Ciência de Garagem

Um blog sobre ciência em geral e matemática em particular

quarta-feira, setembro 16, 2015

Quadrados mágicos

Tabuleiro com quadrados pretos e brancos. Este interessante efeito de ilusão de ótica dá a impressão de que os quadrados deformam-se à medida que olhamos das bordas para o centro da imagem. Entretanto, as linhas horizontais são todas paralelas entre si, bem como as verticais: posicione uma régua sobre qualquer uma dessas linhas e verá que a aparente deformação desaparece. É a mente nos pregando peças.

A


Tartaruga com números no casco

credita-se que uma das primeiras civilizações antigas a fazer referência aos quadrados mágicos tenha sido a chinesa, sendo que a primeira ocorrência indubitável de um quadrado mágico de ordem 3 – com padrões de números pares e ímpares – apareça em uma obra do século I d.C. chamada Da Dai Liji (Registro de ritos do ancião Dai) no capítulo denominado Mingtang (Salão brilhante), obra cujo intuito seria o de descrever os antigos ritos chineses da dinastia Zhou. Esses padrões de números ocorrem também em um texto matemático chinês, possivelmente anterior ao Da Dai Liji, denominado Shushu jiyi (Memórias de tradições da arte matemática) que, crê-se, tenha sido escrito em 190 a.C., reportada como a primeira aparição escrita de um quadrado mágico de ordem 3, com as nove casas designadas como “nove salões” pelos matemáticos chineses, cujas finalidades eram a adivinhação e a aplicação em astrologia. O lendário padrão Luoshu de disposição de números pares e ímpares nas nove casas de um quadrado mágico de ordem 3 surgiria na China somente no século XII d.C., para o qual existem diversas lendas explicando sua origem. Uma das mais conhecidas relata que o surgimento deste quebra-cabeça remonta a mais de 3 mil anos atrás, quando a China antiga sofreu uma grande inundação. Por conta dessa catástrofe, as pessoas faziam oferendas ao atormentado deus do rio Luo, responsável pela cheia, no anseio de apaziguar a divindade. Entretanto, toda vez que a oferenda era entregue ao rio, uma tartaruga emergia do mesmo. Dayu, o fundador da dinastia Xia, observou numa dessas emersões da tartaruga que o casco dela continha números de 1 a 9, cada número estampado num gomo do casco. Os números estavam dispostos de tal forma no casco que a soma dos gomos horizontais, verticais ou diagonais era sempre 15. Esse padrão ainda hoje é chamado “Luoshu”, ou também “Guishu” (padrão tartaruga).

Tartaruga com números no casco
Diz-se que Dayu teria estudado esse padrão e adquirido um grande conhecimento através dele. Entre outras coisas, ele desenvolveu um vasto sistema de canais para prevenir novas inundações. Posteriormente, Dayu tornou-se imperador da China, dividindo-a em nove províncias, usando o Luoshu como guia. Nesse padrão, os pontos brancos representam números yang (ímpares) e os pontos pretos, números yin (pares).

Quadrado mágico Luoshu

Yin e Yang são dois conceitos do taoísmo (tradição filosófica e religiosa originária da China) que expõem a dualidade de tudo o que existe no universo. Descrevem as duas forças fundamentais, opostas e complementares, que se encontram em todas as coisas: o yin é o princípio feminino, a água, a passividade, escuridão e absorção. O yang é o princípio masculino, o fogo, a luz e a atividade. Segundo essa idéia, cada ser, objeto ou pensamento possui um complemento do qual depende para a sua existência. Esse complemento existe dentro de si. Assim, se deduz que nada existe no estado puro: nem na atividade absoluta, nem na passividade absoluta, mas sim em transformação contínua.

Ninfa do rio Luo (entre 960 e 1.279), tinta a cores em rolo de seda, pertencente ao Museu do Palácio, China
O quadrado mágico derivado do Luoshu atualmente é apresentado na forma de um quadriculado com números hindu-arábicos, na sequência indicada a seguir:

A ordem de um quadrado mágico depende do seu número de linhas ou colunas: no caso do Luoshu, sua ordem é 3. Nos quadrados mágicos tradicionais, os números que preenchem as células são inteiros, começando do 1 e chegando até o quadrado da ordem. No exemplo acima, o quadrado (sendo de ordem 3) possui números que vão de 1 a 32, ou seja: 9. No Luoshu, a soma de qualquer linha, coluna ou diagonal principal é sempre 15. Este número é comumente chamado de constante mágica e existe uma fórmula para calculá-la, conforme indicado a seguir:

$$ Constante\:m\acute{a}gica(n)=\frac{\left ( n^{3}+n \right )}{2} $$

Onde n é a ordem do quadrado mágico. Ou seja, num quadrado mágico de ordem 3, temos:

$$ Constante\:m\acute{a}gica(3)=\frac{\left ( 3^{3}+3 \right )}{2}=\frac{\left ( 27+3 \right )}{2}=\frac{30}{2}=15 $$

Já na civilização hindu encontra-se o mais antigo quadrado mágico de ordem 4 identificado no mundo, mais especificamente na obra Brhat Samhita, escrita pelo polímata indiano Varahamihira ao redor do ano 587 d.C.; trata-se de um trabalho enciclopédico sobre arquitetura, templos, movimentos planetários, eclipses, cronometragem, astrologia, estações do ano, formação de nuvens, chuva, agricultura, matemática, gemologia, perfumes e outros tópicos. De fato, o quadrado mágico que aparece na obra é utilizado para demonstrar a produção de perfumes a partir de quatro ingredientes distintos, selecionados de um total de 16 substâncias diferentes. Cada célula do quadrado representa um ingrediente específico, enquanto que o número na célula representa a proporção do ingrediente associado, de modo que a mistura de quaisquer quatro combinações de ingredientes ao longo das colunas, linhas e diagonais fornece um perfume diferente, cujo volume total é sempre igual a 18. Embora seja uma obra principalmente sobre adivinhação, o quadrado mágico é apresentado como uma mera estrutura combinatória, sem que nenhuma propriedade mágica seja atribuída a ele.

Quadrado mágico de ordem 4, utilizado para a fabricação de perfumes, na obra Brhat Samhita, de Varahamihira. Observe os valores em cada célula, representando as quantidades utilizadas de cada ingrediente, que juntos perfazem um volume resultante igual a 18.

Quadrado mágico de ordem 4 do século XII, inscrito na parede do templo Parshvanath em Khajuraho, Índia
De forma geral, num quadrado mágico tradicional de ordem 4, a soma de qualquer linha, coluna ou diagonal principal deverá resultar na constante mágica, utilizando 16 números inteiros, um para cada célula:

$$ Constante\:m\acute{a}gica(4)=\frac{\left ( 4^{3}+4 \right )}{2}=\frac{\left ( 64+4 \right )}{2}=\frac{68}{2}=34 $$

No mundo islâmico medieval, o estudo dos quadrados mágicos era comum e especula-se que tenha se iniciado com a introdução do xadrez. A primeira aparição inequívoca de um quadrado mágico de ordem 3 entre a civilização árabe ocorre na obra Kitab al-mawazin al-Saghir (O Pequeno Livro dos Saldos), do escritor Jabir ibn Hayyan (~ 721 a ~ 815 d.C.), onde o quadrado mágico e sua numerologia estão associados à alquimia. O quadrado mágico de ordem três ainda seria descrito como um amuleto para a gravidez desde suas primeiras aparições literárias nas obras de Jabir ibn Hayyan. Embora se saiba que tratados sobre quadrados mágicos tenham sido escritos no século IX, os primeiros tratados existentes que temos datam do século X: um de Abu'l-Wafa al-Buzjani, por volta do ano 998 d.C. e outro de Ali b. Ahmad al-Antaki, ao redor do ano 987d.C.

Esses primeiros tratados eram puramente matemáticos e a designação árabe utilizada para os quadrados mágicos era wafq al-a'dad, que se traduz como “disposição harmoniosa dos números”. Quadrados mágicos de ordens 3 a 9 apareceriam também em uma enciclopédia de Bagdá intitulada Rasa'il Ikhwan al-Safa (Enciclopédia dos Irmãos da Pureza), por volta do ano 983 d.C. Os quadrados mágicos apareceriam pela primeira vez na Europa na obra Kitāb tadbīrāt al-kawākib (Livro sobre as influências dos Planetas), do erudito toledano Ibn Zarkali al-Andaluz (1.029 a 1.087), mais conhecido como Azarquiel, em que associava os sete primeiros quadrados, ou seja, aqueles de ordens 3 a 9, às virtudes mágicas dos sete planetas conhecidos desde a antiguidade (ou seja, os observáveis a olho nú); nessas condições, os espíritos dos planetas eram invocados, suplicando-lhes certos favores (sobretudo na magia que empregava talismãs, construídos mediante certos rituais e sob condições astrais determinadas), objetivando modificar de alguma maneira o destino. Essa invocação aos planetas era um costume habitual entre os sábios e talvez por essa razão os primeiros textos matemáticos sobre quadrados mágicos tenham se originado dessa abordagem. Esse ocultismo pagão ficaria evidente na obra Picatrix, um manuscrito versando sobre magia e astrologia, escrito entre 1.256 e 1.258 sob os auspícios de Alfonso X, rei de Castela, uma tradução do original árabe sob o título Ghayat al-Hakim (O objetivo do sábio), cuja autoria é atribuída ao matemático andaluz de origem muçulmana Maslama al-Majriti, que teria falecido entre 1.005 e 1.008.

Um quadrado mágico de ordem 6 do “Livro das Maravilhas”, manuscrito do século XVI
No texto alfonsino, quadrados mágicos de diferentes ordens são atribuídos aos respectivos planetas, tal como na literatura islâmica. De acordo com o historiador Said al-Andalusi (1.029 a 1.070), a origem do manuscrito deve-se ao sábio andaluz al-Kirmani, que teria viajado ao Oriente até a cidade de Harran, situada no norte da Mesopotâmia, onde teria estudado geometria e medicina. Ao voltar à Andaluzia, fixou-se em Zaragoza, trazendo consigo as 52 epístolas que compõem a enciclopédia dos Irmãos da Pureza; juntamente com outras duzentas obras, esse material teria servido de base para a composição do Ghayat al-Hakim, ou Picatrix.  A obra contém invocações a antigos deuses pagãos, evidenciando a inequívoca influência das culturas suméria, babilônica e egípcia no manuscrito, tal como se pode observar na oração dedicada a Saturno:

Ó mestre do sublime nome e grande poder, supremo mestre; Ó mestre Saturno: tu, o frio, o estéril, o lúgubre, o pernicioso; tu, cuja vida é sincera e cuja palavra é certa; tu, o sábio e solitário, o impenetrável; tu, cujas promessas são cumpridas; tu que és fraco e cansado; tu que cuida mais do que qualquer outro, que não conhece prazer nem alegria; tu, o velho e esperto mestre de todos os artifícios, enganoso, sábio e judicioso; tu que traz prosperidade ou ruína, e fazes homens felizes ou infelizes! Eu te conjuro, ó pai supremo, por tua grande benevolência e tua generosa recompensa, para fazer por mim o que eu peço.


Quatro imagens de Saturno, Picatrix, Biblioteka Jagiellonska, f. 189 v
Por volta de 1.315, o estudioso greco-bizantino Manuel Moschopoulos escreveu um tratado matemático sobre quadrados mágicos, onde deu dois métodos para a completude de quadrados de ordem ímpar e dois métodos para quadrados de ordem par múltiplos de 4. Sua obra, porém, apresenta pouca originalidade e seu tratado aparenta derivar de algum antecedente árabe ou persa, uma vez que os quadrados que reproduz em sua obra já eram bem conhecidos do mundo muçulmano pelo menos desde o século XI, mas convém ressaltar como aspecto positivo que seu trabalho deixou de fora o misticismo pagão de seus predecessores do Oriente Médio. Os quadrados mágicos voltariam a chamar atenção no século XIV, em Florença, Itália. Um quadrado de ordem 6 e outro de ordem 9 seriam exibidos no manuscrito Trattato d'Abbaco (Tratado do Ábaco), escrito por Paolo Dagomari, onde os quadrados são apresentados como uma ferramenta útil para a criação de problemas matemáticos e jogos, sem mencionar qualquer uso mágico ou ocultista, referindo-se a essas figuras, todavia, como os quadrados do Sol e da Lua, mencionando que entrariam em cálculos astrológicos, contudo sem fornecer maiores detalhes.

Página do livro “Practica arithmetice et mensurandi singularis”, (Prática aritmética e medição individual), de Girolamo Cardano, de 1.539.Observe os quadrados mágicos associados a cada um dos sete planetas então conhecidos na astronomia da época
Semelhante ponto de vista aparentemente motivou o monge e matemático (também florentino) Luca Pacioli, ao descrever quadrados mágicos de ordens 3 a 9 em sua obra inacabada De Viribus Quantitatis (Força quantitativa); de fato, os quadrados mágicos planetários se disseminariam no norte da Europa no final do século XV.

Melancolia I, gravura de 1.514, do ilustrador e matemático alemão Albert Dürer
A gravura Melancolia I, de Albert Dürer, imortalizaria o quadrado mágico de ordem 4, que na figura está associado a Júpiter, operando como um talismã para afugentar a melancolia, noutra evidente influência do ocultismo herético, sempre muito simbólico, dissimulado e difundido no Renascimento europeu. Nessa ilustração, o quadrado mágico resulta exatamente em 34 ao somarmos qualquer uma das linhas, colunas ou diagonais principais. Por fim, convém comentar que a basílica inacabada da Sagrada Família em Barcelona (idealizada pelo arquiteto catalão Antoni Gaudí e projetada pelo escultor espanhol Josep Subirachs) também possui em sua fachada um quadrado mágico de ordem 4 cuja constante mágica é 33, a idade de Jesus na época da Paixão.

Quadrado mágico na fachada da basílica da Sagrada Família em Barcelona. Linhas, colunas e diagonais somam 33, a idade em que Jesus Cristo morreu na cruz. Ironia herética?

Em um quadrado mágico de ordem 3 existe apenas uma única combinação de números que permite obter a constante mágica, que é justamente a distribuição de números do Luoshu. Já para um quadrado mágico de ordem 4 existem 880 combinações diferentes para a obtenção da constante mágica; para um quadrado de ordem 5 existem 275.305.224 combinações diferentes entre os 25 números disponíveis para a obtenção de sua constante mágica (que é 65). E as combinações possíveis crescem a variações exorbitantes para quadrados mágicos de ordens superiores a 5. Existem “receitas de bolo” para popular com números inteiros os quadrados mágicos; em particular, para quadrados mágicos de ordem ímpar, há um método criado pelo matemático francês Simon de La Loubère, que desenvolveu essa técnica – conhecida como método siamês – durante o período em que serviu como embaixador da França no Reino do Sião (atual Tailândia), e descrita em seu livro Royame du Siam, de 1693.


Página do livro "A new historical relation of the kingdom of Siam" versão inglesa do "Royame du Siam", de La Loubère, descrevendo o método siamês para preenchimento das células de quadrados mágicos de ordem ímpar com números inteiros.
Vejamos como funciona o método em um quadrado mágico de ordem 5: primeiro localize a célula central da linha superior do quadrado, e coloque nela o número 1, como indicado:


O preenchimento dos números é sempre crescente (2, 3, 4, ...) seguindo uma linha diagonal, com inclinação para nordeste. Como depois do 1 não há mais linhas para seguir na diagonal, o truque é enrolar o quadrado em forma de tubo, unindo a borda superior com a inferior e prosseguir com o preenchimento, como abaixo:


Desenrolando o tubo para voltar ao quadrado, os números ficarão dispostos da seguinte forma:


Como não é possível continuar o preenchimento das células na diagonal a partir do 3, vamos novamente enrolar o quadrado, unindo a borda direita com a esquerda, obtendo um novo tubo só que agora na posição vertical, como a seguir:


Desfazendo mais uma vez o tubo para retornarmos ao quadrado, o preenchimento dos números ocupou, até aqui, as células:


Como essa diagonal foi totalmente preenchida, iniciamos o preenchimento de uma nova diagonal, começando na célula abaixo do último número inserido, neste caso o 5; teremos:


Preenchida a última célula disponível na diagonal com o 8, não temos mais células acima do quadrado; para continuar esse preenchimento corretamente, de novo vamos enrolar o quadrado unindo as bordas superior e inferior, em um tubo horizontal.


Desenrolando o tubo, o preenchimento fica:


Novamente, não há células na diagonal após o 9 para preencher e, por isso, vamos enrolar nosso quadrado unindo as bordas da esquerda e da direita, formando um tubo vertical.


Mais uma vez desenrola-se o tubo para voltar ao quadrado; o preenchimento até aqui nos fornece:


Como esta diagonal foi totalmente preenchida, iniciamos uma nova diagonal, retomando a numeração na célula imediatamente abaixo da que foi preenchida com o número 10; assim:


Como essa diagonal foi completamente preenchida, iniciamos uma nova, inserindo o próximo número da sequência abaixo da célula que foi preenchida com o número 15; obteremos:


Mais uma vez, na ausência de células em diagonal para preencher, enrola-se o quadrado, formando um tubo vertical, como segue:


Desfazendo o tubo, temos:


O processo é sempre o mesmo: procurar por células vazias na diagonal que possam ser preenchidas com a sequência numérica até completar todas as células. Enrolando o quadrado em um tubo horizontal, temos:


Voltando à forma original, e retomando o preenchimento das células diagonais, o quadrado ficará:


Finalizado o preenchimento da diagonal, iniciamos outra, na célula imediatamente abaixo da última inserção, a do número 20:


Formando um tubo vertical, a fim de continuar com o preenchi-mento da diagonal, vem:


Desfazendo o tubo e voltando ao quadrado, obtemos:


O último número a ser inserido, o 25, ocupará a última célula vazia, completando o quadrado mágico:


A soma de qualquer linha, coluna ou diagonal principal será sempre a constante mágica para um quadrado de ordem 5: 65. Este é o método siamês de la Loubère; note que o preenchimento se torna muito simples quando alteramos a topologia do quadrado (uma figura geométrica bidimensional) para um tubo (esta uma figura tridimensional) para a inserção dos números nas diagonais. Para quadrados de ordem par, múltiplos de 4, há uma forma elegante de preencher as células; tomemos como exemplo um quadrado mágico de ordem 4: começamos preenchendo todas as células com números inteiros, de 1 a 16, da esquerda para a direita e do topo para a base do quadrado, conforme indicado a seguir:


Agora, destacamos as duas diagonais principais:


Começando por uma das diagonais, a verde por exemplo, basta trocar os números das células das pontas para o centro do quadrado, ou seja, trocam-se as posições entre os números 1 e 16 e entre os números 6 e 11. De modo análogo, na diagonal azul, trocam-se as posições entre os números 13 e 4 e entre 10 e 7, resultando:


Pronto! Já temos nosso quadrado mágico de ordem 4. Mas não devemos nos esquecer de que existem outras 879 maneiras diferentes de dispor os 16 números de modo a obter um quadrado mágico. Para construirmos um quadrado mágico de ordem 8, replicamos 4 quadrados de ordem 4, com a mesma disposição de cores para as diagonais principais, formando o quadrado abaixo:


Como no exemplo do quadrado mágico de ordem 4, iniciamos o preenchimento das células com os números de 1 a 82 (ou 64), da esquerda para a direita e do topo para a base do quadrado. Em seguida, trocamos as posições dos números das diagonais principais das pontas para o centro do quadrado; por exemplo, começando com a diagonal principal azul, trocamos de posição o 8 com o 57, o 15 com o 50, o 22 com o 43 e o 29 com o 36. E no caso da diagonal principal verde, trocamos de posição o 1 com o 64, o 10 com o 55, o 19 com o 46 e o 28 com o 37. O resultado obtido até aqui será:


As duas diagonais azuis menores, que margeiam a diagonal azul principal, são na verdade uma única diagonal. Seja unindo as bordas superior e inferior (obtendo um tubo horizontal) ou as bordas esquerda e direita (formando um tubo vertical), conseguimos visualizá-la por inteiro. O mesmo ocorre com as diagonais verdes menores. Uma vez montado o tubo, seja ele horizontal ou vertical, procedemos à troca de números entre as células, das pontas para o centro; assim, para a diagonal azul, trocamos de posição: o 4 com o 61, o 11 com o 54, o 18 com o 47 e o 25 com o 40. Para a diagonal verde, trocamos: o 5 com o 60, o 14 com o 51, o 23 com o 42 e o 32 com o 33. Com isto, finalizamos a montagem do quadrado mágico com a distribuição de números conforme a seguir:


Seja como for, a construção de quadrados mágicos de ordem par não múltiplos de 4 (como 6, 10, 14, 18, etc.) não possuem um método elegante de solução como aqueles apresentados para os quadrados mágicos de ordem ímpar e múltiplos de 4, ainda que alguns métodos tenham sido desenvolvidos, como é o caso do método LUX, do matemático britânico John Horton Conway. Os quadrados mágicos possuem parentes próximos, que são conhecidos por quadrados latinos, assim nomeados pelo matemático suíço Leonhard Euler, que os estudou em detalhes em seu artigo Recherches sur une nouvelles espèce de quarrés magiques, de 1.782, ainda que esses quadrados já aparecessem em obras árabes 700 anos antes. Os quadrados latinos têm como característica permitir a repetição de números, ainda que essa repetição não possa ocorrer em uma mesma linha ou coluna. Também aceitam letras ou símbolos no lugar dos números. Veja um exemplo de um quadrado latino de ordem 4:

Observe que temos apenas os números: 1, 2, 3, e 4 que nunca se repetem em uma mesma linha ou coluna. Quando um quadrado latino está montado dessa maneira, diz-se que ele está na forma padrão ou normalizado. Em seu artigo, Euler propõe normalizar um quadrado latino de ordem seis, com base neste curioso enunciado:


Existem 36 oficiais do exército, 6 de cada patente e 6 de cada regimento. É possível arranjá-los em um quadrado 6 × 6 tal que cada patente e cada regimento apareça em cada uma das linhas e em cada uma das colunas?


Adotando as peças do xadrez como base ilustrativa para este problema, de tal sorte que as cores representem os regimentos e as peças de xadrez representem a patente, o que Euler busca normalizar seria este quadrado latino:

Porém, essa tarefa mostra-se, de fato, impossível! Se ao invés de um quadrado latino 6 × 6 utilizássemos um quadrado 5 × 5, a proposição de Euler não seria um problema, como se observa a seguir:

E mesmo se o problema envolvesse um quadrado latino 7 × 7, também encontraríamos uma entre incontáveis combinações, como esta:

O curioso motivo para que justamente um quadrado latino 6 × 6 seja insolúvel não deriva do fato do número 6 ser um número composto, pois problemas semelhantes a este para quadrados de ordem 4, 8 e 9 (também eles números compostos) possuem solução. Euler afirma em seu artigo que:


...depois de todos os esforços que fizemos para resolver este problema, somos obrigados a reconhecer que tal arranjo é absolutamente impossível, embora não possamos dar-lhe uma demonstração rigorosa.


A prova formal de tal impossibilidade só viria em 1.900 pelas mãos do matemático francês Gaston Tarry. Seja como for, existe uma única combinação possível para um quadrado latino de ordem 3, um total de 4 combinações para um quadrado de ordem 4, mas alcança absurdas 377.597.570.964.258.816 combinações possíveis se for de ordem 9! Quando combinamos um quadrado latino contendo números com outro contendo letras, eles formam um terceiro quadrado que recebe o nome de quadrado greco-romano ou quadrado de Euler. Observe:


Os quadrados de Euler, ou greco-romanos, possuem aplicação prática. Suponha que um produtor de mel queira avaliar a aceitação de quatro de seus produtos: 
  • Produto A: Mel de flor de laranjeira;
  • Produto B: Mel de flor de eucalipto;
  • Produto C: Mel comum com própolis;
  • Produto D: Mel comum com geléia real.
em relação a quatro itens específicos:
  • Item 1: Cor;
  • Item 2: Aroma;
  • Item 3: Sabor;
  • Item 4: Preço.
Para isso, o produtor convida quatro pessoas, que farão o teste, e emitirão o seu parecer. Uma tabela é montada como abaixo:
 
 
Desse modo, o produtor de mel poderá fazer uma avaliação de seus produtos, segundo os critérios definidos, e até aplicar os testes em outras 3 combinações diferentes sem repetir um mesmo produto/item para um mesmo participante.
 
 
Já o sudoku, popular quebra-cabeças com números, é um jogo composto de vários quadrados latinos. Credita-se ao arquiteto estadunidense Howard Garns a autoria de criação do jogo, que surgiu em 1979 na Dell Pencil Puzzles and World Games, um magazine especializado em jogos e quebra-cabeças. O jogo ganhou imensa popularidade no Japão, onde sudoku significa "número único" e depois ganhou o mundo.
 
 
Geralmente, o sudoku é apresentado com algumas células previamente preenchidas, cabendo ao jogador completar as demais. A matemática, afinal, pode ser também um passatempo mágico!


Referências bibliográficas:

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Nota:
Esta postagem é parte integrante do e-book gratuito Matemática: Uma abordagem histórica - Volume 2. Caso queira obter um exemplar, clique aqui.