Ciência de Garagem

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quinta-feira, setembro 24, 2015

Os sólidos de Platão versus o atomismo de Demócrito

Trabalho em marchetaria, executado por Fra Giovanni da Verona, por volta de 1520. Este painel encontra-se na igreja de Santa Maria em Organo, Verona. Os poliedros representados neste trabalho estão baseados nos desenhos de Da Vinci, publicados no influente livro de Luca Paccioli, o "De Divina Proportione", de 1509.

E

xiste um trecho de uma música da cantora Gal Costa, Barato Total, cujos versos tem estes dizeres:

 

 


Dez minutos atrás de uma idéia já deu

Pra uma teia de aranha crescer e prender

Sua vida na cadeia do pensamento [...]

 

Por improvável que possa parecer, os sólidos platônicos surgiram no esteio de diversas idéias e conceitos na cadeia do pensamento humano, assim como o atomismo. O atomismo é uma ciência natural que se desenvolveu principalmente em duas tradições antigas: a hindu[1], por volta do século VI a.C. e a grega, por volta do século V a.C., a qual nos interessa no presente caso. A palavra átomo vem do grego ἀτομος (atomos, junção dos termos a - "não" e temnó - "cortar"), ou seja, qualquer coisa que não pode ser cortada ou é indivisível. Por volta de 485 a.C. o filósofo Parmênides baseou-se em um argumento ontológico[2] contra o nada, negando a possibilidade da existência de um vácuo. Em 460 a.C., o filósofo grego Leucipo, em oposição a Parmênides, propôs uma teoria atômica, segundo a qual a realidade estaria formada tanto por partículas indivisíveis, de formas variadas e sempre em movimento, quanto pelo vácuo. Assim, talvez para contrariar Parmênides, afirma que existe tanto o ser como o não-ser: o primeiro representado pelos átomos e o segundo pelo vazio:

 

...que existe não menos que o ser

 

Demócrito de Abdera, discípulo e sucessor de Leucipo, dá prosseguimento à teoria atômica. A obra de Demócrito sobreviveu apenas por relatos de terceiros, muitos deles vindos de Aristóteles.

[1] Ainda que o atomismo hindu não seja abordado, o prezado leitor poderá consultar as referências bibliográficas [1] a [3] deste capítulo caso queira aprofundar-se um pouco mais no tema, que guarda algumas similitudes com o atomismo grego.

[2] Ontologia é a parte da filosofia que estuda as propriedades mais gerais do ser, independentemente de suas determinações particulares, isto é, do ser concebido como tendo uma natureza comum que é inerente a todos e a cada um dos seres. 

É Aristóteles quem afirma que o raciocínio que guiou Demócrito e Leucipo para afirmar a existência dos átomos foi a seguinte: o movimento pressupõe o vazio no qual a matéria se desloca; mas se a matéria se dividisse sempre em partes cada vez menores no vazio, ela não teria consistência, nada poderia se formar porque nada poderia surgir da diluição cada vez mais infinitamente profunda da matéria no vazio. Daí, conclui que, para explicar a existência do mundo tal como o conhecemos, a divisão da matéria não pode ser infinita, isto é, há um limite para o indivisível. Para Demócrito, o cosmo (o mundo e todas as coisas, inclusive a alma) seria formado por um turbilhão de infinitos átomos de diversos formatos que jorram ao acaso e se chocam. Com o tempo, alguns se unem por suas características e muitos outros se chocam sem formar nada. Desse modo, os que se unem tomam consistência e formam todas as coisas que conhecemos e depois se dissolvem no mesmo turbilhonar de átomos dos quais surgiram. Alega-se que teve tal concepção quando viu partículas de poeira em um movimento turbilhonante através de um raio de sol penetrando numa fresta de um recinto escuro.

A consistência dos aglomerados de átomos que faz com que algo pareça sólido, líquido, gasoso ou anímico ("estado de espírito") seria então determinada pelo formato (figura) e arranjo dos átomos envolvidos. Desse modo, os átomos de aço possuem um formato que se assemelha a ganchos, que os prendem solidamente entre si; os átomos de água são lisos e escorregadios; os átomos de sal, como demonstram pelo seu gosto, são ásperos e pontudos; os átomos de ar são pequenos e pouco ligados, penetrando todos os outros materiais; e os átomos da alma e do fogo são esféricos e muito delicados. Diz-se que Demócrito ria e gargalhava de tudo, e afirmava que o riso torna sábio, levando-o a ser conhecido no Renascimento como "o filósofo que ri".

Demócrito, tela de Agostino Carracci (~1.598), pertencente ao Museo di Capodimonte, Collezione Farnese

Demócrito,tela a óleo de Hen drik ter Brugghen (1628), coleção do Rijksmuseum


Demócrito, tela de Battista Dossi (~ 1.542), Pinacoteca Cívica Domenico Inzaghi

Demócrito rindo próximo a um globo terrestre, tela a óleo de Jacob Duke (1.600 – 1.667). Obra não datada pelo artista

O jovem Rembrandt como Demócrito, o filósofo que ri - Rembrandt (1628)

Tendo também abordado a questão da ética, são atribuídos a Demócrito alguns fragmentos associados ao tema, entre os quais estes:


"Toda belicosidade é insensata; pois enquanto se busca prejudicar o inimigo, esquecemos o nosso próprio interesse."

 

"Melhor (educador) para a virtude mostrar-se-á aquele que usar o encorajamento e a palavra persuasiva, do que o que se servir da lei e da coerção. Pois quem evita o injusto apenas por temor a lei, provavelmente cometerá o mal em segredo; quem, ao contrario, for levado ao dever pela convicção, provavelmente não cometerá o injusto nem em segredo nem abertamente, Por isto, quem agir corretamente com compreensão e entendimento, mostrar-se-á corajoso e correto de pensamento."


"Sábio é quem não se aflige com o que lhe falta e se alegra com o que possui."


Bem antes da teoria atômica, estabeleceram-se entre os gregos várias teorias sobre os elementos essenciais. Entre elas, destaca-se a do filósofo grego Tales de Mileto (~623 a.C. a ~546 a.C.); para ele, o elemento essencial era a água e todas as coisas derivavam desse elemento. Reza a lenda que Tales, caminhando ao longo de uma colina às margens do Jônia (atual sudoeste da Turquia), percebeu algumas rochas contendo fósseis que foram de conchas, o que o levou a acreditar que aquelas colinas já fizeram parte do mar num passado longínquo. Por essa lógica, Tales estabeleceu a teoria de que o mundo original teria sido inteiramente composto de água, e nesse sentido a água seria o elemento primordial. Posteriormente, o filósofo grego Empédocles (490 a.C. a 430 a.C.) foi o primeiro a estabelecer a teoria dos 4 elementos essenciais que fazem toda a estrutura do mundo: fogo, ar, água e terra, chamando-os de "raízes". De acordo com as diferentes proporções em que essas 4 raízes indestrutíveis e imutáveis fossem combinadas umas com as outras é que se produziriam as diferenças da estrutura. Foi da agregação e segregação resultantes, que Empédocles e os atomistas encontraram o verdadeiro processo que corresponde ao que é popularmente chamado de crescimento, aumento ou diminuição.

Empédocles, ilustrado no "Crônica de Nuremberg", 1493

Nada de novo vem ou pode vir a ser; a única mudança que pode ocorrer é uma mudança na justaposição de raiz com raiz. Essa teoria das quatro raízes tornou-se um dogma nos dois mil anos seguintes. O termo ‘elemento’ (do grego stoicheia) foi cunhado pela primeira vez por Platão em 360 a.C. em seus diálogos com outro filósofo grego, Timeu de Lócrida, onde discursa sobre a composição dos corpos orgânicos e inorgânicos, considerada atualmente como um tratado rudimentar de química. Platão compôs sua teoria física baseando-se em um modelo geométrico, ao perceber que uma teoria sobre a natureza de caráter puramente aritmético era impossível, sendo preciso um novo método matemático para a descrição do mundo. Desse modo, elaborou um método geométrico que veio até mesmo a influenciar Euclides. A teoria platônica propôs uma versão geométrica para a teoria atômica de Demócrito, usando o triângulo como o elemento básico de seu modelo de partículas elementares, construindo a partir dele os sólidos geométricos. Cada elemento de Empédocles foi associado a um sólido geométrico na forma de partícula; assim, o cubo fora associado à terra por ser o mais imóvel dos quatro elementos, seguido pela ordem da estabilidade: o icosaedro à água, o octaedro ao ar e o tetraedro ao fogo. Nesta teoria dos quatro elementos Aristóteles acrescenta, em torno de 350 a.C., um quinto elemento ou "quintessência", que formaria os céus, representado pelo dodecaedro. Com base nesta lógica, vários pensadores especularam ao longo dos dois mil anos seguintes sobre as formas geométricas possíveis, como os círculos, quadrados, polígonos, etc., (ou seja, os elementos) e como essas formas poderiam se combinar, se repelir, ou interagir umas com as outras para criar novos elementos.


Os cinco sólidos platônicos, da esquerda para a direita: o octaedro, representando o ar; o icosaedro representando a água; o tetraedro representando o fogo; o cubo representando a terra; e finalmente o dodecaedro, representando os céus.

A astronomia renascentista sofreria grande influência dos sólidos platônicos pelas mãos de Johannes Kepler, matemático e astrônomo alemão, mais conhecido por ter formulado as três leis fundamentais da mecânica celeste, conhecidas como Leis de Kepler. Durante o período em que foi professor de matemática e astronomia da escola protestante de Graz, em 1595, teve uma epifania durante a explicação da conjunção periódica de Saturno e Júpiter no zodíaco (naquela época, não havia distinção clara entre astronomia e astrologia), ao identificar que os cinco poliedros platônicos poderiam ser inscritos e circunscritos por esferas celestes, um dentro do outro, produzindo seis camadas, cada uma correspondendo a um dos seis planetas conhecidos até então: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter e Saturno. Ao ordenar os sólidos platônicos na sequência correta: octaedro, icosaedro, dodecaedro, tetraedro e cubo, Kepler observou que as esferas que circunscreviam esses sólidos podiam ser posicionadas no espaço relativo à trajetória de cada planeta, assumindo-se que os mesmos giram ao redor do Sol. Este conceito aparece no primeiro grande trabalho de Kepler sobre astronomia: Mysterium Cosmographicum, publicado em 1.596.

Ilustração do livro Harmonices mundi, onde se vêem os cinco sólidos platônicos, à direita

A teoria de Kepler apresentada no Mysterium Cosmographicum, mesmo incorreta, promoveu uma salutar limpeza nos resquícios da teoria ptolomaica, ainda presente no sistema heliocêntrico de Nicolau Copérnico, em sua obra De revolutionibus orbium coelestium libri VI, de 1.566, com seus epiciclos e círculos excêntricos usados para explicar a mudança na velocidade orbital dos planetas.

Modelo de sólidos platônicos do sistema solar de Kepler, Mysterium Cosmographicum

À esquerda:modelo geocêntrico de Ptolomeu; à direita: modelo heliocêntrico de Copérnico. Observe as semelhanças e influência do astrônomo grego no trabalho do astrônomo polonês.

Também a alquimia, prática que combinava elementos de química e de filosofia, e que teve seu auge na Idade Média (entre 500 d.C. e 1.500 d.C.), esteve fortemente arraigada à filosofia platônica de um mundo composto pelos quatro elementos (terra, água, fogo e ar) diferenciados em quatro qualidades: úmido, seco, frio e quente. As qualidades dos 4 elementos e suas proporções determinariam a forma de um objeto, dando alento ao conceito da transmutação, que seria a transformação de uma forma ou matéria em outra alterando-se as proporções dos elementos e suas qualidades através dos processos de destilação, combustão, aquecimento e evaporação. A alquimia medieval acabou fundando, com seus estudos sobre os metais, as bases da química moderna.

Ilustração de uma oficina de alquimia, do livro "Beschreibung allerfürnemisten mineralischen Ertzt unnd Bergkwercks Arten", de Lazarus Ercker, 1580

Falando em metais, como ferro, alumínio, ouro, etc., a estrutura desses elementos químicos é cristalina, o que implica dizer que sua estrutura atômica caracteriza-se pelo agrupamento segundo um modelo de repetição periódico a partir de uma estrutura básica denominada célula unitária. Seja como for, o declínio da alquimia na Europa foi provocado pelo surgimento da ciência moderna, com sua ênfase na experimentação quantitativa rigorosa e seu desdém pela 'sabedoria antiga'. Na esteira dessas mudanças, o atomismo volta a ganhar a atenção dos estudiosos, entre os quais René Descartes, filósofo, matemático e físico francês, considerado "o pai da matemática moderna", que acreditava que alguns átomos fossem dotados de ganchos, e outros de cavidades, tal como preconizado por Demócrito. Descartes alegou que dois átomos se combinavam quando o gancho de um se fixava na cavidade do outro, como no esquema a seguir:

Representação da molécula de água (H2O) no modelo “gancho-cavidade” de Descartes. Na época de sua proposição (cerca de 1625) a composição da água não era conhecida!

O microscópio de corrente de tunelamento, criado pelos suíços Gerd Binnig e Heinrich Rohrer em 1981, permitiu pela primeira vez a obtenção de imagens de átomos agrupados em suas estruturas cristalinas, granjeando aos seus criadores o prêmio Nobel de Física em 1986. Com esse equipamento, foi possível enxergar umas das menores partículas da matéria, tal como idealizadas pelos antigos gregos 2.000 anos atrás.

À esquerda: imagem de átomos de ouro e sua estrutura cristalina, obtidos através do microscópio de tunelamento; à direita, o microscópio de varredura por tunelamento

Quando o atomismo parecia ter enfim sepultado de vez a teoria dos sólidos platônicos para descrever o mundo, eis que ocorre outra reviravolta. Em abril de 1982, o químico israelense Daniel Shechtman estava estudando uma amostra de uma liga de alumínio e manganês através de um microscópio de varredura. Ele obteve uma foto da estrutura cristalina dessa liga com círculos concêntricos contendo 10 pontos luminosos, conforme abaixo:

À esquerda: padrão luminoso contendo 10 pontos equidistantes; à direita: a mesma foto, mostrando círculos concêntricos associados a polígonos de ordem 5 (pentágonos)

Shechtman não acreditou na estrutura obtida em sua foto, e a razão para isto foi o arranjo cristalográfico, considerado na época impossível de ocorrer. Veja por que, observando as estruturas cristalinas bidimensionais de dimensões 3, 4 e 6, abaixo:


Imagine que as estruturas acima sejam fotos obtidas com um microscópio de varredura por tunelamento, e que estejamos vendo a superfície de diferentes metais: note que a rede de átomos é ordenada e periódica. Observe agora uma estrutura cristalina de dimensão 5:



Esta rede apresenta agrupamentos de átomos em pentágonos e em losangos, formando uma estrutura ordenada, porém quase periódica. Segundo a teoria vigente na época, elementos de simetria de ordem 5, 10 e 20 eram impossíveis, porque as redes formadas nessas ordens são quase periódicas. Outros pesquisadores já haviam observado esse fenômeno anteriormente, mas céticos com os resultados conflitantes com as regras então permitidas pela cristalografia, não davam continuidade às suas pesquisas. Shechtman seguiu o caminho oposto: não apenas acreditou no que viu como tentou publicar seus resultados, logrando êxito apenas em 1984, após algumas recusas dos editores das revistas científicas.

Quasicristal dodecaédrico, formado por uma liga de Hólmio, Manganês e Zinco

Acima: azulejos em uma parede na mesquita Djuma, em Khiva, Uzbequistão; abaixo: modelo atômico da superfície do quasicristal icosaédrico Alumínio-Paládio-Manganês. A arte imitando a natureza?
Depois da publicação de Shechtman, inúmeros artigos científicos foram publicados, reportando a descoberta de novos compostos sintéticos com diferentes simetrias. Em 2009, foi descoberto o primeiro quasicristal natural, um mineral encontrado no rio Khatyrka, no leste da Rússia; com uma elevada qualidade cristalina, ganhou o sugestivo nome de icosaedrita pela Associação Internacional de Mineralogia em 2010. Essa série de eventos culminou com a concessão do prêmio Nobel de química ao professor Shechtman em 2011 pelos seus estudos pioneiros com os quasicristais.

O professor israelense Daniel Shechtman, ganhador do prêmio Nobel de química em 2011, segurando um icosaedro em suas mãos: os sólidos platônicos ressurgem das cinzas com os quasicristais

Questionado sobre qual teria sido a lição aprendida em sua trajetória profissional após ter sido laureado com o prêmio Nobel, o professor Daniel Shechtman disse:


Se você é um cientista e acredita em seus resultados, lute por eles, lute pela verdade. Ouça os outros, mas lute pelo que acredita. Eu lutei, e os resultados foram muito bons para todos, inclusive para mim.


Porém, engana-se quem crê que Platão não nos reservaria novas surpresas. Em Agosto de 2.020 é publicado na revista científica PNAS o artigo Plato’s cube and the natural geometry of fragmentation (O cubo de Platão e a geometria natural da fragmentação) escrito – entre outros autores – pelo matemático húngaro Gábor Domokos e pelo geofísico norte-americano Douglas Jerolmack. O matemático húngaro desenvolvera um modelo geométrico que provava matematicamente que quaisquer rochas que se quebrassem aleatoriamente se fragmentariam em formas que têm, em média, seis faces e oito vértices, ou seja, seriam aproximações assombrosas convergindo para uma espécie de cubo ideal.

À esquerda: o matemático húngaro Gábor Domokos; à direita: o geofísico norte-americano Douglas Jerolmack

Assim, de acordo com Domokos, se pegarmos uma forma poliédrica tridimensional, cortá-la aleatoriamente em dois fragmentos e, em seguida, cortá-los novamente e de novo, teremos um vasto número de formas poliédricas. Mas, em um sentido comum, a forma resultante dos fragmentos é um cubo. Platão propôs que seus sólidos ideais, associados aos cinco elementos: terra, ar, fogo, água e material estelar, eram perfeitos para a compreensão do mundo físico e do universo. O filósofo grego equiparou os cubos – sólidos geométricos que mais facilmente se empilham – com a Terra. Sorte? Talvez esteja mais para genialidade... A equipe fez o seguinte comentário:


Aplicamos a teoria dos mosaicos convexos para mostrar que a geometria média de fragmentos bidimensionais naturais – das fendas de lama às placas tectônicas da Terra – possui dois atratores: quadrantes “platônicos” e hexágonos “Voronoi”. Em três dimensões, o atrator platônico é dominante: notavelmente, a forma média dos fragmentos de rocha natural é cubóide.

Fragmentos aleatórios tendem a agrupar-se em cubóides. Ilustração apresentada no artigo de Domokos e Jerolmack. Platão acerta novamente!

Depois que Platão e Demócrito foram capazes, usando apenas a mente e a razão, de vislumbrar diferentes aspectos de uma mesma realidade, vejamos como construir geometricamente os 3 polígonos regulares existentes em sólidos platônicos: o triângulo equilátero, o quadrado e o pentágono. Começando pelo triângulo, trace com uma régua um segmento de reta de magnitude 4 e chame os pontos das extremidades desse segmento de A e B, conforme abaixo:

Com um compasso centrado em A, trace um arco de circunferência com raio de magnitude 4:

Repita o processo, desenhando outro arco de circunferência com raio de magnitude 4, agora com o compasso centrado em B:

O ponto onde os dois arcos de circunferência se cruzam forma a terceira aresta do triângulo equilátero. Chame esse ponto de C e una os pontos A e B a esse ponto através de segmentos de reta, como indicado a seguir:

Pronto! Já desenhamos nosso triângulo equilátero, utilizado na construção dos seguintes sólidos platônicos: tetraedro, octaedro, e icosaedro. Para construirmos o quadrado, desenhe um segmento de reta, conforme abaixo:

Sobre este segmento, desenhe outro segmento de magnitude 3 e chame suas extremidades de A e B:

Com o compasso centrado em A, abra-o numa largura qualquer entre os pontos A e B e, em seguida, desenhe dois arcos de círculo à esquerda e à direita do ponto A, de modo que cruzem o segmento de reta maior:

Faça um ponto no cruzamento entre o segmento de reta e o arco desenhado à esquerda de A e chame-o de E; e no cruzamento entre o segmento de reta e o arco desenhado à direita de A marque outro ponto e chame-o de F:

Com o compasso centrado no ponto F, abra-o até o ponto E, desenhando dois arcos de círculo, conforme indicado a seguir:

Refaça o procedimento anterior, agora com o compasso centrado no ponto E:

Centralize a régua nos dois cruzamentos obtidos com os quatro arcos de círculo e desenhe um segmento de reta partindo do ponto A, com magnitude igual a 3; chame a outra extremidade desse novo segmento de reta de C:


Agora, com o compasso centrado no ponto B, abra-o até o ponto F e desenhe um arco de círculo cruzando o segmento de reta maior, à direita de B; marque um ponto nesse cruzamento e chame-o de G:

Com o compasso centrado no ponto F, abra-o até o ponto G; em seguida, desenhe dois arcos de círculo, como indicado a seguir:


Repita o procedimento anterior, agora com o compasso centrado no ponto G:

Centralize a régua nos dois cruzamentos obtidos com os quatro novos arcos de círculo e desenhe um segmento de reta partindo do ponto B, com magnitude igual a 3; chame a outra extremidade desse novo segmento de reta de D:

Para completarmos o quadrado, basta unirmos os pontos C e D:

Resta-nos agora desenhar um pentágono. Para isso, começamos traçando um segmento de reta; sobre ele marcamos dois pontos A e B, distantes entre si com magnitude igual a 3:

Com o compasso centrado em A e abertura até B, desenhe um grande arco de círculo, conforme o esquema a seguir:

Repita o processo, agora centrando o compasso no ponto B com abertura até o ponto A; em seguida, com uma régua, desenhe um segmento de reta ao longo dos cruzamentos entre os dois arcos de círculo. Marque um ponto na intersecção deste segmento de reta com o cruzamento de arcos da parte superior, e chame de C a esse ponto, como indicado a seguir:

Com o compasso centrado em C, abra-o até o ponto B e, partindo de B, desenhe um arco de círculo como indicado a seguir:

No novo cruzamento de arcos obtido, marque um ponto e chame- o de D. Agora, com o compasso centrado em D, abra-o até C e desenhe um arco de círculo partindo de C, como abaixo:

Na nova intersecção formada entre os arcos, marque um ponto e chame-o de E. Com a régua, trace um segmento de reta entre os pontos B e E. Marque um ponto entre o segmento de reta BE e o arco de círculo CD e chame esse ponto de F:

Agora, preste atenção: com o compasso centrado no ponto médio que divide o segmento de reta AB, abra-o até o ponto F e desenhe um arco de círculo que chegue até o segmento de reta maior, chamando esse ponto de intersecção de G:

Com o compasso centrado em A, abra-o até G e desenhe um arco de círculo. Marque o ponto H à direita do ponto F, como abaixo:

Com a régua, desenhe o segmento de reta entre os pontos B e H:

Com o compasso centrado em H, abra-o até B e desenhe um arco de círculo; na intersecção entre os arcos, marque um ponto e chame-o de J e, em seguida, desenhe com a régua um segmento de reta entre os pontos H e J, conforme indicado a seguir:



Com o compasso centrado em J, abra-o até H e desenhe um arco de círculo; na intersecção deste arco com o arco que passa pelos pontos C e B, marque um ponto e chame-o de L:

Para finalizar, desenhe um segmento de reta com a régua entre os pontos J e L e outro segmento entre os pontos L e A:

Obtemos assim nosso pentágono regular, completando os três polígonos regulares existentes nos sólidos platônicos. Depois de toda essa teia de informações entrecruzadas, quem poderá dizer, de um momento para o outro, que o conhecimento não é um barato total?


Referências bibliográficas:

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Nota:
Esta postagem é parte integrante do e-book gratuito Matemática: Uma abordagem histórica - Volume 2. Caso queira obter um exemplar, clique aqui.