Clérigos estudando astronomia e geometria, no livro “La Vraye Histoire du Bon Roy Alixandre” – início do séc. 15 d.C.
ultiplicar não era exatamente o que os antigos
egípcios faziam; de fato, eles calculavam aplicando um método denominado duplicação,
uma engenhosa forma de somar capaz de realizar a multiplicação entre números
inteiros, cujo funcionamento veremos com este exemplo: 37 × 54, mas sem o uso
burocrático dos hieróglifos. A duplicação consiste no seguinte procedimento:
monte uma tabela com duas colunas; na coluna à esquerda, comece a duplicação
sempre a partir do número 1. E na coluna à direita inicie a duplicação do
primeiro fator da multiplicação (ou seja, 37), conforme abaixo:
A seguir, na coluna da esquerda, devemos agregar os números tal que sua soma seja igual ao segundo fator da multiplicação (ou seja, 54). A combinação de números que conduz a 54 está destacada em marrom abaixo:
Note que: 2 + 4 + 16 + 32 = 54. Na coluna da direita, selecionamos os números correspondentes àqueles utilizados para formar 54, conforme segue:
A soma de 74 + 148 + 592 + 1.184 = 1.998, que é o resultado de 37 × 54. O método da duplicação egípcio funciona igualmente alterando-se a ordem dos fatores, ou seja: 54 × 37. Assim, na coluna à esquerda, a soma dos fatores deve totalizar 37 e na coluna à direita inicia-se a duplicação a partir de 54, como se observa na tabela abaixo:
Observe: 1 + 4 + 32 = 37. E a soma dos números correspondentes: 54 + 216 + 1.728 = 1.998. A multiplicação egípcia (obviamente, utilizando-se de nosso sistema numérico) é simples e eficiente, ainda que se trate de um processo de duplicação seguido de somas.
Os maias, por sua vez, denominavam de Dzaac-Xox ao seu processo de multiplicação de números inteiros. Usando como exemplo o produto: 215 × 121, os maias colocavam estes fatores vertical e horizontalmente, formando com eles um gradeado de caixas inicialmente vazias, que armazenarão o resultado parcial da multiplicação, seguindo a numeração indicada a seguir:
Na linha horizontal, acima, temos o número 121 e na linha vertical à esquerda o número 215, ambos na grafia numérica maia. Em cada uma das 9 caixas, será armazenado o valor da multiplicação de cada numeral dos dois fatores, ou seja: 2 × 1 na caixa 1, 2 × 2 na caixa 2, 2 × 1 na caixa 3, 1 × 1 na caixa 4, 1 × 2 na caixa 5, 1 × 1 na caixa 6, 5 × 1 na caixa 7, 5 × 2 na caixa 8 e finalmente 5 × 1 na caixa 9. O resultado parcial será:
O próximo passo consiste em somar os resultados parciais das diagonais do gradeado de caixas, seguindo a ordem por cores a seguir:
Destarte, empilhando e somando as caixas segundo sua cor, começando pela inferior direita (em cinza) em direção à superior esquerda (em azul), obtemos:
Resta-nos agora seguir as regras maias para a quantidade de feijões e canudos de palha permitidos em cada caixa: na cinza temos 1 canudo, o que não constitui infração à regra; logo, não será alterada. Na caixa marrom temos 2 canudos, o que não é permitido; neste caso, os 2 canudos são eliminados e na caixa superior (vermelha) é acrescentado 1 feijão. O resultado parcial será:
A caixa vermelha, que tinha 4 feijões, agora fica com 5, o que também não é permitido pelas regras maias; então, os 5 feijões são substituídos por 1 canudo. Entretanto, a caixa vermelha, agora com 2 canudos, infringe outra regra maia e por isso esses 2 canudos devem ser eliminados e a caixa superior (a verde) receberá mais 1 feijão. O resultado até aqui é:
A caixa vermelha ficou vazia, o que não é permitido pelas regras maias; neste caso, colocaremos uma mixbaal, ou concha, para que não fique vazia. O resultado até o momento é este:
Finalmente, a caixa verde contém 6 feijões, outra situação não permitida pelas regras maias. Logo, substituiremos 5 desses feijões por um canudo de palha na mesma caixa. O cálculo final será:
O resultado de 215 × 121 com os algarismos maias e seguindo
o procedimento Dzaac-Xox, agora em
notação decimal, é: 26.015. Temos de admitir que os maias eram realmente muito
bons em matemática. Com os antigos gregos, porém, a multiplicação aritmética
enfrenta há mais de 450 anos um erro de tradução que nos engana e confunde até
hoje com o mito de que a “multiplicação é a repetição de somas”. Imputa-se ao
matemático grego Euclides, em sua obra “Elementos”, a definição da
multiplicação como uma repetição de somas, mas de fato ele nunca escreveu isso.
O texto original grego onde ocorre o erro de tradução é a proposição 16 do
Livro VII, indicada abaixo:
Ἀριθμὸς ἀριθμὸν
πολλαπλασιάζειν λέγεται, ὅταν,
ὅσαι εἰσὶν ἐν
αὐτῷ μονάδες, τοσαυτάκις
συντεθῇ ὁπολλαπλασιαζόμενος, καὶ γένηταί τις.
Quem gerou essa confusão tão infeliz e duradoura foi Henry Billingsley,
um armarinheiro e linguista amador londrino, o primeiro a traduzir a obra de
Euclides para o inglês, em 1.570. A tradução equivocada de Billingsley para a
proposição 16 é a seguinte:
“Diz-se que um número multiplica outro número quando o
multiplicando é tão frequentemente somado a si mesmo quantas são as unidades do
multiplicador: e um outro número [o produto] é produzido.”
O verbo grego συντεθῇ
na frase original significa “colocado”, “posto junto”, mas Billinsgley o traduziu
erroneamente para “somado a si mesmo”. Interessante notar que outro matemático,
o italiano Nicolau Tartaglia, traduziu o texto grego para o italiano
corretamente em 1.543, com os seguintes dizeres:
“Diz-se que um número é multiplicado por outro tal que
seja (combinado/tomado) tantas vezes quantas são as unidades do multiplicador.”
Então, o que fez Euclides quando explicou a
multiplicação? A resposta é que ele tratou os segmentos de linha como operações
unárias. Uma operação unária é aquela efetuada com apenas um operando; são
exemplos de operações unárias: o fatorial de um número natural ou o quadrado de
um número real, entre outros. Porém, o que Henry Billingsley fez em 1.570 foi
mudar a definição unária de Euclides para uma definição binária incorreta. Uma
operação binária é aquela efetuada com dois operandos; operações aritméticas de
soma, subtração, multiplicação e divisão são exemplos de operações binárias. O
resultado disso tudo é que, até os dias atuais, as crianças aprendem a
multiplicação por meio de adições repetidas, geralmente com o erro grotesco do “adicionar
a si mesmo” incluído na pedagogia... Outro aspecto a ser considerado é que o
uso da régua e do compasso na elaboração geométrica para multiplicar
comprimentos de linha foi adotado pela primeira vez por René Descartes,
filósofo e matemático francês que viveu entre 1.596 e 1.650, cuja demonstração
encontra-se em sua obra “O discurso do método”, especificamente no apêndice “A
Geometria”. De fato, o primeiro diagrama apresentado nesse apêndice descreve a
multiplicação de segmentos de linhas através da semelhança de triângulos: |
Imagem do apêndice “A Geometria”, de René Descartes.
Tradução do texto à direita: “Por exemplo: seja AB unitário, e que seja
necessário multiplicar BC por BD; então, tenho apenas que juntar os pontos A e
C, e desenhar DE paralelo a CA; e BE será o produto desta multiplicação.” |
Na verdade, o exemplo dado pelo matemático francês é uma
repetição da proposição 12 do Livro VI do “Elementos”, cujo enunciado é:
“Dadas três linhas retas, achar a quarta proporcional”
Assim, a multiplicação do exemplo de Descartes,
representada pela semelhança de triângulos, é equivalente à proporção:$$ \frac{BC}{AB}=\frac{BE}{DB} $$
A
grande sacada de Descartes foi adotar o segmento AB com magnitude unitária, como uma entre três linhas retas com
magnitudes conhecidas para encontrar a quarta proporcional, conforme o enunciado.
Deste modo, a proporção reduzir-se-á para:
$$ \frac{BC}{1}=\frac{BE}{DB} $$
Ou
seja:
$$ Multiplicador\left ( BC \right )=\frac{Produto\left ( BE \right )}{Multiplicando\left ( BD \right )} $$
$$ Produto\left ( BE \right )=Multiplicador\left ( BC \right )\times Multiplicando\left ( BD \right ) $$
Seja como for, a
multiplicação que será demonstrada utiliza o teorema da intersecção das cordas,
de Euclides, aplicável tanto a números inteiros quanto números reais, positivos
ou negativos. Assim, sejam dois segmentos de reta, um de magnitude igual a 5 e
outro de magnitude igual a 2, unidos entre si em suas extremidades pelo ponto
comum O; chame de A e B os pontos destes segmentos nas extremidades opostas.
Perpendicular a estes segmentos, trace um terceiro segmento de reta, partindo
de O, com magnitude unitária,
e chame o ponto da outra extremidade de C,
conforme indicado a seguir:
Agora, trace duas cordas,
uma unindo os pontos A e C, e outra unindo os pontos C e B. Prolongue também o
segmento de reta OC, conforme indicado na ilustração a seguir:
Agora, trace retas
perpendiculares às cordas: com a ponta seca do compasso em A, abra-o até C e trace
dois arcos, um acima e outro abaixo da corda AC; repita o processo, agora com a ponta seca do compasso em C. Siga o mesmo procedimento para a
corda CB. Chame o ponto de
intersecção das retas perpendiculares de M:Por fim, com a ponta seca
do compasso em M, abra-o até o ponto
A e desenhe um círculo. Se tudo tiver
sido executado corretamente, a reta laranja resultante, de magnitude igual a
10, será o resultado da multiplicação dos segmentos de retas AO e OB:
Esta construção, apesar de
gerar um resultado multiplicativo, nem de longe possui a eficiência de
raciocínio algébrico e a simplicidade da multiplicação maia, servindo, no
fundo, ao propósito de se perder o medo de manipular a régua e o compasso, e
encarando-se o processo todo mais como uma brincadeira, ou um jogo capaz de
aprimorar as capacidades cognitivas visuais e espaciais daqueles que o
executam. Mais eficiente à abstração do raciocínio, sem dúvida, é a multiplicação
logística helênica com o uso do ábaco; novamente, utilizaremos o soroban e o
método multifatorial para multiplicar, já que não sabemos como os gregos
operavam em seus ábacos. Assim, antes de qualquer coisa, vamos zerar o nosso
ábaco:
Faremos a multiplicação de 315 por 47. Primeiro, sempre coloque mais à esquerda do ábaco o fator de menor ordem de grandeza como o multiplicando (neste caso o 47, nas varetas M e L) com seu valor subtraído de 1 (ou seja, 47 – 1 = 46). E mais à direita do ábaco o valor do fator de maior ordem de grandeza como multiplicador; logo: 315, nas varetas C, B e A. Quando ambos os fatores possuem a mesma ordem de grandeza, tanto faz a posição que ocupem no ábaco. O resultado fica:
Agora, iniciamos a multiplicação dos algarismos do multiplicando por cada um dos algarismos do multiplicador, começando do maior para o menor, aplicando-se os produtos parciais no próprio multiplicador, que desaparecerá para dar lugar ao resultado final. Assim, multiplicaremos 4 por 3, cujo produto é 12; aqui, porém, teremos que adotar o seguinte procedimento: este primeiro produto deverá ser posicionado à esquerda do multiplicador tantas varetas quantos sejam os algarismos do multiplicando: assim, para 47 (contendo dois algarismos) o produto 12 será posicionado duas varetas à esquerda da haste C, ou seja, nas varetas E (para o 1) e na D (para o 2). O resultado fica:
Agora multiplique 6 por 3, cujo produto é 18, posicionando este resultado do seguinte modo: o 1 somado ao valor da última vareta utilizada no produto anterior (ou seja, a D) e o 8 somado ao valor da vareta C. Como a haste D está com 2, a soma de 1 com 2 dá 3; e a vareta C, com o valor 3, somada a 8 dá 11. A haste C fica com 1 unidade e o 1 das dezenas será somado com o 3 da haste D, dando 4. O resultado será:
Recomeçaremos a multiplicação, agora de 4 por 1, cujo produto é 04; por conta deste recomeço, o resultado será posicionado nas mesmas varetas do produto anterior (ou seja, nas varetas D e C); este procedimento deve ser adotado sempre que a multiplicação passe para o próximo algarismo do multiplicador. Assim, o 0 será somado ao valor existente na vareta D e o 4 ao valor existente na haste C que, já tendo 1, vai a 5. O ábaco fica:
Multiplicar 6 por 1 dá 06, onde o 0 será somado ao valor da última vareta utilizada no produto anterior (ou seja, na haste C) e o 6 será somado ao valor existente na vareta B que, já tendo 1, vai a 7. Teremos:
Recomeçando a multiplicação, agora de 4 por 5, resultará 20; mais uma vez, em função do reinício da multiplicação dos algarismos do multiplicando com o próximo algarismo do multiplicador, as varetas do último produto serão utilizadas para receber este resultado: o 2 será somado ao valor da haste C que, já tendo 5, vai a 7, e o 0 será somado ao valor da vareta B. Teremos:
Finalmente, multiplicaremos 6 por 5, resultando 30; o 0 será somado ao valor existente na vareta A, que permanece em 5; e o 3 será somado ao valor existente na vareta B que, já tendo 7, vai a 10, de modo que o 1 das dezenas será somado ao valor existente na haste C que, tendo 7, vai a 8, e o zero das unidades será mantido na vareta B, que ficará com 0 mesmo (pois foi a 10). O produto final desta multiplicação, indicado no ábaco pelas varetas de A até E, será:
Que em notação decimal corresponde a 14.805. O multiplicando é sempre subtraído de 1 porque o multiplicador é sempre somado ao produto final (e por esse motivo é que desaparece) no método de multiplicação multifatorial. Como sempre, as operações aritméticas efetuadas em um ábaco soam complicadas e um tanto exóticas quando travamos contato com suas regras e o manuseamos pela primeira vez; mas, ao criar-se o hábito e a prática, transforma-se numa ferramenta de cálculo muito rápida e eficiente.
|
Janela com gelosias |
O método de multiplicação
hindu, por outro lado, foi bastante utilizado na idade média, onde recebia o
nome de "gelosia" (grade de ripas de madeira cruzadas
intervaladamente, ocupando os vãos de uma janela) e que inspirou a criação do
método moderno de multiplicação que aprendemos na escola. Para entender o
método hindu, vamos multiplicar 435 por 28; a gelosia terá tantas linhas e
colunas quantos forem os algarismos contidos no multiplicando e no multiplicador,
conforme exemplificado a seguir:
Esta gelosia possui três
colunas e duas linhas. Agora, efetuaremos a multiplicação de cada uma das três
colunas do multiplicando (453) pela primeira linha do multiplicador (2).
Teremos como resultado:
Observe: 08 obtido da multiplicação de 4 × 2 na primeira coluna; 10 obtido de 5 × 2 na segunda e 06 de 3 × 2 na terceira coluna. Seguindo o mesmo raciocínio para multiplicar a segunda linha do multiplicador (ou seja, o 8), teremos:
Note a importância de se
saber a tabuada de cor: se nem isso a criança souber, como aprenderá
multiplicações longas? Agora, somaremos os valores contidos nas diagonais das
caixas, e guardaremos os resultados das somas nas caixas chanfradas, seguindo o
esquema de cores abaixo. Obtém-se:
Cada uma das caixas
chanfradas, onde as somas foram acumuladas, representa uma ordem de grandeza do
produto obtido na multiplicação. Assim, a caixa roxa representa as unidades, a
vermelha as dezenas, a verde as centenas, a azul as unidades de milhares e a
amarela as dezenas de milhares. E como já vimos anteriormente, uma caixa de uma
determinada ordem de grandeza não pode conter dois números, pois no sistema
posicional hindu-arábico isso não faz o menor sentido. Então, na caixa azul, o
2 permanece onde está e o 1, que é uma ordem de grandeza superior, vai para a
caixa amarela, somando-se ao valor já contido lá. O resultado final será:
O produto: 453 × 28,
lendo-se as caixas chanfradas no sentido anti-horário, é 12.684. Na idade
média, mais uma vez é Fibonacci quem vem em nosso auxílio, ensinando o método
da multiplicação no segundo capítulo de seu “Liber Abaci”. O método por ele
utilizado é o mesmo que estudamos na escola, porém o produto da multiplicação
era colocado acima dos fatores e não abaixo, sem sinais aritméticos e barra de
separação entre os fatores e o resultado, como fazemos atualmente:
|
Multiplicação, segundo o
"Liber Abaci", de Fibonacci |
O livro Treviso Arithmetica, de 1.478, demonstra três diferentes formas de multiplicar: a atual, a gelosia e um híbrido dos dois métodos. Observe:
|
Três diferentes formas de
multiplicar, segundo o "Treviso Arithmetica": o atual (acima à esquerda),
a gelosia (abaixo) e um híbrido entre os dois métodos (acima à direita). |
No Tractado Subtilissimo d’arismetica, escrito por Juan Hortega em 1.563, também se demonstra as três técnicas de multiplicação conhecidas na época:
|
Três diferentes formas de multiplicar, segundo o “Tractado
Subtilissimo d’arismetica” |
Luca Pacioli, em seu Summa de arithmetica, de 1.523, já demonstra o seu método de multiplicação muito semelhante ao que nós aprendemos:
|
A multiplicação, segundo o
"Summa de arithmetica" |
As gelosias eram muito
eficientes para o cálculo de multiplicações longas, largamente aplicadas na
astronomia durante Renascença. E foi nessa época o matemático escocês John
Napier (1.550 a 1.617), tornou-se famoso graças à criação de engenhosos
dispositivos que auxiliavam na computação numérica. Entre esses dispositivos,
sem dúvida os mais famosos são os bastões numerados, conhecidos como Ossos de
Napier, apresentados em sua obra “Rabdologiæ”, de 1.617.
|
Os bastões, ou ossos, de Napier |
Cada osso (que nada mais é
que um bastão retangular) contém no topo um dos dez algarismos hindu-arábicos,
acompanhado de sua respectiva tabuada, conforme ilustrado no exemplo abaixo: |
Um osso correspondente ao
algarismo 7, com a sua correspondente tabuada |
Podemos ter tantos ossos de
cada algarismo quantos se queiram, pois eles são utilizados para computar
multiplicações de uma forma muito original e eficiente. Vejamos então como
funciona essa máquina de calcular mecânica com um primeiro exemplo: multiplicar
825 por 913. Para efetuar esta conta, alinhe os ossos com os algarismos 8, 2 e
5 do multiplicador, conforme abaixo: |
Alinhando os algarismos do
multiplicador com os ossos de Napier |
A coluna branca representa
os nove algarismos significativos e fica localizada à esquerda da caixa utilizada
para o encaixe dos ossos, impressa na própria moldura. Caso não tenhamos uma
caixa, a coluna branca pode também ser um osso. Como os números a serem
multiplicados contêm vários dígitos, e já alinhamos o multiplicador (825),
destacamos o multiplicando (913) nas linhas dessa mesma estrutura, conforme indicado
abaixo: |
Destacando em vermelho
os algarismos do multiplicando |
Agora, basta somarmos as
diagonais de cada linha, da direita para a esquerda, começando pelo dígito 9,
igual ao procedimento adotado nas gelosias:Observe: o número 5 não
possui nenhum outro número com o qual possa ser somado; então, ele entra como o
primeiro resultado parcial. Em seguida, somamos o 4 com o 8, resultando 12;
como em cada caixa podemos ter um único algarismo, o 1 do 12 é uma ordem de
grandeza maior, ele passa para a próxima diagonal, ficando o 2 como o segundo
resultado parcial. Na terceira diagonal, temos o 1 (que veio da diagonal
anterior) para ser somado com os algarismos 1 e 2, resultando 4 como o terceiro
resultado parcial. Finalmente, o algarismo 7 também não tem nenhum outro número
com o qual possa ser somado, entrando como o quarto e último resultado parcial,
chegando-se a: 7425. Para a linha do dígito 1, o resultado é o próprio valor do
algarismo de cada osso; assim, chegamos ao valor 825, conforme indicado abaixo:Para a linha do dígito 3, o
procedimento é o mesmo utilizado no dígito 9. Seguindo o mesmo raciocínio,
chegamos ao valor 2475, conforme abaixo:Agora, estes três
resultados devem ser somados entre si de acordo com a seguinte regra: no
multiplicador (ou seja, o 913) para o dígito 3 (que representa as unidades)
mantém-se o resultado 2475 inalterado; para o dígito 1 (que representa as
dezenas), acrescentamos um zero à direita de 825, resultando 8250. E para o
dígito 9 (que representa as centenas) acrescentamos dois zeros à direita de
7425, resultando 742500. Finalmente, somamos estes três resultados parciais
para chegarmos ao equivalente da multiplicação entre 825 e 913 em nosso método
moderno, conforme indicado a seguir:O resultado da multiplicação entre 825 e 913 é: 753225, como
destacado em vermelho. Apesar de Napier receber todo o crédito pela invenção de
seus ossos de cálculo, há claros indícios de seu uso anterior; ainda que
descrito formalmente pela primeira vez no “Rabdologiæ”, este tipo de artefato
já era bem conhecido e disponibilizado por vários artesãos e fabricantes de
instrumentos, fato este evidenciado na dedicatória do livro do matemático
escocês, onde afirma:
"Eu tive duas razões para tornar meu livro sobre
a fabricação e uso dos ossos disponível para o público. A primeira foi que os
ossos caíram nas graças de tanta gente que quase se podia dizer que já eram de
uso comum, tanto dentro quanto fora de casa. A segunda razão é que foi trazido
à minha atenção... o conselho que você gentilmente me deu de publicá-las, para
que não fossem publicadas sob o nome de outra pessoa...".
Os ossos de Napier podem ser considerados como
uma adaptação inteligente das chamadas mesas de multiplicação. Evidências desse
tipo de artefato existem desde o tempo dos babilônios, na forma de placas de
argila, utilizando o sistema sexagesimal em escrita cuneiforme. Também são
conhecidas como mesas de Pitágoras, havendo uma aparição delas na obra
“Arithmetike eisagoge” (“Introdução à Aritmética”), do filósofo e matemático
greco-romano Nicômaco de Gerasa, que viveu entre 60 d.C. e 120 d.C. A mais
antiga mesa de multiplicação grega existente encontra-se no formato de uma plaqueta
de cera, datada do século I d.C., e atualmente em posse do Museu Britânico. |
Uma mesa de Pitágoras,
feita de ripas semelhantes a palitos de picolé |
E a mesa de multiplicação
mais antiga de que se tem notícia utilizando o sistema decimal é um conjunto de
varetas de bambu, oriundas da China, datadas de cerca de 305 a.C., também conhecidas
como bambus deslizantes de Tsinghua. |
Mesa de multiplicação
chinesa, conhecida como bambus deslizantes de Tsinghua |
Entre os árabes, a técnica de cálculo com as mesas de
Pitágoras denominava-se método da peneira ou método da rede. Na Itália dos
séculos XIV e XV o método era conhecido, como já visto, pelo nome de gelosia ou
graticola. Seja como for, os ossos de Napier representam, sem dúvida, uma
ferramenta pedagógica bastante interessante para o ensino da multiplicação e,
como veremos a seguir, igualmente para o ensino da divisão.
Referências bibliográficas:
[1]
|
Fink, K. G. “A brief history of mathematics”, The Open Court
Publishing Co., 1900.
|
[2]
|
Cajori, F. “A history of mathematics”, The Macmillan Company, 1909.
|
[3]
|
Cooke, R. L. “The history of mathematics – A brief course”, 3rd
Edition, John Willey & Sons, 2013. ISBN: 978-1-118-21756-6.
|
[4]
|
Heath, T. “A history of Greek mathematics – Volume I: From Thales to
Euclid”, Oxford at the Calendon Press, 1921.
|
[5]
|
Penrose, R. “The road to reality: A complete guide to the laws of the
universe”, Jonathan Cape, 2004. ISBN: 0-224-04447-8.
|
[6]
|
Joseph, G. G. “The crest of the peacock: non-european roots of
mathematics”, Princeton University Press, 2011. ISBN: 978-0-691-13526-7.
|
[7]
|
Simmons, G. F. “Calculus Gems: Brief lives and memorable mathematics”,
McGraw-Hill Inc., 1992. ISBN: 0-07-057566-5.
|
[8]
|
Sigler, L. “Fibonacci’s Liber Abaci – A translation into modern
English of Leonardo Pisano’s Book of Calculation”, Springer Science+Business
Media New York, 2003. ISBN: 978-0-387-40737-1; ISBN-e: 978-1-4613-0079-3.
|
[9]
|
Commandino, F. “Euclides –
Elementos de geometria”, Edições Cultura, 1944.
|
[10]
|
Anderson, W. F. “Arithmetic in Maya numerals”, American Antiquity,
Vol. 36, No. 1, 1971.
|
[11]
|
Levy, J. D. “Ancient Mayan mathematical developments”, The
Baldwin-Wallace College Journal of Research and Creative Studies, 1(2):34-40, Spring 2008.
|
[12]
|
Magaña, L. F. “To learn mathematics: Mayan mathematics in base 10”,
Proceedings of EDULEARN 10 Conference, 5th – 7th July
2010, Barcelona, Spain.
|
[13]
|
Høyrup, J. “Leonardo Fibonacci and abbaco culture: a proposal to
invert the roles”, Filosofi Og Videnskabsteori På Roskilde Universitetscenter
3. Række: Preprints og reprints, 2004, No. 1.
|
[14]
|
Tejón, F. “Manual para uso
do ábaco japonês - Soroban”, Editerio Krayono, Ponferrada, Espanha, 2007. Tradução de Raimundo
Viana.
|
[15]
|
Cabtree, J. “A new model of multiplication via Euclid”, Vinculum,
volume 53, No. 2, 2016.
|
[16]
|
Wikipedia, “Multiplication
table”, acessado em Janeiro/2021. Link para consulta:https://en.wikipedia.org/wiki/Multiplication_table.
|
[17]
|
Anônimo, “Treviso
Arithmetica (larte de labbacho)”, 1478.
|
[18]
|
Luca Pacioli, "Summa de
arithmetica geometria", 1523.
|
[19]
|
Juan de Hortega,
"Tractado subtilissimo d'arismetica y geometria", 1563
|
[20]
|
John Napier, “Rabdologiae”, Andrew Hart (Publisher), Edinburgh, 1.617.
|
Nota:
Esta postagem é parte integrante do e-book gratuito
Matemática: Uma abordagem histórica - Volume 1. Caso queira obter um exemplar,
clique aqui.