right )^{4}+b\left ( y+z \right )^{3}+c\left ( y+z \right )^{2}+d\left ( y+z \right )+e=0 $$
Expandindo os polinômios, temos:
$$ \left ( y+z \right )^{4}=\left ( y^{4}+4y^{3}z+6y^{2}z^{2}+4yz^{3}+z^{4} \right ) $$
$$ \left ( y+z \right )^{3}=\left ( y^{3}+3y^{2}z+3yz^{2}+z^{3} \right ) $$
$$ \left ( y+z \right )^{2}=\left ( y^{2}+2yz+z^{2} \right ) $$
Multiplicando pelas respectivas constantes:
$$ a\left ( y^{4}+4y^{3}z+6y^{2}z^{2}+4yz^{3}+z^{4} \right )=ay^{4}+4ay^{3}z+6ay^{2}z^{2}+4ayz^{3}+az^{4} $$
$$ b\left ( y^{3}+3y^{2}z+3yz^{2}+z^{3} \right )=by^{3}+3by^{2}z+3byz^{2}+bz^{3} $$
$$ c\left ( y^{2}+2yz+z^{2} \right )=cy^{2}+2cyz+cz^{2} $$
$$ d\left ( x+y \right )=dx+dy $$
Agrupando os termos comuns:
$$ ay^{4} $$
$$ \left ( 4az+b \right )y^{3} $$
$$ \left ( 6az^{2}+3bz+c \right )y^{2} $$
$$ \left ( 4az^{3}+3bz^{2}+2cz+d \right )y $$
$$ \left ( az^{4}+bz^{3}+cz^{2}+dz+e \right ) $$
Impondo que:
$$ \left ( 4az+b \right )=0 $$
Isolando z desta
equação resulta:
$$ z=\frac{-b}{4a} $$
O primeiro par de parênteses do polinômio expandido (que
está sendo multiplicado por y3)
é nulo. A substituição do valor de z
no segundo par de parênteses da equação com os termos comuns agrupados fornece:
$$ \left ( 6az^{2}+3bz+c \right ) $$
$$ \left ( 6a\left ( \frac{-b}{4a} \right )^{2}+3b\left ( \frac{-b}{4a} \right )+c \right ) $$
$$ \left ( 6a\frac{b^{2}}{16a^{2}}-\frac{3b^{2}}{4a}+c \right ) $$
$$ \left ( \frac{3b^{2}}{8a}-\frac{3b^{2}}{4a}+c \right ) $$
$$ \left ( \frac{-3b^{2}}{8a}+c \right ) $$
E a substituição do valor de z no terceiro par de parênteses da equação com os termos comuns
agrupados fornece:
$$ \left ( 4az^{3}+3bz^{2}+2cz+d \right ) $$
$$ 4a\left ( \frac{-b}{4a} \right )^{3}+3b\left ( \frac{-b}{4a} \right )^{2}+2c\left ( \frac{-b}{4a} \right )+d $$
$$ 4a\left ( \frac{-b^{3}}{64a^{3}} \right )+3b\left ( \frac{b^{2}}{16a^{2}} \right )+2c\left ( \frac{-b}{4a} \right )+d $$
$$ \left ( \frac{-b^{3}}{16a^{2}} \right )+\left ( \frac{3b^{3}}{16a^{2}} \right )-2c\left ( \frac{b}{4a} \right )+d $$
$$ \left ( \frac{-b^{3}}{16a^{2}}+\frac{3b^{3}}{16a^{2}} \right )-2c\left ( \frac{b}{4a} \right )+d $$
$$ \left ( \frac{2b^{3}}{16a^{2}}-\frac{cb}{2a}+d \right ) $$
Assim, a equação quártica
fica modificada conforme abaixo:
$$ ay^{4}+\left ( \frac{-3b^{2}}{8a}+c \right )y^{2}+\left ( \frac{2b^{3}}{16a^{2}}-\frac{cb}{2a}+d \right )y+\left ( az^{4}+bz^{3}+cz^{2}+dz+e \right )=0 $$
Por fim, multiplicando toda a equação por 1/a resulta:
$$ y^{4}+\left ( \frac{-3b^{2}}{8a^{2}}+\frac{c}{a} \right )y^{2}+\left ( \frac{2b^{3}}{16a^{3}}-\frac{cb}{2a^{2}}+\frac{d}{a} \right )y+\left ( z^{4}+\frac{bz^{3}}{a}+\frac{cz^{2}}{a}+\frac{dz}{a}+\frac{e}{a} \right )=0 $$
Renomeando o segundo termo para:
$$ \left ( \frac{-3b^{2}}{8a^{2}}+\frac{c}{a} \right )=p $$
Renomeando o terceiro termo para:
$$ \left ( \frac{2b^{3}}{16a^{3}}-\frac{cb}{2a^{2}}+\frac{d}{a} \right )=q $$
E renomeando o quarto termo para:
$$ \left (z^{4}+\frac{bz^{3}}{a}+\frac{cz^{2}}{a}+\frac{dz}{a}+\frac{e}{a} \right )=r $$
A equação quártica
geral fica reduzida a:
$$ y^{4}+py^{2}+qy+r=0 $$
Para resolver esta quártica
reduzida, Ferrari a reescreveu como:
$$ y^{4}+py^{2}=-qy-r $$
Em seguida, ele somou py2
+ p2 em ambos os lados da equação para obter, do lado esquerdo,
um binômio quadrado perfeito:
$$ y^{4}+py^{2}+py{2}+p^{2}=-qy-r+py^{2}+p^{2} $$
$$ y^{4}+2py^{2}+p^{2}=py^{2}-qy+p^{2}-r $$
$$ \left (y^{2}+p \right )^{2}=py^{2}-qy+p^{2}-r $$
O toque de genialidade de Ferrari começa quando introduz uma
nova variável, t, a ser determinada
posteriormente, somando-a dentro do binômio
quadrado perfeito:
$$ \left (y^{2}+p+t \right )^{2}=py^{2}-qy+p^{2}-r $$
Expandindo o agora trinômio,
temos:
$$ \left (y^{2}+p+t \right )^{2}=\left (y^{2}+p+t \right )\times \left (y^{2}+p+t \right ) $$
$$ y^{4}+2py^{2}+p^{2}+2y^{2}t+2pt+t^{2} $$
Mas observe que após esta operação, temos novamente entre
parênteses os termos do binômio quadrado
perfeito:
$$ \left (y^{4}+2py^{2}+p^{2} \right )+2y^{2}t+2pt+t^{2} $$
$$ \left (y^{2}+p \right )^{2}+2y^{2}t+2pt+t^{2} $$
Ou seja: somar t
dentro do binômio teria sido o mesmo
que somar ao binômio (y2 + p) 2 a
expressão:
$$ 2y^{2}t+2pt+t^{2} $$
Logo, para manter a igualdade, a expressão acima será somada
no lado direito da equação:
$$ \left ( y^{2}+p+t \right )^{2}=\left ( py^{2}-qy+p^{2}-r \right )+2y^{2}t+2pt+t^{2} $$
Agrupando os termos do lado direito da equação, obtém-se:
$$ \left ( y^{2}+p+t \right )^{2}=\left ( p+2t \right )y^{2}-qy+\left ( p^{2}-r+2pt+t^{2} \right ) $$
O desafio passa a ser a busca de um valor para t de modo que o lado direito da equação
também forme um binômio quadrado perfeito,
uma vez que, agora, já conseguimos formar desse lado uma equação quadrática. Para isso, a equação quadrática do lado direito da igualdade tem que assumir a
forma do binômio abaixo:
$$ \left [ \left ( \sqrt{p+2t} \right )y\pm \sqrt{p^{2}-r+2pt+t^{2}} \right ]^{2} $$
A razão é simples. Ao expandirmos esse binômio, chega-se a:
$$ \left ( p+2t \right )y^{2}\pm \left ( 2\sqrt{p+2t}\sqrt{p^{2}-r+2pt+t^{2}} \right )y+\left ( p^{2}-r+2pt+t^{2} \right ) $$
Observe: o termo –q,
que aparentemente havia desaparecido do binômio,
na verdade equivale a:
$$ -q=\pm \left ( 2\sqrt{p+2t}\sqrt{p^{2}-r+2pt+t^{2}} \right ) $$
Elevando esta expressão ao quadrado:
$$ q^{2}=4\left ( p+2t \right )\left ( p^{2}-r+2pt+t^{2} \right ) $$ |
[7]
|
Expandindo e reagrupando em função de t, temos:
$$ 8t^{3}+20pt^{2}+\left ( 16p^{2}-8r \right )t+\left ( 4p^{3}-4pr-q^{2} \right )=0 $$
Chegamos a uma expressão
cúbica geral em t. De fato, fora
comentado que o valor de t seria
determinado posteriormente: este é o momento. Reduzindo a cúbica geral e utilizando a expressão de Cardano, Ferrari encontra
o valor de t, pois os valores das
constantes p, q e r são conhecidos:
$$ \left ( \frac{-3b^{2}}{8a^{2}}+\frac{c}{a} \right )=p $$
$$ \left ( \frac{2b^{3}}{16a^{3}}-\frac{cb}{2a^{2}}+\frac{d}{a} \right )=q $$
$$ \left ( z^{4}+\frac{bz^{3}}{a}+\frac{cz^{2}}{a}+\frac{dz}{a}+\frac{e}{a} \right )=r $$
O valor de z
também havia sido determinado e vale:
$$ z=\frac{-b}{4a} $$
Sendo que os valores das constantes a, b, c, d
e e constam da equação quártica geral, que obviamente são fornecidos. Assim, considerando-se
que o valor de t tenha sido
determinado, então finalmente o lado direito da expressão:
$$ \left ( y^{2}+p+t \right )^{2}=\left ( p+2t \right )y^{2}-qy+\left ( p^{2}-r+2pt+t^{2} \right ) $$
Formará o almejado binômio
quadrado perfeito:
$$ \left ( y^{2}+p+t \right )^{2}=\left [ \left ( \sqrt{p+2t} \right )y\pm \sqrt{p^{2}-r+2pt+t^{2}} \right ]^{2} $$
Agora que temos quadrados
perfeitos em ambos os lados da igualdade, extrai-se a raiz quadrada destas expressões:
$$ \left ( y^{2}+p+t \right )=\pm \left [ \left ( \sqrt{p+2t} \right )y\pm \sqrt{p^{2}-r+2pt+t^{2}} \right ] $$ |
[8]
|
A equação [8] é a fórmula de Ferrari e o resultado de seu
brilhante e criativo exercício algébrico. Note que a fórmula apresenta quatro
soluções, ou raízes, como indicado
pelos sinais ±. Parte de sua genial argumentação, porém, baseia-se na solução
de Tartaglia e, em função do juramento prestado por Cardano e sem poder
quebrá-lo, não poderia tornar-se pública. Porém, aos poucos, Cardano deve ter percebido
que Del Fiore não teria desafiado Tartaglia para uma contenda matemática anos
antes se não conhecesse uma fórmula para resolver equações cúbicas, mesmo não sendo um matemático talentoso e,
portanto, deve ter concluído que Del Ferro (professor de Del Fiore) a tivesse
descoberto ou soubesse de algo importante sobre esse assunto, além do próprio
Tartaglia. Assim, em 1.543, Cardano e Ferrari decidem viajar até Bolonha e
visitar seu colega Della Nave. É Ferrari quem comenta sobre esta passagem, em
Abril de 1.547:
Quatro anos atrás, quando Cardano
dirigiu-se à Florença e eu o fiz acompanhar, encontramo-nos em Bolonha com
Aníbal Della Nave, um homem inteligente e humano que nos mostrou uma pequena
caderneta outrora pertencente a Del Ferro, seu sogro, escrita muito tempo
atrás, na qual aquela descoberta [fórmula das cúbicas] é apresentada com elegância
e eruditismo.
De fato, Cardano e Ferrari satisfizeram a curiosidade de
Della Nave, mostrando-lhe que eram capazes de resolver o onipresente problema
da coisa e cubo, ou seja, a quártica; em troca, Della Nave lhes
mostra a caderneta de anotações do sogro, de que detinha a posse. Percebendo
que Del Ferro chegara à solução das cúbicas
de forma independente cerca de 20 anos antes do próprio Tartaglia, Cardano
considerou sem valor o juramento que lhe fizera. Livre de tal compromisso, em
1.545 publica uma das grandes obras de matemática: o Ars Magna (A Grande Arte). Em edições posteriores aparece também
com o nome Artis Magnæ. Apesar de
Cardano citar Tartaglia nominalmente como tendo descoberto de forma
independente de Del Ferro a solução das cúbicas
em duas passagens distintas em seu livro, fato é que Tartaglia nunca o perdoou
por ter quebrado o seu juramento e divulgado a sua fórmula, talvez porque
soubesse que com essas descobertas era Cardano quem entraria para a história e
não ele. Seja como for, vejamos um exemplo de solução de uma equação quártica reduzida apresentada no
Ars Magna:
$$ x^{4}-12x+3=0 $$
Note que esta quártica
reduzida, além da ausência do termo x3,
também não possui o termo quadrático x2.
Nestas condições, temos:
$$ p=0 $$
$$ q=-12 $$
$$ r=3 $$
Fazendo uso da equação cúbica [7], vem:
$$ q^{2}=4\left ( p+2t \right )\left ( p^{2}-r+2pt+t^{2} \right ) $$
$$ \left ( -12 \right )^{2}=4\left ( 0+2t \right )\left ( 0^{2}-3+2.0.t+t^{2} \right ) $$
$$ 144=8t\left ( -3+t^{2} \right ) $$
$$ 8t^{3}-24t=144 $$
Simplificando, chega-se finalmente a:
$$ t^{3}-3t=18 $$
Fazendo p
= –3 e q = 18 e aplicando a
fórmula de Cardano para encontrar a raíz
cúbica positiva, temos:
$$ t=\sqrt[3]{\frac{q}{2}+\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{3}}}-\sqrt[3]{-\frac{q}{2}+\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{3}}} $$
$$ t=\sqrt[3]{\frac{18}{2}+\sqrt{\left ( \frac{18}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{-3}{3} \right )^{3}}}-\sqrt[3]{-\frac{18}{2}+\sqrt{\left ( \frac{18}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{-3}{3} \right )^{3}}} $$
$$ t=\sqrt[3]{9+\sqrt{\left ( 9 \right )^{2}+\left ( -1 \right )^{3}}}-\sqrt[3]{-9+\sqrt{\left ( 9 \right )^{2}+\left ( -1 \right )^{3}}} $$
$$ t=\sqrt[3]{9+\sqrt{80}}-\sqrt[3]{-9+\sqrt{80}} $$
$$ t=\sqrt[3]{9+4\sqrt{4}}-\sqrt[3]{-9+4\sqrt{5}} $$
$$ t=3 $$
Substituindo agora o valor de t na quártica de Ferrari, temos:
$$ \left ( y^{2}+p+t \right )=\pm \left [ \left ( \sqrt{p+2t} \right )y\pm \sqrt{p^{2}-r+2pt+t^{2}} \right ] $$
$$ \left ( y^{2}+0+3 \right )=\pm \left [ \left ( \sqrt{0+2.3} \right )y\pm \sqrt{0^{2}-3+2.0.3+3^{2}} \right ] $$
$$ \left ( y^{2}+3 \right )=\pm \left [ \left ( \sqrt{6} \right )y\pm \sqrt{-3+9} \right ] $$
$$ \left ( y^{2}+3 \right )=\pm \left [ \left ( \sqrt{6} \right )y\pm \sqrt{6} \right ] $$
Chegando-se às quatro equações quadráticas:
$$ \left\{\begin{matrix}y^{2}-\left ( \sqrt{6} \right )y+\left ( 3-\sqrt{6} \right )=0\\ y^{2}-\left ( \sqrt{6} \right )y+\left ( 3+\sqrt{6} \right )=0\\ y^{2}+\left ( \sqrt{6} \right )y+\left ( 3-\sqrt{6} \right )=0\\ y^{2}+\left ( \sqrt{6} \right )y+\left ( 3+\sqrt{6} \right )=0\end{matrix}\right. $$
Resolvendo a primeira das quatro equações por Báskara, temos:
$$ y=\frac{\sqrt{6}\pm \sqrt{\left ( -\sqrt{6} \right )^{2}-4\times 1\times \left ( 3-\sqrt{6} \right )}}{2\times 1} $$
$$ y=\frac{\sqrt{6}\pm \sqrt{6-12+4\sqrt{6}}}{2} $$
$$ y=\frac{\sqrt{6}\pm \sqrt{-6+4\sqrt{6}}}{2} $$
De modo análogo, a segunda equação fornece:
$$ y=\frac{\sqrt{6}\pm \sqrt{-6-4\sqrt{6}}}{2} $$
A terceira equação fornece:
$$ y=\frac{-\sqrt{6}\pm \sqrt{-6+4\sqrt{6}}}{2} $$
E a quarta equação fornece:
$$ y=\frac{-\sqrt{6}\pm \sqrt{-6-4\sqrt{6}}}{2} $$
A
figura a seguir ilustra o problema de Sami:
Se
montássemos um gráfico com base nos valores de x e do volume,
obteríamos:
Concluímos, com este exemplo prático, o estudo das origens das equações algébricas do 3° e do 4° graus.
Referências bibliográficas:
$$ t=\sqrt[3]{\frac{q}{2}+\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{3}}}-\sqrt[3]{-\frac{q}{2}+\sqrt{\left ( \frac{q}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{p}{3} \right )^{3}}} $$
$$ t=\sqrt[3]{\frac{18}{2}+\sqrt{\left ( \frac{18}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{-3}{3} \right )^{3}}}-\sqrt[3]{-\frac{18}{2}+\sqrt{\left ( \frac{18}{2} \right )^{2}+\left ( \frac{-3}{3} \right )^{3}}} $$
$$ t=\sqrt[3]{9+\sqrt{\left ( 9 \right )^{2}+\left ( -1 \right )^{3}}}-\sqrt[3]{-9+\sqrt{\left ( 9 \right )^{2}+\left ( -1 \right )^{3}}} $$
$$ t=\sqrt[3]{9+\sqrt{80}}-\sqrt[3]{-9+\sqrt{80}} $$
$$ t=\sqrt[3]{9+4\sqrt{4}}-\sqrt[3]{-9+4\sqrt{5}} $$
$$ t=3 $$
Substituindo agora o valor de t na quártica de Ferrari, temos:
$$ \left ( y^{2}+p+t \right )=\pm \left [ \left ( \sqrt{p+2t} \right )y\pm \sqrt{p^{2}-r+2pt+t^{2}} \right ] $$
$$ \left ( y^{2}+0+3 \right )=\pm \left [ \left ( \sqrt{0+2.3} \right )y\pm \sqrt{0^{2}-3+2.0.3+3^{2}} \right ] $$
$$ \left ( y^{2}+3 \right )=\pm \left [ \left ( \sqrt{6} \right )y\pm \sqrt{-3+9} \right ] $$
$$ \left ( y^{2}+3 \right )=\pm \left [ \left ( \sqrt{6} \right )y\pm \sqrt{6} \right ] $$
Chegando-se às quatro equações quadráticas:
$$ \left\{\begin{matrix}y^{2}-\left ( \sqrt{6} \right )y+\left ( 3-\sqrt{6} \right )=0\\ y^{2}-\left ( \sqrt{6} \right )y+\left ( 3+\sqrt{6} \right )=0\\ y^{2}+\left ( \sqrt{6} \right )y+\left ( 3-\sqrt{6} \right )=0\\ y^{2}+\left ( \sqrt{6} \right )y+\left ( 3+\sqrt{6} \right )=0\end{matrix}\right. $$
Resolvendo a primeira das quatro equações por Báskara, temos:
$$ y=\frac{\sqrt{6}\pm \sqrt{\left ( -\sqrt{6} \right )^{2}-4\times 1\times \left ( 3-\sqrt{6} \right )}}{2\times 1} $$
$$ y=\frac{\sqrt{6}\pm \sqrt{6-12+4\sqrt{6}}}{2} $$
$$ y=\frac{\sqrt{6}\pm \sqrt{-6+4\sqrt{6}}}{2} $$
De modo análogo, a segunda equação fornece:
$$ y=\frac{\sqrt{6}\pm \sqrt{-6-4\sqrt{6}}}{2} $$
A terceira equação fornece:
$$ y=\frac{-\sqrt{6}\pm \sqrt{-6+4\sqrt{6}}}{2} $$
E a quarta equação fornece:
$$ y=\frac{-\sqrt{6}\pm \sqrt{-6-4\sqrt{6}}}{2} $$
Sendo que somente a primeira e a terceira respostas eram
consideradas válidas no Ars Magna, já
que a segunda e a quarta respostas continham raízes quadradas de números negativos, gerando números complexos, não conhecidos por Cardano. Apesar dos exemplos
relativamente complexos envolvendo as equações cúbicas e quárticas apresentadas
no Ars Magna, é possível (ao menos
para as cúbicas) a proposição de problemas cujo enunciado e respectiva solução
tenham algum significado ou utilidade prática. É o caso, por exemplo, do
problema geométrico constante na Proposição IV do Livro II da obra Da Esfera e do cilindro, de Arquimedes,
que o estudou, mas que foi incapaz de resolvê-lo por completo, alegando haver
um diorismos. Diorismos é um termo
técnico grego que no contexto indica limites para os quais o problema possui
uma solução, cujo enunciado – adaptado[3] –
é o seguinte:
Cortar uma dada esfera por um plano
de modo que os volumes obtidos pelos dois segmentos formados estejam em uma
dada razão.
[3] O enunciado original é este: Cortar a esfera dada, de modo que os seus segmentos guardem entre si a mesma razão dada.
O problema pode ser reduzido a uma forma ainda mais simples
que a apresentada no enunciado, conforme abaixo:
Cortar um segmento de reta dado, de
comprimento a, em duas partes, tais
que o primeiro segmento, de comprimento x,
multiplicado pelo segundo segmento, de comprimento (a – x), igualem-se a um dado volume c.
Foi o matemático persa Muhammad ibn Isa al-Mahani que, por
volta de 850 d.C. em Bagdá, obteve sucesso na conversão do problema em uma
equação algébrica cúbica:
$$ x^{3}+c=ax^{2} $$
E no século seguinte esta equação foi resolvida através de seções cônicas. Porém, em 1.290 d.C.,
outro matemático persa – Sharaf al-Din al-Tusi – também em Bagdá, foi além ao indagar-se
quão grande poderia ser esse volume c
e ainda admitir a existência de uma solução. A proposição é a seguinte:
Sami é
um funcionário de manutenção de um hospital em Bagdá. Foi-lhe solicitado
encobrir com cortinas uma área ao redor da cama de um paciente, por
privacidade. A cama fica no canto de uma ala, de modo que a cortina precisa
proteger apenas dois de seus lados: haverá uma cortina quadrada protegendo o
lado comprido da cama e uma cortina retangular menor cobrindo o pé da cama. As
duas cortinas serão penduradas em hastes, suspensas a igual distância do teto
da enfermaria. Mas é aí que Sami enfrenta um problema: por causa da guerra e da
falta de suprimentos em Bagdá, o único material disponível para montar as
hastes é uma vara de madeira de seis metros, que ele pode cortar como quiser
para obter as duas hastes onde serão penduradas as cortinas. Sami deseja saber qual
o maior volume retangular que será capaz de obter com essas hastes.
A disposição das cortinas ao redor da cama |
O problema impõe algumas restrições: uma das cortinas é
quadrada, e o tamanho da vara para montar os dois suportes é de apenas seis
metros. Da figura acima, o volume do espaço privado é calculado como:
$$ Volume=x^{2}\times y $$
E a restrição
entre as larguras das cortinas (que, somadas, não podem exceder os seis metros)
será dada por:
$$ y=6-x $$
Onde x
corresponde às dimensões da cortina quadrada bem como à altura da cortina retangular
(já que ambas devem ter a mesma altura) e y
corresponde à largura da cortina retangular. Observe ainda que não é
especificada nenhuma limitação quanto a altura mínima ou máxima que essas
cortinas podem ter. Assim, para calcular o máximo volume possível, montamos a
tabela abaixo:
x (m)
|
x2 (m2)
|
y (m)
|
Volume (m3)
|
0
|
0
|
6
|
0
|
1
|
1
|
5
|
5
|
2
|
4
|
4
|
16
|
3
|
9
|
3
|
27
|
4
|
16
|
2
|
32
|
5
|
25
|
1
|
25
|
6
|
36
|
0
|
0
|
Observe: a primeira coluna apresenta as possíveis dimensões
da cortina quadrada e a altura da cortina retangular, começando de zero metro
(o que na prática não tem significado) até seis metros, que corresponde ao
tamanho total da vara. Na segunda coluna, temos a área da cortina quadrada. Na terceira
coluna, temos a largura da cortina retangular, que corresponde ao tamanho total
da vara (seis metros) menos o valor de x.
Finalmente, na quarta e última coluna temos o volume total obtido. A linha destacada
em laranja indica o maior volume possível, que é obtido com:
·
Uma cortina quadrada de 4 metros de altura por 4
metros de largura;
·
Uma cortina retangular de 4 metros de altura por
2 metros de largura.
Concluímos, com este exemplo prático, o estudo das origens das equações algébricas do 3° e do 4° graus.
Referências bibliográficas:
[1]
|
Khayyam, O. “Os Rubayat”,
tradução para o português por Alfredo Braga, disponível no sítio: http://alfredo-braga.pro.br/poesia/rubaiyat.html. Acessado em Dezembro/2017.
|
[2]
|
Mardia, K. V. “Omar Khayyam, René Descartes and solutions to algebraic
equations”, paper presented to Omar Khayyam Club, London, 1999.
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[3]
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Kent, D. A.; Muraki, D. J. “A geometric solution of a cubic by Omar
Khayyam… in which coloured diagrams are used instead of letters for the
greater ease of learners”, American Mathematical Monthly 121:1, May 2015.
|
[4]
|
Henderson, D. W. “Geometric solutions to quadratic and cubic
equations”, Department of Mathematics, Cornell University. Acessado em Dez/2017:
www.math.cornell.edu/~dwh/papers/geomsolu/geomsolu.html
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[5]
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Brown, E.; Brunson, J. C. “Fibonacci’s forgotten number”, The College
Mathematics Journal, Vol. 39, No. 2, March 2008.
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[6]
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Well, D. “The Penguin book of curious and interesting puzzles”,
Penguin Books, 1992.
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[7]
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Franci, R.; Rigatelli, L. T.
“Maestro Benedetto da Firenze e la storia dell’algebra”, Historia Mathematica
10, pags. 297-313, 1983.
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[8]
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Franci, R. “Antonio de Mazzinghi: An algebraist of the 14th century”, Historia
Mathematica 5, pags. 240-249, 1988.
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[9]
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Guilbeau, L. “The history of the solution of the cubic equation”, Mathematics
News Letter, Vol. 5, No. 4, pags. 8-12, 1930.
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[10]
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Santos, S. R. “As equações
polinomiais do 3° e 4° graus – Sua história e suas soluções”, dissertação de
mestrado profissional em matemática, Universidade Federal de Sergipe, 2013.
|
[11]
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Anderson, M.; Katz, V.; Wilson, R. “Sherlock Holmes in Babylon: And
Other Tales of Mathematical History”, Mathematical Association of America,
2004. ISBN: 0-8838-5546-1, 978-0-8838-5546-1.
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[12]
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Contreras, J. N. “An Episode of the Story of the Cubic Equation: The
del Ferro-Tartaglia-Cardano’s Formulas”, Journal of Mathematical Sciences
& Mathematics Education, Volume 10, No. 2, pags. 24-37, 2015.
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[13]
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Glaz, S. “Poetry inspired by mathematics: a brief journey through
history”, Journal of Mathematics and the Arts, Vol. 5, No. 4, pags. 171-183,
2011.
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[14]
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